
A notícia de que o glitter usado em diversos bolos e doces é feito de plástico viralizou e deixou muita gente preocupado. Mas a verdade é que já ingerimos microplásticos diariamente, de diversas outras fontes, e isso pode ter efeitos negativos na saúde.
“A ciência sobre o assunto ainda está sendo construída, mas sabemos que essas partículas se acumulam pelo corpo e causam alterações fisiológicas”, aponta a médica Thais Mauad, professora do Departamento de Patologia da Universidade de São Paulo (USP).
Mauad liderou uma pesquisa pioneira que detectou microplásticos pela primeira vez no cérebro humano. Eles também já foram encontrados na placenta, no cordão umbilical e até nas placas de gordura que se acumulam nas artérias.
Além de ser uma das facetas mais desafiadoras da crise ambiental, a poluição plástica já pode ser considerada um problema de saúde pública, diante do crescente corpo de evidências sobre seus danos à saúde.
Por outro lado, a produção destes produtos, à base de petróleo, só aumenta e quase nada é reciclado. As negociações globais para reduzir o consumo esbarram no lobby da indústria e tiveram resultados negativos ultimamente.
A seguir, entenda onde estão os microplásticos na comida, qual é o risco disso e o que você pode fazer para se proteger.
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Em que alimentos estão os microplásticos?
O caso do glitter ficou famoso, mas não se tratava de um produto comestível, como esclareceu a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Entretanto, estudos já encontraram microplásticos em diversos alimentos.
Em março deste ano, um trabalho mostrou que os chicletes, tanto naturais quanto sintéticos, liberam centenas de microplásticos na saliva após alguns minutos de consumo. “E os plásticos usados nas versões sintéticas muitas vezes não estão descritos no rótulo”, alerta Mauad.
As partículas podem estar presentes também na maior parte dos peixes que comemos, e elas já foram encontradas até em frutas, legumes e verduras – onde chegam por meio da contaminação na água e no solo.
Nos ultraprocessados e alimentos industrializados pode ser até pior, pois o plástico é usado ostensivamente na cadeia produtiva e na embalagem, indicam diversos estudos.
A cientista explica que a contaminação também pode ocorrer pelo contato do alimento ou da bebida com plásticos. “Ao tomar água na garrafinha de uso único, ou ao esquentar comida em um pote no micro-ondas, essas partículas podem acabar sendo ingeridas”, diz.
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Quais são os riscos dos microplásticos para a saúde?
Já sabe que os microplásticos ingeridos se acumulam no organismo. “Eles circulam pelo corpo, se depositam nos tecidos e há inúmeras evidências de que induzam a respostas celulares adversas”, aponta Mauad.
Essas evidências vêm principalmente de estudos em animais ou em células isoladas. Nesse cenário, as partículas provocaram inflamação e até alterações fisiológicas que podem abrir caminho para o câncer.
Faltam mais estudos em humanos, de longo prazo, para entender se esses danos também podem acontecer conosco. Mas estes trabalhos também já estão surgindo.
Recentemente, uma pesquisa publicada no The New England Journal of Medicine mostrou que a presença de microplásticos no ateroma (as placas de gordura que se formam nas artérias) pode aumentar em até 4 vezes o risco de infartos ou derrames. Outros trabalhos relacionam o fato de as partículas estarem no líquido amniótico ao risco de parto prematuro.
“Ou seja, já temos evidências para afirmar que elas fazem mal à saúde”, resume Mauad. “Além disso, os plásticos carregam aditivos, substâncias que dão cor, maleabilidade e resistência a chamas, mas atuam comprovadamente como disruptoras endócrinas [podem influenciar na ação de hormônios no corpo]”.
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Como se proteger?
A parte complicada dessa história é que estamos cercados de plásticos. Eles estão, inclusive, no ar que respiramos. “É muito difícil controlar a exposição. Podemos escolher utensílios, ler rótulos, fazer escolhas melhores, mas realmente estamos muito vulneráveis”, reflete Mauad.
E não trata-se somente de uma ameaça aos humanos: animais marinhos e aves já estão contaminados. “A própria produção é ruim para a saúde, pois usa petróleo, que gera gases de efeito estufa. Em toda a sua cadeia o plástico é danoso para a saúde global”, alerta a médica.
A saída mais efetiva é a criação de políticas públicas que reduzam a produção e o consumo, em especial dos chamados plásticos de uso único, como os de garrafinhas, descartáveis e outros. Mas o lobby da indústria é forte e tem atrapalhado as discussões internacionais sobre o assunto.
A Organização das Nações Unidas (ONU) conduz negociações para elaborar um tratado global para combater a poluição plástica. Mas as últimas reuniões não chegaram a nenhum acordo.
O assunto deve aparecer na COP30, a principal conferência sobre mudanças climáticas do planeta, em Belém, mas não se espera um grande destaque, visto que o próprio Brasil tem adotado uma postura mais alinhada aos poluidores do que ao meio ambiente.
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Fonte.:Saúde Abril


