
Crédito, Alamy
- Author, Gregory Wakeman
- Role, BBC Culture
O lançamento do filme A Rede Social aconteceu há apenas 15 anos, no dia 1° de outubro de 2010. Mas, às vezes, parece que ele veio de uma era distante.
Dirigido por David Fincher com o roteiro vencedor do Oscar de Aaron Sorkin, o filme foi extremamente elogiado. Ele acompanha a ascensão de um dos criadores do Facebook, Mark Zuckerberg (interpretado por Jesse Eisenberg), do seu dormitório em Harvard até a diretoria da empresa.
Mas, quando sobem os créditos, pode-se perceber o quanto Zuckerberg ainda estava distante da influente figura que viria a ser, da mesma forma que as redes sociais do filme estavam muito longe do que viriam a se tornar no futuro.
O próprio Facebook, criado em 2004, ainda era uma novidade naquela época.
O Twitter, de 2006, era ainda mais jovem. O Snapchat só surgiria em 2011 e, coincidentemente, o Instagram nasceu no mesmo mês do lançamento do filme.
Mas Fincher e Sorkin foram incrivelmente proféticos. A Rede Social pode ter sido o primeiro filme de um estúdio importante a retratar empreendedores da internet, mas só agora podemos apreciar como o longa foi perspicaz e até clarividente sobre suas distintas ambições, inseguranças e motivações — e sobre o mundo online que eles imaginavam construir.

Crédito, Getty Images
De certa forma, o filme era apenas o mais recente de uma longa linhagem de grandes dramas americanos, com um protagonista que se sente vazio e solitário, depois de atingir seu objetivo de conseguir poder e riqueza.
Sua visão mordaz do capitalismo americano segue a tradição de Cidadão Kane (1941), O Poderoso Chefão (1972), Sangue Negro (2007) e de outras histórias sobre ambição, riqueza e traição.
“Todos são filmes sobre ganhar dinheiro e quem se machuca ao longo do caminho”, afirma o professor de mídia, comunicação e estudos cinematográficos Paul McEwan, da Faculdade Muhlenberg, nos Estados Unidos.
“É uma história americana por excelência”, prossegue ele. “A Rede Social se coloca exatamente nesta encruzilhada. Ele examina as inerentes contradições entre o capitalismo sem limites e se ficamos em dívida com as pessoas que nos ajudam a chegar lá.”
O que torna A Rede Social irresistível em relação aos seus predecessores é o fato de que seus personagens são muito jovens.
Zuckerberg e Sean Parker, fundadores do serviço de compartilhamento de arquivos Napster, tinham apenas 19 anos quando fizeram suas descobertas tecnológicas. E o filme considera sua juventude como fundamental para definir quem eles eram e como modelariam a internet.
“O ponto central de A Rede Social é que, pela primeira vez, pessoas tão jovens tiveram tanto poder”, afirma o professor de cinema Neil Archer, da Universidade de Keele, no Reino Unido. Ele é o autor do livro The Social Network: Youth Film 2.0 (“A Rede Social: filme da juventude 2.0″, em tradução livre).
“O filme mostra aquele nível de poder e riqueza consolidado em torno de adolescentes”, segundo ele.
Para Archer, a situação fica mais explosiva perto do fim de A Rede Social, quando o brasileiro Eduardo Saverin (interpretado por Andrew Garfield) fica sabendo que Zuckerberg e Parker (Justin Timberlake) o forçaram a sair da companhia.
Saverin confronta a dupla, destruindo o computador de Zuckerberg na frente de todos os funcionários.
“Eles são crianças”, explica Archer à BBC. “Eles não sabem como se vestir, nem como se portar adequadamente. Eles nem mesmo têm idade para beber.”

Crédito, Getty Images
Basta comparar o sarcástico e espigado Zuckerberg interpretado por Eisenberg com os machos alfa dominantes de Orson Welles (1915-1985) em Cidadão Kane, Al Pacino em O Poderoso Chefão e Daniel Day-Lewis em Sangue Negro.
Eisenberg parece mais um nerd em uma comédia adolescente do que o padrão dos líderes de Hollywood. Ele não usa terno com risca de giz, nem parece conseguir sobreviver por mais de um minuto em um campo petrolífero.
Se compararmos com os dias de hoje, os profissionais da tecnologia podem ser mais velhos do que Zuckerberg no filme, mas a cultura de roupas casuais de estudantes, os insultos brincalhões e a nerdice dos videogames permaneceram.
“Zuck é um corno”, disse Elon Musk sobre Zuckerberg, em 2023. Claramente não foi a forma mais madura de se referir a um concorrente.
Em A Rede Social, a imaturidade é uma característica que define Zuckerberg e seus amigos, especialmente em relação ao sexo.
“Os gêmeos Winklevoss [ambos interpretados por Armie Hammer] basicamente querem lançar o Harvard Connection [uma rede social pré-Facebook] para que os rapazes possam sair com as garotas”, explica Archer.
“A abertura do filme mostra a quantidade de garotas sendo levadas para o Phoenix Club. É o que Mark também quer.”
“O filme indica a natureza superficial do uso pretendido para aquilo. Todo o filme é ancorado nas preocupações adolescentes de status social e de conseguir [garotas]”, prossegue o professor.
Ficção e realidade
Fincher e Sorkin fazem uso da suposta fascinação de Zuckerberg por uma ex-namorada chamada Erica Albright (interpretada por Rooney Mara) como base para a história e o declínio do seu personagem.
Depois de ser dispensado por ela, Fincher mostra Zuckerberg voltando imediatamente para o seu dormitório, onde, como vingança, ele cria o website misógino Facemash, que compara a aparência das estudantes do campus.
Na metade do filme, depois que ele corre novamente em direção a Albright e ela o repreende, o inseguro Zuckerberg toma a decisão de expandir o Facebook, para poder provar a ela que não é um idiota, como ela diz na cena de abertura.
No final do filme, ele continua preocupado em obter o respeito de Albright, embora eles aparentemente não se falassem há anos.

Crédito, Alamy
É preciso ressaltar que Albright é uma personagem fictícia, inventada pelos cineastas. Mas Zuckerberg estava em um relacionamento com sua futura esposa Priscilla Chan, na época da criação do Facebook. Ele desmentiu as motivações atribuídas ao seu personagem no filme.
“Toda a estrutura do filme é baseada em ‘estou com essa garota, que não existe na vida real e me rejeita'”, declarou Zuckerberg em uma palestra na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, em 2010.
“E, basicamente, a estrutura é que toda a razão para criar o Facebook é que eu queria conseguir garotas ou entrar em casas noturnas. Eles [Fincher e Sorkin] simplesmente não conseguem pôr na cabeça a ideia de que alguém pode construir algo porque gosta de construir coisas.”
Zuckerberg pode ter razão, mas esta certamente não é a primeira vez em que um filme distorceu a realidade para fins temáticos e de dramatização.
“Como historiador e alguém que acredita muito na alfabetização midiática, sempre considero e incentivo as pessoas a considerar um filme com base em eventos reais ainda como uma dramatização”, afirma Jason Steinhauer, autor do livro History, Disrupted: How Social Media and the World Wide Web Have Changed the Past (“A história, alterada: como as redes sociais e a World Wide Web mudaram o passado”, em tradução livre).
“Todos os filmes de Hollywood têm liberdades, retiram elementos da história, enaltecem a dramatização e acentuam certos personagens, tudo em nome de contar a história”, explica ele.
“Eu hesitaria ao ver qualquer pessoa considerar que o Zuckerberg interpretado naquele filme é, de alguma forma, um retrato muito preciso do homem em si.”
Mas o surpreendente é como A Rede Social traça um tipo diferente de “retrato preciso”: um quadro de certos aspectos negativos das redes sociais que só seriam analisados em profundidade anos depois do lançamento do filme.
Os críticos afirmam que a interação online aumenta a insegurança; pode incentivar hostilidades; e, como disse o jornal The New York Times no ano passado, “criou uma receita para a solidão”.
Em 2020, a rede de TV americana CNBC noticiou uma pesquisa da empresa de seguros e assistência médica Cigna, que “encontrou correlação cada vez maior entre o uso das redes sociais e a sensação de solidão”.
E, segundo um estudo sobre filosofia da Universidade de Oxford, no Reino Unido, realizado em 2021 por Emily Qureshi-Hurst (um dos muitos artigos recentes sobre o assunto), “as redes sociais amplificam o sentimento de alienação e distanciamento” de três formas:
- “as redes sociais nos permitem construir versões artificiais de nós mesmos, utilizando filtros e software de edição de fotos;
- elas fornecem meios de quantificar a aprovação social em grupos com tamanho acima da evolução do cérebro humano; e
- elas ampliam o tamanho das nossas redes sociais, mas reduzem a qualidade das interações.”
Basicamente, elas transformam a nós todos em estudantes imaturos, desesperados para sermos populares, não importa o quanto esse desespero nos faça nos sentir mal.
A cena final de A Rede Social resume este estado.
Depois de trair seu melhor amigo, Eduardo Saverin, e fazer com que seu novo melhor amigo, Sean Parker, saísse do Facebook, Zuckerberg se senta sozinho em um escritório, esperando que Erica Albright aceite seu pedido de amizade no portal.
Suas imagens sentado imóvel na sua cadeira, pressionando repetidamente o botão para ver se ela havia respondido, são o resumo perfeito do que as redes sociais fizeram com tantos de nós.
“Seguidores e curtidas são a nova economia”, segundo Neil Archer. “É uma economia baseada em uma falsa ideia de conectividade, pois você não está conectado àquelas pessoas.”
Em outubro do ano que vem, o público irá saber se Aaron Sorkin acredita que Zuckerberg cresceu e amadureceu na década e meia após o lançamento de A Rede Social.
Sorkin está escrevendo e dirigindo uma continuação do filme, que irá se chamar The Social Reckoning (“O acerto de contas social”, em tradução livre — ainda sem título em português). O ator Jeremy Strong, da série Succession (2018-2023), interpretará Mark Zuckerberg.
“É uma história totalmente diferente”, afirma Jason Steinhauer. “A história de uma enorme companhia multinacional é diferente de uma valente start-up.”
“Agora, existem também diferentes responsabilidades sobre o que deverá ser incluído no filme. Sabemos que as redes sociais fizeram mal às pessoas. Sabemos que as redes sociais vêm sendo uma força de radicalização e alienação em algumas comunidades.”
“Por isso, o filme precisa lidar de alguma forma com essas questões ou com as ramificações dessas questões. Será interessante observar o que eles irão apresentar”, conclui Steinhauer.
A Rede Social (2010) está disponível no Brasil na Amazon Prime Vídeo, Apple TV, Google Play e YouTube.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


