
Os ataques foram condenados na região e especialistas questionaram sua legalidade. Os EUA os vendem como uma guerra contra o narcotráfico, mas todos os sinais sugerem que se trata, na verdade, de uma campanha de intimidação que busca remover o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, do poder.
“Trata-se de uma mudança de regime. Provavelmente não vão invadir, a esperança é que se trate de uma sinalização”, afirma Christopher Sabatini, pesquisador sênior para a América Latina no think tank Chatham House.
Ele argumenta que o aumento de efetivo militar é uma demonstração de força com o objetivo de “incutir medo” nos militares venezuelanos e no círculo íntimo de Maduro, para que se voltem contra ele.
A BBC Verify vem monitorando informações de rastreamento publicamente disponíveis de navios e aviões americanos na região – juntamente com imagens de satélite e imagens em redes sociais – para tentar entender onde as forças de Trump estão localizadas.
A mobilização tem mudado, por isso monitoramos a região regularmente para atualizações.
Em 23 de outubro, identificamos 10 navios militares americanos na região, incluindo contratorpedeiros de mísseis guiados, navios de assalto anfíbio e petroleiros para reabastecimento de embarcações no mar.

Uma recompensa de US$ 50 milhões testa a lealdade do círculo íntimo
Não é segredo que o governo dos EUA, em particular o Secretário de Estado Marco Rubio, gostaria de ver Maduro deposto.
No início deste ano, ele disse à Fox News que Maduro era um “ditador horrível” e, quando questionado se estava exigindo a saída de Maduro, acrescentou: “Vamos trabalhar nessa política”.
Mas, mesmo para críticos declarados de Maduro como Rubio, é difícil pedir explicitamente uma mudança de regime apoiada pelos militares – algo que a oposição venezuelana há muito tempo reivindica.
Donald Trump fez campanha contra a mudança de regime em 2016, prometendo “parar de correr para derrubar regimes estrangeiros”. Mais recentemente, condenou o envolvimento dos EUA em “guerras eternas” no exterior.
Os EUA não reconhecem Maduro como presidente da Venezuela, depois que a última eleição, em 2024, foi amplamente rejeitada internacionalmente por não ter sido nem livre nem justa. A embaixada dos EUA em Caracas foi fechada durante a primeira presidência de Trump, em 2019.

Crédito, Reuters
Os EUA aumentaram a recompensa por informações que levem à prisão de Maduro para US$ 50 milhões, um incentivo para que aqueles dentro de seu círculo íntimo e leal o entreguem. Mas não houve deserções.
O professor de Direito e associado sênior do think tank de segurança nacional CSIS, José Ignacio Hernández, afirma que US$ 50 milhões “não são nada” para as elites venezuelanas.
Há muito dinheiro a ser ganho com corrupção em um Estado rico em petróleo como a Venezuela. O ex-chefe do Tesouro, Alejandro Andrade, recebeu US$ 1 bilhão em propinas antes de ser condenado.
Muitos analistas concordam que os militares venezuelanos seriam fundamentais para qualquer mudança de regime, mas para se voltarem contra Maduro e o expulsarem, provavelmente também exigiriam promessas de imunidade judicial.
“Eles pensarão que, de uma forma ou de outra, também estão envolvidos em atividades criminosas”, acrescenta Hernández.
Michael Albertus, professor de Ciência Política da Universidade de Chicago, com extensas publicações sobre a América Latina, não está convencido de que mesmo uma recompensa de US$ 500 milhões persuadiria o círculo íntimo de Maduro a entregá-lo.
“Líderes autoritários sempre desconfiam até mesmo de seu círculo íntimo e, por isso, criam mecanismos para monitorá-los e garantir lealdade”, diz ele.
As sanções econômicas à Venezuela agravaram a já grave crise econômica, mas não conseguiram persuadir figuras importantes a se voltarem contra seu presidente.
Por que provavelmente não se trata apenas da luta contra as drogas
Donald Trump declarou que esta é uma guerra contra os narcotraficantes e disse que um navio atingido pelos EUA, em 16 de outubro, estava “carregado principalmente com fentanil”.
Mas o fentanil é produzido principalmente no México – não na América do Sul – e entra nos EUA pela fronteira sul.
“Não se trata de drogas”, diz Sabatini. “Mas ele se apropriou da linguagem da oposição venezuelana de que esta não é apenas uma ditadura – é um regime criminoso.”
Desde 2020, o Departamento de Justiça dos EUA acusa o presidente Maduro de liderar uma organização de tráfico de drogas e narcoterrorismo, o que ele nega.
Trump afirmou ter autorizado a CIA a realizar operações secretas na Venezuela, em parte devido à “entrada de drogas” vindas da Venezuela.
A Venezuela não produz grandes quantidades de cocaína – o foco da produção está na Colômbia, Peru e Bolívia. Parte da droga é transportada através do território venezuelano, mas o próprio governo afirma estar reprimindo esse tráfico.
Um relatório da Agência Antidrogas dos EUA de 2025 afirma que 84% da cocaína apreendida nos EUA vem da Colômbia. Outros países são mencionados na seção sobre cocaína do documento, mas não a Venezuela.
Os sete primeiros ataques foram realizados no Caribe, que não é uma rota marítima importante para o tráfico de drogas em comparação com o Oceano Pacífico, onde os ataques subsequentes foram realizados.
Os EUA não detalharam suas evidências de que Maduro lidera uma organização de tráfico de drogas. O líder venezuelano negou repetidamente as acusações e, por sua vez, acusou os EUA de imperialismo e de agravar a crise econômica do país por meio de sanções.
Há casos conhecidos de pessoas próximas a ele sendo indiciadas.
Em 2016, um tribunal federal de Nova York condenou dois sobrinhos da esposa de Maduro por conspirar para importar cocaína para os EUA. Segundo a acusação, eles planejavam usar parte do dinheiro obtido para financiar a campanha política da tia na Venezuela. Eles foram posteriormente libertados.
Reforçando a força marítima e aérea dos EUA
Interceptar drogas no mar não exige uma força tão grande quanto a empregada atualmente pelos EUA, de acordo com analistas militares.
Além dos navios americanos que rastreamos em Porto Rico – onde os EUA têm uma base militar – imagens de satélite também mostraram duas embarcações a cerca de 123 km a leste de Trinidad e Tobago.
Um deles era um cruzador de mísseis guiados, o USS Lake Erie.
O outro parecia ser o MV Ocean Trader, de acordo com Bradley Martin, ex-capitão da Marinha dos EUA, agora pesquisador sênior de políticas na RAND Corp.
Este é um navio de carga convertido, projetado para apoiar missões de forças especiais, ao mesmo tempo em que se mistura ao tráfego comercial. Ele pode abrigar drones, helicópteros e pequenas embarcações.

Há uma ampla variedade de missões que o navio poderia apoiar, incluindo reconhecimento para preparação de ataques. Mas segundo Martin, sua presença “não significa necessariamente que esse tipo de atividade esteja sendo realizada ou planejada”.
Os EUA também reforçaram sua presença aérea na região – a BBC Verify identificou várias aeronaves militares americanas em Porto Rico.
Stu Ray, analista sênior da McKenzie Intelligence Services, afirma que uma imagem de satélite tirada em 17 de outubro mostra caças F-35 na pista, possivelmente F-35Bs.

Trata-se de jatos stealth altamente avançados, valorizados por sua capacidade de decolagem curta e pouso vertical.
Nas redes sociais, um piloto de jato particular compartilhou um vídeo de um drone MQ-9 Reaper, filmado no Aeroporto Rafael Hernández, em Porto Rico.

Crédito, Thiago Santin
Eles foram usados pelos EUA para realizar ataques e vigilância no Afeganistão, Síria, Líbia e Mali.
No início de outubro, a BBC Verify rastreou três bombardeiros B-52 que sobrevoaram o Caribe e se aproximaram da costa da Venezuela.

A Força Aérea dos EUA confirmou posteriormente que os aviões participaram de uma “demonstração de ataque de bombardeiro”.
Voos de bombardeiros B1 e aviões espiões P-8 Poseidon também foram vistos em plataformas de rastreamento de aeronaves.
Imagens nas redes sociais também mostraram helicópteros militares operando na costa de Trinidad e Tobago.
Alguns deles são Boeing MH-6M Little Birds – apelidados de “Ovos Assassinos” – usados pelas forças especiais dos EUA.

O que a CIA poderia fazer na Venezuela
Quando questionado se a CIA havia sido autorizada pelo governo a derrubar Maduro, Donald Trump se esquivou da pergunta e disse que seria “ridículo” responder.
Ele também afirmou que os EUA estão “de olho em território agora”, referindo-se a possíveis operações militares em solo venezuelano.
A CIA é vista com muita desconfiança por muitos na América Latina devido a um longo histórico de intervenções secretas, tentativas de mudança de regime e apoio a ditaduras militares de direita do passado, principalmente no Chile e no Brasil.
Ned Price, vice-representante dos EUA nas Nações Unidas e ex-analista sênior da CIA e conselheiro sênior do Departamento de Estado, disse que as ações secretas da CIA podem assumir “várias formas”.
“Podem ser operações de informação. Podem ser operações de sabotagem. Pode ser o financiamento de partidos de oposição. Pode ir até a derrubada de um regime. Há muitas opções, entre as mais simples e as mais sofisticadas.”
Isso pode incluir o uso de agentes para perseguir suspeitos de tráfico dentro da Venezuela. Pela própria definição dos EUA, isso poderia incluir o próprio Maduro.
Sabatini afirma que, como a Venezuela não é um importante ponto de produção de drogas, não há laboratórios de cocaína ou fentanil para “eliminar”, mas há pistas de pouso ou portos que os EUA poderiam atacar.
“Se ele quiser ser agressivo, poderia enviar um míssil para um quartel militar. Há informações bastante precisas de que certos setores das Forças Armadas estão envolvidos no tráfico de cocaína.”
Ou poderia ser uma “situação de invasão e apreensão”, observa ele, em que tentam capturar Maduro ou alguns de seus tenentes e levá-los à justiça nos EUA.
A grande questão, argumenta ele, é por quanto tempo Trump está disposto a manter tantos ativos americanos estacionados no Caribe.
Se o objetivo principal desse aumento militar é ameaçar Maduro, não está claro se será suficiente para provocar deserções.
Mas é difícil saber se isso chega a ser uma tentativa real de derrubar o regime de Maduro pela força, pondera Albertus.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


