
Crédito, Getty Images
- Author, Deborah Nicholls-Lee
- Role, BBC Culture
“Todos os olhares estarão voltados para você”, alertou em abril de 1770 a imperatriz da Áustria, Maria Teresa (1717-1780), à sua filha, a arquiduquesa Maria Antônia, durante as preparações para o seu casamento com o futuro rei Luís 16 da França (1754-1793), no Palácio de Versalhes.
Mas o julgamento enfrentado pela rainha Maria Antonieta (1755-1793), como ficaria conhecida, foi muito mais cruel do que o que previra sua mãe. Ela foi vilipendiada como libertina, conspiradora e gastadora implacável. Manter seu estilo de vida estaria levando a França à bancarrota.
Todas estas acusações precipitariam a Revolução Francesa (1789-1799), que culminou com um espetáculo raro e assustador: a execução pública da rainha.

Crédito, Museu Victoria and Albert, Londres
Nossa fascinação por Maria Antonieta nunca se esvaneceu, mas sua história é cada vez mais questionada.
Será que ela mereceu a rejeição ou terá sido encurralada e martirizada entre conflitos de interesse e destruída por mentiras?
No dia 20 de setembro, o Museu Victoria & Albert, em Londres, abriu a exposição Marie Antoinette Style (“O Estilo de Maria Antonieta”, em tradução livre).
Sua curadora, Sarah Grant, considera Maria Antonieta “a rainha mais elegante, criticada e controversa da história”.
Para marcar os 270 anos de nascimento desta figura difamada, que rompeu os padrões da época, a exposição mostra seu senso de estilo e questiona alguns dos mitos associados à rainha.
Um desses mitos é o famoso comentário apócrifo “que eles comam brioche”, uma reação malcriada à devastadora falta de pão que ocorria na França.
Ele foi atribuído a “uma grande princesa” em As Confissões, de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Mas o livro foi escrito em 1765, quando Maria Antonieta tinha 10 anos de idade e ainda estava na Áustria. Por isso, o comentário não pode ter vindo dela.
Outras fake news surgiram na forma do “caso do colar de diamantes” (1785-1786), uma encomenda falsa de um colar com mais de 600 diamantes em nome da rainha, que solidificou sua fama de cometer excessos, apesar da justificativa durante seu julgamento.
Uma réplica do colar, ao lado do colar Sutherland (que, supostamente, contém pedras do original) foi incluída na exposição.
Outros objetos da exposição contam seu legado como formadora de opinião, como a opulência dos móveis franceses do século 19, que copiavam elementos do estilo da rainha; e os rebuscados sapatos cor-de-rosa do filme de Sofia Coppola, vencedor do Oscar de melhor figurino, Maria Antonieta (2006).
Os sapatos foram criados por Manolo Blahnik — que confessa, na introdução do catálogo, que permanece “maravilhado por tudo o que se refira a ela”.

Crédito, I Want Candy LLC/Zoetrope Corp.
O extravagante estilo de vida da jovem rainha certamente era uma pedra no sapato dos pobres que passavam fome na França.
Presa a um marido fraco e um tanto sem graça (mais interessado em caçar do que na rainha e, por sete anos, incapaz de consumar seu casamento por razões médicas), ela encontrou diversão em festas extravagantes, jogos e roupas.
Seus vestidos caprichosamente decorados, com imensos suportes estruturais, coroados por cortes de cabelo ornamentais gigantescos, foram largamente copiados na época.
Posteriormente, eles inspiraram estrelas do pop, como Madonna e Rihanna, além de estilistas como Vivienne Westwood (1941-2022), Christian Dior (1905-1957) e Franco Moschino (1950-1994).
‘Madame Déficit’
Mas seu apelido de “Madame Déficit” era injustificado.
Ela gastava menos que os irmãos do rei e era apenas uma dentre uma sucessão de monarcas franceses extravagantes. Mas a rainha estrangeira se tornou um conveniente bode expiatório para a gestão dos fundos do governo francês.
“Os gastos com as guerras é que, na verdade, levaram a França à falência, certamente não o dinheiro gasto por Maria Antonieta”, declarou Grant à BBC.
“O orçamento do seu guarda-roupa era o equivalente, hoje, a cerca de US$ 1 milhão [cerca de R$ 5,3 milhões], mas a França gastou US$ 11,25 bilhões [cerca de R$ 60 bilhões], só na Guerra da Independência Americana.”
Até a redução de gastos criou novos inimigos para a rainha.
“Quando ela para de vestir seda, a indústria da seda entra em alvoroço porque a sobrevivência do negócio fica ameaçada”, explica Grant.
E, em 1783, quando ela tentou projetar uma imagem diferente, com um retrato seu em trajes “do campo” mais casuais, que ela viria a popularizar, ele foi rapidamente substituído por algo mais formal e elaborado.
“Esperava-se que ela criasse um espetáculo majestoso”, prossegue Grant. “É desta forma que a monarquia mantém sua autoridade.”

Crédito, CC0 Paris Musées/Musée Carnavalet – Histoire de Paris
O folclore em torno dessa celebridade do início da era moderna também despreza sua filantropia.
Maria Antonieta reciclava seu guarda-roupa todos os anos e o doava às suas funcionárias. Ela adotou diversas crianças, incluindo Jean Amilcar, originário do Senegal, que ela própria libertou da escravidão.
A rainha também “recusou ofertas de presentes caros do seu marido” e “fez generosas doações para instituições de caridade”, segundo a escritora Melanie Burrows, que escreveu extensamente sobre aquele período da história da França.
Burrows defende que, longe de ser a “idiota de cabeça oca frequentemente retratada”, ela era “bem intencionada, bondosa e generosa”.
Apresentada pela Áustria à corte francesa como uma oferenda de paz, após anos de hostilidade, a fidelidade dividida de Maria Antonieta mergulhava a rainha em suspeitas (nem todas infundadas) de que ela repassaria segredos militares para a Áustria.
Ela também era considerada indiferente em relação ao povo francês. E referências pejorativas à rainha, como L’Autri-chienne (um jogo de palavras em francês, que unia os termos “austríaca” e “cadela”), exemplificam o tipo de desconfiança que marcava o sentimento público.

Crédito, Castelo de Versailles, Dist. Grand Palais RMN/Christophe Fouin
Ao contrário do rei, a rainha não tinha poder oficial e sua função era permanecer à sombra.
Maria Antonieta foi considerada proeminente demais, muito vivaz e disposta a usar seu charme para interferir em questões políticas. Ela fazia secretamente lobby com os ministros e se opunha às reformas constitucionais reivindicadas pelo país.
Segundo seus inimigos, ela precisava ser deposta. Circulavam panfletos difamatórios, alguns deles pornográficos, acusando a rainha de promiscuidade, orgias, relações lésbicas e até de incesto.
Mas seu único amante conhecido foi o conde Axel von Fersen (1755-1810).
Todas essas fofocas eram “geradas pela misoginia”, defende Grant. “Muitos dos mitos que permaneceram […] surgiram no século 19, quando suas biografias [eram] escritas por homens.”
A rainha, na verdade, era bastante recatada, segundo Burrows. Ela raramente bebia, praticava apenas “flertes muito suaves” e “odiava ser vista nua, até mesmo pelas próprias criadas”. Mas a hostilidade se mantia.
Mas o autor também defende que a rainha foi “abusada emocionalmente”, “entediada” e “negligenciada”. E, embora ele a considere culpada de buscar prazer fora do casamento, Bashor conclui que, pelo menos por ele, ela foi “perdoada”.
Na verdade, Maria Antonieta “era uma mãe dedicada”, segundo a professora de História Europeia Moderna Laura O’Brien, da Universidade da Nortúmbria, no Reino Unido.
Ela descreve a “conexão mais suave e emocional” que a rainha tinha com seus filhos, contrariando sua própria criação.
Maria Antonieta foi a primeira rainha francesa a amamentar e a se vestir, como se observa no retrato rejeitado, de forma apropriada à maternidade e à vida no seu retiro rural.

Crédito, CC0 Paris Musées/Musée Carnavalet, Histoire de Paris
A longa fascinação pela rainha mais odiada da Europa também está relacionada à sua história de vida: uma noiva criança, de uma dinastia real, forçada a enfrentar uma situação impossível e, por fim, reduzida a uma figura trágica, em uma camisola branca, com seu cabelo raspado, levada de carroça até a morte.
Para os revolucionários, ela se tornou um símbolo de tudo aquilo que a França precisava mudar. E sua execução, em 1793, tentou limpar o país do pior que havia no antigo regime.
Fosse ou não justificada a morte de Maria Antonieta, ela não conseguiu sufocar sua influência. Surgiu a moda de cortes de cabelo curtos como “porco-espinho” e gargantilhas de tom vermelho-sangue, que relembram o corte da guilhotina.
Os que acreditavam nas histórias ao seu redor a detestavam, mas ela também era imensa e persistentemente adorada.
“Para mim, esta exposição é outro sonho realizado”, comentou Blahnik em uma entrevista recente. “A recuperação de Maria Antonieta.”
A exposição Marie Antoinette Style (O Estilo de Maria Antonieta) está em cartaz no Museu Victoria & Albert de Londres, entre 20 de setembro de 2025 e 22 de março de 2026. O livro que acompanha a exposição foi publicado pela V&A Publishing.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


