Em seu último dia como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso decidiu, nesta sexta-feira (17), votar na ADPF 442 – ação apresentada pelo PSOL em 2017, da qual o ministro é relator, que pede a descriminalização do aborto no Brasil até a 12ª semana de gestação.
Não mais ocupando a presidência da Corte, Barroso pediu ao novo presidente, Edson Fachin, uma sessão virtual extraordinária para registrar seu voto simbolicamente como seu último movimento como membro do Supremo. Fachin aceitou o pedido e pautou a ação.
O voto favorável de Barroso se soma à manifestação no mesmo sentido da ex-ministra Rosa Weber em 2023. Até deixar a Corte, Weber era relatora da ação, e de forma semelhante decidiu pautar a ADPF 442 dias antes de encerrar o mandato como membro do STF.
Apesar do julgamento no momento ocorrer no plenário virtual, a análise do caso poderá passar para o plenário físico diante do pedido de destaque feito pelo ministro Gilmar Mendes na noite desta sexta-feira (17). Mas os votos de Rosa Weber e Luís Roberto Barroso seguirão válidos.
Outra possibilidade é que o mérito da questão nem seja analisado pelos ministros no plenário físico, já que houve pedido do ministro Flávio Dino, que é o atual relator da ADPF 442, para que o tema seja retirado de pauta.
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Plenário virtual é tentativa de blindar os ministros da opinião pública
Em 2023, a ex-ministra Rosa Weber tentou conduzir o julgamento no plenário virtual, onde os ministros não precisam sustentar oralmente seus votos, para blindar a Corte da opinião pública ao tratar de um tema sensível e impopular. De acordo com pesquisa do IPEC encomendada pelo Globo, 70% da população brasileira discorda da descriminalização do aborto no país.
No início do julgamento, logo após o voto de Weber, Barroso fez um pedido de destaque e travou o julgamento no plenário virtual para levá-lo ao plenário físico. O ministro sucedeu a ex-ministra na presidência, assumindo o posto em setembro de 2023, mas em dois anos no cargo não pautou a proposta, alegando que “o debate público sobre o assunto não está fortalecido”.
A espera foi vista como um reconhecimento, por parte de Barroso, de que na atual composição do STF não haveria votos suficientes para que a ação do PSOL prosperasse – o ministro é abertamente favorável à descriminalização do aborto.
Agora, com a retomada da ADPF 442 em plenário virtual, os ministros terão até o dia 20 de outubro para apresentar seus votos, sendo que o placar atual está com dois votos favoráveis à descriminalização do aborto. No entanto, devido à sensibilidade do tema, já houve pedido de destaque para tornar o julgamento presencial, com sustentação oral dos votos.
Petição do PSOL abre brechas jurídicas para aborto até 9 meses
A petição inicial da ação, apresentada pelo PSOL junto com o Instituto Anis, pede que o Supremo não considere o embrião como pessoa constitucional, e sim como “criatura humana intraútero”. Ou seja, uma estratégia linguística para sustentar que esses seres humanos não estariam protegidos pela Constituição Federal até que nasçam. Como consequência, o partido requer que sejam desconsiderados os direitos fundamentais dos nascituros.
O segundo argumento utilizado pelo PSOL é que deve haver uma ponderação diante do conflito entre o direito à vida do feto e os direitos fundamentais das mulheres. Partindo do pressuposto errôneo de que o feto não tem direito à vida, para o partido os direitos fundamentais das mulheres seriam superiores e isso permitiria a legalidade ao aborto.
O termo “criatura humana intraútero” foi usado pelo ex-ministro Marco Aurélio Mello durante o julgamento da ADPF 54, sobre aborto de fetos anencéfalos. Ao retirar o status de pessoa constitucional dos nascituros, o direito à vida só caberia após o nascimento. Se acatado pelo Supremo, o argumento dará brechas para pedidos de legalização do aborto até o nono mês de gestação.
“Essa é uma armadilha do vocabulário. No momento em que se coloca a discussão nesses termos, o resultado está mais ou menos pré-definido. Tratar essa questão como está sendo colocada é uma forma de fugir do caráter político-moral que ela realmente tem”, alertou o cientista político e doutor em Direito pela UFRGS Bruno Coletto, em entrevista à Gazeta do Povo concedida em 2023.
O que a lei brasileira diz sobre o aborto
No Brasil, o aborto é considerado crime em qualquer hipótese. A mulher que provocar o próprio aborto pode ser punida com pena de 1 a 3 anos de detenção, enquanto quem realizá-lo, com consentimento da gestante, pode pegar 1 a 4 anos de prisão. Se não houver o consentimento, a pena é maior: 3 a 10 anos de reclusão.
Apesar disso, há três situações específicas, previstas na legislação ou reconhecidas pela Justiça, em que a prática não gera responsabilização criminal: gravidez resultante de estupro, risco de morte para a gestante e anencefalia do feto. Qualquer aborto realizado fora dessas hipóteses é ilegal e sujeito a processo criminal.
Fonte. Gazeta do Povo