6:59 PM
17 de outubro de 2025

Juristas apontam insegurança jurídica no Código Civil de Pacheco

Juristas apontam insegurança jurídica no Código Civil de Pacheco

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A segunda audiência pública no Senado sobre o projeto de lei que altera cerca de mil artigos do Código Civil e cria mais de 300 dispositivos, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi marcada por duras críticas à proposta. Depois da reação de juristas à impossibilidade de falar na primeira convocação pública, especialistas em Direito Civil presentes na sessão desta quinta-feira (16) puderam apontar, no pouco tempo disponível, falhas técnicas e os motivos pelos quais a proposta, caso seja aprovada, trará insegurança jurídica ao país.

José Anchieta da Silva, presidente da Academia Mineira de Letras Jurídicas (AMLJ) e representante da Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas), defendeu que a proposta deveria ser completamente abandonada por prejudicar temas sensíveis à sociedade e ao direito empresarial, dar superpoderes a juízes e tornar vulneráveis os contratos, trazendo insegurança jurídica. Ele negou a tese de Pacheco de que seria apenas uma atualização.

“Ao que me parece, pela dimensão da empreitada, o que se pretende é um novo Código”, disse, o que exigiria mais tempo e participação da sociedade. O presidente da AMLJ contestou ainda parte dos argumentos expostos pelo Professor de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Carlos Eduardo Pianovski, que defende a proposta de Pacheco.

“Chamo a atenção do expositor Carlos Eduardo para discordar dele, quando ficou parecendo que o Brasil tem um Código Civil obsoleto. Não é verdade”, ressaltou Anchieta, ponderando que a atualização sempre é necessária, mas não da forma como o projeto pretende implementar.

Anchieta defendeu que sejam realizadas novas audiências públicas. Pacheco afirmou que o tema será discutido para o “devido amadurecimento” do tema.

Flávio Tartuce, relator-geral da comissão de juristas que fez o anteprojeto da proposta do Código Civil de Pacheco, rebateu as críticas de Anchieta sobre as regras voltadas à economia, dizendo que a proposta traz “segurança jurídica” para o setor.

Carlos Affonso de Souza, professor de Direito Civil e Direito Digital da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), por outro lado, mencionou que o projeto revoga o artigo 19 do Marco Civil da Internet, contrariando decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em julho, a Corte declarou parte do artigo 19 inconstitucional, determinando a remoção de conteúdos, mesmo sem mediação judicial, em casos envolvendo pornografia infantil, incitação ao suicídio. O STF incluiu ainda a possibilidade de censura automática de conteúdos que sejam considerados “antidemocráticos”, o que pode impedir críticas legítimas a autoridades. Para Souza, a exclusão do dispositivo gera um “cenário de insegurança jurídica”, já que o tribunal admitiu que o artigo seria válido para outros casos.

O artigo 19 é a base do regime brasileiro de proteção contra a censura nas plataformas. Ele estabelece que uma plataforma só pode sofrer sanções da Justiça por conteúdos de terceiros quando desrespeitar ordens judiciais. A norma foi criada para impedir que as redes sociais, por medo de punições, removam conteúdo de forma preventiva e desproporcional.

A professora Laura Porto, especialista em Direito Digital e membro da comissão de juristas, defendeu a exclusão de dados e informações das redes sociais “que não se equiparam ao direito ao esquecimento”. Segundo ela, “é muito importante que a gente pense em excluir informações da internet que não têm relevância social”. 

Código Civil de Pacheco deve ser revisado para não atrapalhar a economia do país

O professor da FGV Direito-SP, Paulo Doron, defendeu a necessidade de sanar incongruências e incompatibilidades no texto geral da proposta para o novo Código Civil, principalmente entre a parte principal e os livros específicos,para não prejudicar a economia brasileira. Ele destacou três pilares do texto geral que devem ser discutidos em maior profundidade: o contrato, a propriedade e a empresa.

“Me parece que determinadas regras e incompatibilidades entre o que está previsto na parte geral e nos livros especiais para cada um desses temas podem trazer situações que ao invés de colaborar para melhor eficiência da economia brasileira, acabem por atrapalhá-la”, disse Doron. 

Doron defendeu a realização de novas audiências públicas em busca de um consenso na redação da proposta para evitar a insegurança jurídica dos contratos. Para o professor da FGV, a redação traz conceitos “muito abertos” que confundem os conceitos de contrato. 

Trechos do projeto contradizem LGPD

O professor da UERJ Carlos Affonso de Souza também apontou falhas técnicas na parte do livro digital e citou que trechos do projeto contradizem pontos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e precisam ser reavaliados.

Ele alertou que separar as regras de direito digital da norma geral pode causar a percepção de “excepcionalismo digital”, com risco de gerar tratamento distintos sobre o mesmo tema, como ocorre no projeto com a herança digital. 

Para Souza, os autores limitam a norma geral, que tem o objetivo de ser duradoura, ao citar nominalmente no projeto o WhatsApp e o Skype (artigo 2027-CD), ferramenta que foi encerrada neste ano, e o número atual de usuários dos aplicativos (artigo 2027-H).

Portinho pede “mente aberta” para defensores e críticos do projeto

O senador Carlos Portinho (PL-RJ) defendeu a liberdade de expressão plena, mas apontou que todos os direitos em excesso podem “gerar danos”. Ele reiterou que os defensores e os críticos ao projeto devem ter “a mente aberta” e defendeu a harmonização da norma geral e digital. “A questão do artigo 19 [do Marco Civil] é muito complexa. Inclusive, o STF recebe críticas pela sua interpretação”, afirmou o senador. 

Segundo o senador, é necessário um debate amplo para “evitar que outro Poder legisle e assuma funções privativas” do Congresso. Pacheco reconheceu que a preocupação de Portinho é importante e argumentou que o Código Civil deve ser atualizado justamente para evitar “a invasão de competência pelo Judiciário”

“O compromisso que temos de atualizar o Código Civil decorre do fato que não podemos render a ele o destino da obsolescência, sob pena de termos decisões judiciais, não só do STF, que preencham essas lacunas”, disse Pacheco. O senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), relator do projeto, afirmou que o tema do livro digital deve ser o mais “palpitante” do projeto.



Fonte. Gazeta do Povo

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