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- Author, Nada Tawfik
- Role, Da BBC News em Nova York
Enquanto Zohran Mamdani caminhava pelas ruas do Upper East Side, área rica de Nova York, em um evento de campanha para cumprimentar eleitores, ele mal conseguia dar alguns passos sem ser parado por apoiadores de sua campanha à prefeitura da maior cidade dos Estados Unidos.
Duas jovens sorridentes, com expressão de deslumbramento, disseram que o seguiam no Instagram. O candidato democrata millennial, de 34 anos, agradeceu antes de posar para uma selfie com outro jovem que já havia preparado o celular.
Multidões de repórteres cercavam Mamdani e registravam cada um de seus movimentos — como quando ele correu para o meio da rua para apertar a mão de um taxista que gritava: “Estamos com você, cara!”.
Com uma vantagem confortável nas pesquisas, o político está prestes a fazer história nas eleições de terça-feira (4/11), podendo se tornar o prefeito mais jovem em mais de um século e o primeiro muçulmano e sul-asiático a liderar Nova York.
Até poucos meses atrás, ele era uma figura relativamente desconhecida.
Poucos poderiam prever sua ascensão — de artista de hip-hop e conselheiro habitacional a deputado estadual de Nova York e favorito para comandar a principal cidade dos Estados Unidos, um cargo que envolve um orçamento de US$ 116 bilhões (R$ 624 bilhões) e atenção mundial.
Nascido em Kampala, capital de Uganda, Mamdani se mudou para Nova York com sua família aos 7 anos. Os pais têm origem indiana.
Ele se elegeu deputado estadual em 2021 pelo bairro de Astoria, no Queens, e se conectou com os eleitores da era das mídias sociais.
Sua identidade como imigrante, sem remorso por suas crenças e fé como muçulmano, tem sido considerada um ponto positivo para aqueles que viram nele suas próprias experiências.
Liderando a disputa
Por meio de vídeos virais e da aproximação com criadores de conteúdo e podcasters, Mamdani conseguiu alcançar eleitores desiludidos em um momento em que a confiança no Partido Democrata entre seus próprios membros está em seu nível mais baixo.
Mas há dúvidas sobre se ele conseguirá cumprir suas promessas ambiciosas — e sobre como um político sem experiência executiva lidará com os ataques inevitáveis do governo Donald Trump.
Também pesa a relação complicada que ele mantém com a elite do partido, ao se tornar uma figura nacional dos democratas de esquerda.
Ele se descreve como um socialista democrático — termo sem uma definição clara, mas que, essencialmente, significa dar voz aos trabalhadores, não às corporações.
Mamdani prometeu taxar milionários para financiar a ampliação de programas sociais. É a mesma linha política do senador Bernie Sanders e da deputada Alexandria Ocasio-Cortez, com quem Mamdani divide frequentemente o palco.
Trump, por sua vez, ameaçou cortar os fundos federais caso os nova-iorquinos elejam um “comunista”.
Mamdani rebateu esse argumento comum sobre sua política e, durante uma entrevista em um programa de TV diurno, concordou com o apresentador que ele era “meio que um político escandinavo” — “só que mais moreno”, brincou.
Os países escandinavos, como a Suécia, são conhecidos por suas políticas públicas de bem-estar social.

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Uma vitória seria vista como uma rejeição à política tradicional por parte dos nova-iorquinos, que enfrentam dificuldades com o custo de vida — o principal tema da campanha de Mamdani.
Seu principal rival na votação de terça-feira é o ex-governador democrata Andrew Cuomo, que concorre como independente após ter perdido para Mamdani nas primárias.
Cuomo acusa Mamdani de ter uma agenda antiempresarial que “mataria Nova York”. Ele afirma ter demonstrado que pode enfrentar Trump, mas Mamdani o chama de “fantoche do presidente”.
Curtis Sliwa, o candidato republicano, zomba dos dois. No último debate, disse: “Zohran, seu currículo cabe em um guardanapo de coquetel. E Andrew, seus fracassos poderiam encher a biblioteca de uma escola pública de Nova York.”
Congelamento dos aluguéis e tarifa zero nos ônibus
A campanha de Mamdani tem focado em custo e qualidade de vida. Ele prometeu creches universais, congelamento de aluguel em unidades subsidiadas, ônibus públicos gratuitos e mercearias administradas pela prefeitura.
É uma mensagem que encontrou ressonância entre nova-iorquinos cansados dos preços altíssimos.
“Eu o apoio porque sou advogado especializado em habitação e vejo como o custo de vida só continua subindo, subindo e subindo”, disse Miles Ashton à BBC, do lado de fora do debate entre os candidatos no início deste mês. “Todos nós queremos uma cidade acessível.”
Os custos da agenda de Mamdani seriam cobertos por novos impostos sobre corporações e milionários, que, segundo ele, arrecadariam US$ 9 bilhões (R$ 48 bi) — embora algumas organizações, como a libertária Cato Institute, apontem erros nos cálculos.
Ele também precisaria do apoio da legislatura estadual e da governadora Kathy Hochul para implementar novos impostos.
Hochul tem apoiado a campanha de Mamdani, mas afirma ser contra o aumento de impostos sobre a renda. Ainda assim, quer trabalhar com ele para cumprir a promessa da creche universal — de longe, o item mais caro de sua plataforma, estimado em US$ 5 bilhões.
Durante uma viagem de ônibus por Manhattan para divulgar seu plano de transporte gratuito, ele explicou à BBC por que seu foco na acessibilidade econômica é a abordagem certa na era Trump.
“É hora de entendermos que defender a democracia não é apenas enfrentar uma administração autoritária. É também garantir que essa democracia consiga atender às necessidades materiais da classe trabalhadora aqui mesmo. Isso é algo em que temos falhado em Nova York.”
Entre os nova-iorquinos que disseram à BBC que não votariam em Mamdani, muitos disseram ter dúvidas sobre a viabilidade de financiar suas propostas e à sua falta de experiência.
O que os empresários de Nova York pensam
Após Mamdani vencer as primárias democratas em junho, os líderes de Wall Street, coração financeiro de Nova York, não comemoraram. Alguns chegaram a ameaçar deixar a cidade.
Mas, desde então, houve uma mudança perceptível em sua visão — o clima é menos de pânico e mais de colaboração. O CEO da empresa de serviços financeiros JPMorgan Chase, Jamie Dimon, chegou a dizer que ofereceria sua ajuda caso Mamdani fosse eleito.
O empresário do setor imobiliário Jeffrey Gural, que já se reuniu com Mamdani, afirma que ele é inexperiente demais para liderar a maior cidade do país. Segundo Gural, o plano de congelar os aluguéis prejudicaria os inquilinos, e os impostos sobre os mais ricos afastariam os grandes rendimentos de Nova York.
Ainda assim, ele apoia a proposta de creche universal de Mamdani — um benefício que ele mesmo oferece aos funcionários de seu cassino no interior do Estado.

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Parte da mudança de tom desde as primárias se deve a um esforço de Mamdani para se encontrar com seus críticos.
Em 14 de outubro, Alexis Bittar, designer de joias autodidata que transformou seu negócio em uma empresa global, recebeu Mamdani e 40 líderes empresariais em sua casa no bairro do Brooklyn, construída na década de 1850.
Os convidados eram uma mistura de CEOs e proprietários de empresas dos setores financeiro, de moda e de arte. Mais da metade eram judeus e todos estavam indecisos ou eram contrários à candidatura de Mamdani.
Foram feitas perguntas sobre negócios, sua experiência em gestão e como financiaria sua agenda.
“Acho que ele se saiu muito bem”, disse Bittar à BBC. “O que é notável nele é que ele está incrivelmente preparado para responder — e responde com dedicação.”
Desculpas à polícia
Parte do engajamento de Mamdani com seus críticos se deve à sua disposição para mudar de posição.
Em 2020, após o assassinato do homem negro George Floyd por um policial em Minnesota, Mamdani pediu que a cidade cortasse verbas da polícia e chamou o departamento policial de “racista”. Desde então, ele se desculpou e afirma que não compartilha mais dessas opiniões.
O combate ao crime é uma questão central para Howard Wolfson, que trabalhou para o ex-prefeito Michael Bloomberg e atualmente é estrategista democrata.
Ele esteve presente em uma reunião, realizada no mês passado, entre Mamdani e Bloomberg, que gastou US$ 8 milhões (R$ 43 mi) durante as primárias tentando derrotá-lo.
Wolfson disse à BBC que julgará Mamdani pela forma como a cidade será policiada.

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Muitos veem a promessa de Mamdani de pedir à comissária de polícia, Jessica Tisch, que permaneça no cargo como uma forma de tranquilizar aqueles que temem que ele seja frouxo no combate ao crime.
Ele afirma que manteria o atual efetivo do NYPD e criaria um novo departamento de segurança comunitária, que enviaria equipes de saúde mental em vez de policiais armados para chamados psiquiátricos não ameaçadores.
Uma cidade dividida sobre Gaza
Uma posição em que Mamdani manteve firmeza é sua crítica a Israel e seu apoio de longa data aos direitos dos palestinos.
Isso representa uma ruptura com a cúpula do Partido Democrata e pode ser um fator decisivo para muitos eleitores em uma cidade que abriga a maior população judaica fora de Israel.
Ele gerou indignação durante o processo das primárias ao se recusar a condenar o termo “globalizar a intifada“, palavra árabe para “revolta” normalmente usada para falar de intensas manifestações palestinas contra Israel.
Mas, após os nova-iorquinos judeus expressarem seu desconforto, dizendo que se sentiam inseguros ao ouvi-lo, ele afirmou ter desencorajado outros a usar o termo.
Uma carta assinada por mais de mil rabinos citou Mamdani ao condenar a “normalização política” do antissionismo. As pesquisas mostram que os eleitores judeus estão amplamente divididos entre Mamdani e Cuomo.
Brad Lander, controlador financeiro da cidade, que se aliou a Mamdani nas primárias democratas para endossar mutuamente suas candidaturas contra Cuomo, afirma que muitos nova-iorquinos judeus que gostam dele estão muito entusiasmados com Mamdani.
“Ele é um candidato à prefeitura profundamente comprometido em manter todos seguros, independentemente de suas crenças religiosas”, disse Lander à BBC.

Sumaiya Chowdhury e Farhana Islam, do grupo Muslims for Progress (Muçulmanos para o Progresso), fizeram campanha para o candidato à prefeitura.
Islam afirmou que, embora todos estejam animados com a possibilidade de ele se tornar o primeiro prefeito muçulmano de Nova York, ele não precisa se apoiar em sua identidade para obter apoio.
“As políticas dele falam por si mesmas e são suficientes para torná-lo popular.”
Desde sua vitória nas primárias, a islamofobia enfrentada por Mamdani aumentou. Ele agora conta com segurança policial e, no mês passado, um homem do Texas foi preso sob acusação de fazer ameaças terroristas contra ele. Em uma das mensagens, o homem disse: “Muçulmanos não pertencem aqui”.
Mamdani decidiu fazer um discurso sobre islamofobia depois que Cuomo riu junto com um apresentador de rádio que sugeriu que Mamdani torceria por outro ataque no estilo 11 de setembro.
Em um discurso emocionado, ele disse que esperava que, ao ignorar ataques racistas e manter uma mensagem central, pudesse ser visto como mais do que sua fé.
Futuro dos democratas
O que pode levar Mamdani à vitória na liberal Nova York pode não ser uma receita de sucesso a nível nacional. E os democratas no Congresso parecem preocupados com as implicações de sua ascensão, enquanto persistem tensões dentro do partido entre moderados e progressistas.
O líder da minoria no Senado, Chuck Schumer, não endossou Mamdani, enquanto seu colega nova-iorquino, líder da minoria na Câmara, Hakeem Jeffries, só o endossou algumas horas antes do início da votação antecipada.
Estrategistas democratas afirmam que o problema que Mamdani representa para a cúpula do partido é que Trump e os republicanos já retratam os democratas, mesmo os moderados, como socialistas — uma tática que se acredita ter surtido algum efeito entre eleitores cubanos e venezuelanos nas eleições de 2024.

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Josh Gottheimer, congressista democrata moderado de Nova Jersey, disse ao Washington Post que considerava Mamdani detentor de “visões extremistas” incompatíveis com o Partido Democrata e que temia que os republicanos usassem o candidato como uma espécie de “bicho-papão”.
Em um evento de campanha no Upper East Side, Mamdani contou à BBC como pretende lidar com o intenso escrutínio caso seja eleito, destacando a energia em torno de sua candidatura.
“Não há dúvida de que haverá oposição, como vemos hoje, e o que nos permitiu superar as quantias inacreditáveis de dinheiro gastas contra esta campanha, seja nas primárias ou na eleição geral, foi o movimento de massa que criamos.”
Paloma Nadera, de 38 anos, voluntária no evento, disse que a última vez em que se sentiu tão empolgada para votar foi em Barack Obama, em 2008. Desde então, ela se decepcionou com o que chamou de falta de coragem dentro do partido.
“Sinto que esta eleição significa muito para mim porque é local. Vai afetar a mim, minha família, meus amigos, todos aqui em Nova York.”
“Mas também é uma forma de enviar uma mensagem para cima, sobre como queremos que a política comece a se parecer no lado democrata, a nível nacional.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


