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29 de outubro de 2025

Bragança reúne tradição, história e comida típica paraense – 28/10/2025 – 2025

Bragança reúne tradição, história e comida típica paraense – 28/10/2025 – 2025

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Conforme a estrada fica mais estreita, nos momentos em que ela serpenteia entre lombadas e pequenos vilarejos, somos envolvidos por cores e aromas típicos do Norte. Estamos em pleno território amazônico. A depender da estação do ano, surgem à vista frutos como açaí, taperebá, bacuri e murici, cada um deles anuncia sua presença com formas e pigmentos únicos.

Nas tendas pelo caminho, garrafas de tucupi —líquido extraído da raiz da mandioca brava, tão essencial à culinária paraense— brilham em um amarelo quase solar. Ao nos aproximarmos de Bragança, os olhos se perdem diante de um alimento onipresente: a farinha, símbolo da terra e da tradição que se mantém viva a cada refeição.

Afinal, os moradores falam com orgulho do ingrediente. Tanto que até deram à farinha o nome da própria cidade. Aqui, não se trata de uma versão comum, mas, sim, da farinha de Bragança, produzida de forma artesanal, segundo técnicas ancestrais que atravessam gerações.

Até hoje, muita gente de lá mantém o costume de preparar a sua própria farinha em casa, perpetuando tradições que carregam sabor e memória. Portanto, não seria exagero dizer que ela ocupa papel central, tanto cultural quanto gastronômico, na história da localidade.

Uma das cidades mais antigas do Pará, com 412 anos de existência, o território hoje ocupado por Bragança foi inicialmente habitado pelos indígenas apotiangas, da nação dos tupinambás. Situada à margem do rio Caeté, a região logo ganhou o apelido de Pérola do Caeté, em razão de sua beleza e riqueza natural. Em 1613, os franceses tentaram iniciar um projeto de colonização, mas foram expulsos pelos portugueses.

Vinte e um anos depois, os colonizadores do Brasil fundaram a Vila Souza do Caeté, marcando o início da história que moldaria o povoamento tal como o conhecemos hoje.

Resquícios da colonização ainda se revelam nos prédios históricos que pontuam as ruas do centro de Bragança. Entre eles, destaca-se a Igreja de São Benedito, do século 18, que se impõe como marco para quem percorre sua revitalizada orla.

O nome do município é uma homenagem à linhagem real portuguesa, ao lembrar a narrativa de formação da cidade que permanece viva em cada pedra e em cada detalhe arquitetônico.

A religiosidade é um traço da identidade desse povo. Com cerca de 200 anos de tradição, a Marujada de São Benedito revela essa história viva, entrelaçando ancestralidade e espiritualidade.

A manifestação cultural e religiosa revela-se um retrato do vínculo do povo paraense com suas raízes. A celebração mistura fé, música e dança em um ritual que dialoga com o profano.

Repleta de símbolos e cores, a procissão em homenagem ao santo acontece entre dezembro e janeiro, em um gesto de devoção que remonta ao período da escravidão.

Com o tempo, a comemoração foi se enriquecendo de adornos: a cidade toda se veste de branco, azul e vermelho, cores do fardamento de marujas e marujos, protagonistas do festejo.

O evento é embalado por ritmos como chorado, mazurca, retumbão e xote. Esse caldeirão folclórico, digamos assim, transforma ruas e praças de Bragança em um espetáculo maciço de fé, musicalidade e tradição.

Um dos principais palcos da tradicional Festa de São Benedito, o Santo Preto —como é carinhosamente reverenciado pelos bragantinos—, o Teatro Museu da Marujada se abre como um espaço dedicado à preservação e à celebração dessa manifestação cultural tão rica, onde se valoriza a história e as danças que fazem parte da alma bragantina.

Ao combinar as funções de teatro e museu, o espaço oferece apresentações artísticas e exposições de símbolos e personagens da Festa de São Benedito. É um lugar onde, ao mesmo tempo em que se resgatam memórias, se fortalece a identidade cultural da amazônia, permitindo que a tradição da marujada permaneça vivíssima. Vale a visita.

A cidade oferece um leque amplo de atrativos culturais em meio a um cenário natural diverso, opina Valéria do Carmo, 33, guia e turismóloga. “Entre os rios e as praias, eu gosto de dizer que a beleza de Bragança brilha com a tradição centenária, a hospitalidade e com muita cultura, tudo isso em um só destino, onde a história e a fé se encontram”, conta ela, empolgadíssima.

Onde se celebra a marujada, a comida segue de perto, como uma extensão da festa. A gastronomia bragantina carrega em seu sabor a forte conexão com os rios e o mar, trazendo à mesa o frescor dos alimentos. Isso, vamos combinar, sem abrir mão da tradicional farinha d’água, essencial em qualquer prato.

Bragança também é lar de ótimos restaurantes. Ao lado do Museu Dilamar Castanho, ambiente que desvenda a formação do município e seu desenvolvimento urbano e intelectual, encontra-se o Vagão Vitória Restaurante, um charmoso estabelecimento no coração histórico da cidade.

Bem mais do que oferecer uma experiência que vai além da gastronomia, a réplica de vagão de trem talvez simbolize uma alternativa de resgate da rica cultura ferroviária da cidade. Ela surge como um símbolo desse legado.

Resultado do esforço do setor turístico, o restaurante visa preservar a memória do trem, um dos maiores ícones da modernização e da integração entre a vida rural e urbana.

Sendo assim, os visitantes podem ter uma experiência que revive o espírito de uma era que marcou profundamente a região.

No menu, os nomes dos pratos são uma viagem no tempo ao prestar homenagem às antigas paradas da Estrada de Ferro de Bragança. A entrada Vila Sorriso é um convite ao sabor, com seu tartare de camarão acompanhado de maionese de manga e abacate, azeite de manjericão e chips de batata (R$ 64).

Já as estações nomeiam os pratos principais, como a de Ananindeua, que traz um peixe filhote grelhado servido com risoto de tucupi, camarão, jambu e crisp de chicória (R$ 96).

As sobremesas recebem créditos inspirados nos funcionários dos trens e das estações e, assim, condecoram aqueles que vivenciaram a era dourada da ferrovia.

Um dos destaques do cardápio é o Telefragista, musse de chocolate recheado com cupuaçu e tapioca caramelizada, com um toque levemente salgado que surpreende o paladar. O preço? R$ 36.

Nascido em Belém, Robson Martins é o responsável pelo conceito do vagão-restaurante. O empresário mantém ainda uma pousada de charme no centro histórico e um hotel fazenda à beira de uma vasta área alagada. Com entusiasmo pela terra, dedica-se a preservar e a solenizar a essência da região, contribuindo para o turismo e a valorização regional.

“Minha história com Bragança é feita de raízes, paixão e visão”, ele explica. “A ideia é transformar o amor que tenho por este lugar em experiências que encantem e fortaleçam o turismo da cidade. Gosto dessa experiência de a gente poder conhecer mais e melhor o Pará, o Brasil.”

Ele conta que a histórica linha de ferro Belém-Bragança ainda permanece enraizada na memória coletiva da população.

Primeira via férrea a ser implantada na vasta e exuberante amazônia brasileira, a EFB (Estrada de Ferro de Bragança) percorreu um longo caminho até a sua conclusão, com a construção se estendendo de 1883 a 1908.

Mais do que um feito de engenharia, a estrada de ferro uniu o nordeste do Pará. Era vista como símbolo de integração e progresso.

Após décadas de atividade, a ferrovia, entretanto, foi desativada em 1965. Naquele período, os investimentos estavam sendo direcionados país afora para a expansão de estradas voltadas aos automóveis. Por óbvio, naqueles tempos, ninguém nem sonhava com os impactos provocados pela queima de combustíveis fósseis.

Em um ano em que a região amazônica se torna centro das atenções globais, com a COP30 prevista para novembro em Belém, é natural que o Pará ocupe o centro da vitrine global.

Sede da conferência mundial sobre o clima, o estado reverbera em diversos segmentos culturais, transitando do streaming da elogiada “Pssica“, de Quico e Fernando Meirelles, às imagens do cotidiano paraense, capturadas pelo olhar atento do fotógrafo Luiz Braga.

A inclusão de Bragança entre as cidades mapeadas pelo Datafolha segue uma lógica semelhante: dar visibilidade, a cada nova edição do maior projeto sobre lembranças de marcas da América Latina, a um município muitas vezes pouco conhecido —e, neste caso, nem mesmo pelos próprios brasileiros.

Aproximadamente 210 km separam Bragança da capital, Belém, e apenas 36 km a distanciam do mar. Diferente de outros balneários paraenses, as águas naquela região do Atlântico costumam ser surpreendentemente claras.

Em um território onde a areia branca se estende em largos trechos, é um convite à tranquilidade. À beira-mar, a terra da Marujada se revela em um outro cenário, agora emoldurado por um casario colorido de madeira.

Essa arquitetura peculiar da praia de Ajuruteua é uma adaptação inteligente ao ambiente litorâneo, refletindo a convivência harmoniosa com os manguezais e a linha costeira, constantemente moldada pelas marés que a rodeiam.

O acesso ao litoral é feito pela rodovia PA-458, que corta a paisagem, dividindo-a ao meio com uma vasta extensão de manguezal. A execução da estrada teve início na década de 1970 e só foi concluída no início dos anos 1990.

Entretanto, no meio do caminho havia um mangue. Era uma questão de tempo até que a força implacável da natureza impusesse desafios à obra. Especialistas estimam que a construção da via tenha afetado uma área de manguezal equivalente, pelo menos, a 180 campos de futebol.

Após um refrescante banho de mar, é hora de voltar a Bragança, onde a despedida do sol transforma a cidade em um espetáculo de tons dourados. Em noites de lua cheia, as águas do Caeté se tingem de prata, refletindo a luz do satélite em sua superfície como um espelho celeste.

Nos arredores da pracinha do Coreto, o calor é intenso, assim como o movimento constante de pedestres que por lá transitam descontraídos. Afinal, todo o mundo espera alguma coisa de um sábado à noite. Nessa paisagem urbana logo se percebe: é hora de tomar um tacacá, dançar, curtir, ficar de boa!



Fonte.:Folha de S.Paulo

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