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19 de outubro de 2025

Silêncio das classes jurídica e jornalística fortalece censura do STF

Silêncio das classes jurídica e jornalística fortalece censura do STF

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No dia 13 de outubro, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) divulgou uma nota em defesa do jornalista Breno Altman, denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por racismo contra judeus e apologia ao crime. No comunicado, a entidade afirmou que a denúncia representava um atentado à liberdade de expressão e declarou “irrestrito apoio” ao jornalista.

A manifestação ocorre em um momento em que comunicadores e veículos de direita seguem submetidos a bloqueios de contas nas redes, ordens de censura e outras medidas do Poder Judiciário. Nenhuma dessas medidas recebeu o mesmo tipo de repúdio por parte da ABI, da Fenaj ou de outras entidades de imprensa.

Por exemplo, na prisão do jornalista Oswaldo Eustáquio decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 ou na detenção com interrogatório do português Sérgio Tavares em 2024, nenhuma entidade do ramo se manifestou, mesmo após questionamentos da Gazeta do Povo. Casos de cerceamento direto da atividade jornalística não provocaram notas de repúdio ou comunicados, mesmo quando envolveram prisões e interrogatórios de profissionais da imprensa.

O silêncio diante de abusos do Judiciário contra a direita não é exclusividade de entidades jornalísticas. A classe jurídica, também diretamente ligada aos casos, tem negligenciado o papel de criticar medidas do STF. A Gazeta do Povo já questionou a Ordem dos Advogados do Brasil sobre o silêncio, mas não obteve resposta.

Não há dados públicos sobre quantos casos de censura envolvem ordens diretas do STF e do ministro relator dos principais inquéritos contra a direita, Alexandre de Moraes. A ausência de transparência impede saber a dimensão exata do fenômeno, mas os episódios documentados deixam evidente que medidas de censura prévia foram normalizadas no Brasil pelas mãos do ministro.

Mesmo assim, entidades jurídicas como a própria OAB já manifestaram apoio a Moraes em diferentes ocasiões nos últimos anos, ao mesmo tempo em que ignoraram restrições severas à liberdade de expressão impostas por ele.

Casos de censura como os do deputado Daniel Silveira, do ex-assessor da Presidência Filipe Martins – que não podem dar entrevistas ou usar redes sociais mesmo estando fora da cadeia –, e do jornalista Allan dos Santos, que precisou fechar seu veículo Terça Livre e vive exilado nos EUA, mostram a extensão de suas decisões. Nenhuma das medidas que limitou o direito de fala destas figuras públicas motivou reação institucional da imprensa ou do meio jurídico.

Também não houve reação relevante das duas classes ao julgamento que reinterpretou o Marco Civil da Internet, determinando que as plataformas digitais têm o dever de remover imediatamente conteúdos enquadrados em categorias como “condutas antidemocráticas”, entre outras definidas pelo próprio Supremo. A decisão pode ampliar o alcance da censura prévia e gera insegurança sobre o que poderá ser publicado nas eleições de 2026. Por enquanto, a medida é tratada com naturalidade por entidades jornalísticas e jurídicas.

“A própria Ordem dos Advogados do Brasil [OAB], que deveria ser a maior defensora da liberdade de expressão, se omitiu. É um momento sombrio o que a gente vive. A gente tem que defender a todo custo, independente do governo, independente de oposição, os princípios fundamentais que estão previstos na Constituição Federal. Essa é a premissa de tudo. É o pilar de uma democracia”, comenta Alexander Coelho, advogado especialista em Direito Digital e sócio do Godke Advogados.

Para Coelho, o silêncio de juristas renomados sobre essa decisão e outras que restringem o direito de fala nas redes é sintomático de uma crise de cultura democrática, em que fundamentos do Estado de Direito são negligenciados. “Por mais que eu não concorde com o que uma pessoa esteja falando, ela tem todo o direito de expressar a sua opinião. É um pilar para a democracia. Não existe democracia sem liberdade de expressão”, afirma.

Juristas que reconhecem onda de censura temem se expressar publicamente

Entre juristas, embora sejam muitos os que reconheçam, em privado, os abusos cometidos pelo STF contra a liberdade de expressão, nem todos estes estão dispostos a se expressar publicamente sobre isso.

O fenômeno tem a ver uma combinação de fatores, como temor de retaliações, interesse de carreira, dependência institucional e adesão ideológica, como mostrou reportagem da Gazeta do Povo em março.

O ambiente universitário contribui para a autocensura, como relatou Janaina Paschoal, professora livre-docente de Direito Penal na USP e vereadora de São Paulo (PP). “Não é incomum ouvir críticas privadas aos flagrantes excessos dos julgamentos mais recentes; porém, raras são as exposições públicas. Pode haver medo de retaliação, até mesmo no âmbito policial ou judicial. Porém, creio que a maior preocupação seja com a possibilidade de ser tomado como um direitista. Esse temor cresce entre aqueles que têm carreira acadêmica.”

O medo de retaliações é outro fator de silenciamento. “Muitos advogados, juízes e promotores me procuram em privado, dão apoio, mas não falam o que pensam. O medo é de serem perseguidos ou vistos como inimigos do poder”, afirmou André Marsiglia, advogado especialista em liberdade de expressão.

Alguns juristas também optam pelo silêncio como estratégia de autopreservação na carreira. “Muitos advogados, até muito bem situados, que ganham alguns milhões por mês nos seus escritórios, aspiram a vagas nos tribunais. E essas vagas são conseguidas pelo quinto constitucional. Para entrarem nas listas do quinto constitucional, eles têm que ter a anuência dos tribunais e, óbvio, eles têm que ser visto com bons olhos pelo pessoal de cima. Eles sabem que, se criticarem todos esses abusos, o nome deles nunca vai constar em uma dessas listas”, relatou a jurista Katia Magalhães.

Por fim, segundo Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP, a visão ideológica tende a ser colocada por muitos juristas acima da fidelidade aos princípios do Direito, mesmo quando se reconhecem os abusos contra a lei: “A classe jurídica brasileira, por questões complexas de formação, tem uma adesão muito frágil ao Estado de Direito liberal e uma visão segundo a qual o bolsonarismo é um mal a ser destruído a qualquer custo.”



Fonte. Gazeta do Povo

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