
Crédito, AFP via Getty Images
- Author, Luiz Fernando Toledo
- Role, Da BBC News Brasil, em Londres
Movimentos de direitos humanos classificaram a operação como uma chacina e questionam sua eficácia como política de segurança.
Em entrevista à BBC News Brasil, o professor de políticas públicas Carlos Schmidt-Padilla, da Universidade da Califórnia, Berkeley, diz que o apoio popular a medidas de força policial como nesta operação tende a crescer quando o Estado perde espaço para o crime organizado.
“À medida que o crime se enraíza nas comunidades e passa a exercer uma forma de governança criminal — disputando ou substituindo a legitimidade do Estado — aumenta a probabilidade de que as pessoas exijam ou tolerem políticas draconianas, como as vistas no Rio na última semana”, afirma.
Pesquisas de opinião divulgadas nos últimos dias reforçam esta visão. Pesquisa AtlasIntel feita entre os dias 29 e 30 de outubro, após a operação, com 1 mil respondentes, detectou que a maioria (55,2%) dos entrevistados era favorável à operação. Entre moradores de favelas, o número cresce para mais de 80%.
Mais da metade (52,5%) avalia também que o nível de violência empregado pelas polícias “foi adequado” e 55,9% são favoráveis a mais operações como essa.
Para o pesquisador, esse sentimento é alimentado pela ausência de soluções concretas de curto prazo. “Ao menos que o Estado ofereça algum alívio crível e imediato, a demanda pública e a tolerância por essas abordagens continuarão. E quando políticos oportunistas percebem essa demanda, a oferta dessas políticas seguirá.”
Schmidt-Padilla reconhece a dificuldade de propor soluções políticas que ofereçam alívio rápido e desmantelem as organizações criminosas no longo prazo. “Somos bons em diagnosticar problemas e criticar ações do governo, mas o crime organizado é complexo e muito específico a cada contexto. O que dá certo na Noruega provavelmente não funcionará na Argentina e vice-versa.”
A melhor estratégia, segundo ele, é investir em transformações estruturais, como educação, emprego e oportunidades, nas regiões onde as facções se consolidam. Esses investimentos demoram a mostrar resultados, avalia, o que mantém o ciclo de incursões policiais frequentes e populares, apesar dos altos custos sociais.
A lista de mortos na operação, divulgada pela Polícia Civil, mostra que havia ao menos dois adolescentes, além de dezenas com menos de 25 anos. Como medida de curto a médio prazo, o professor recomenda políticas de combate ao recrutamento de jovens, reduzindo a “mão de obra” disponível para o crime.
“Alguns comparam a ofensiva do Rio à repressão às gangues em El Salvador, iniciada em 2022, mas vejo paralelos mais fortes com o México nos anos 2000, sob Felipe Calderón. O Estado declarou guerra aos cartéis, os cartéis responderam com escalada de violência e os homicídios aumentaram drasticamente — algo muito difícil de reverter. A lição mais ampla é que ofensivas táticas, sem mudanças institucionais e socioeconômicas duradouras, correm o risco de deslocar ou amplificar a violência, em vez de resolvê-la.”

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Brasil tem ‘padrão extremo de abuso de força letal’, diz estudo comparativo da América Latina
Segundo o relatório Monitor do Uso de Força Letal na América Latina e Caribe, de 2024, o Brasil segue sendo o país com o maior número absoluto de civis mortos por agentes de segurança na região — mais de 5,6 mil por ano entre 2020 e 2022.
Embora o índice brasileiro (2,8 mortes por 100 mil habitantes) seja inferior ao de países menores como Jamaica e Trinidad e Tobago, a proporção entre civis mortos e policiais mortos (de 251 para 1 em 2022) indica, segundo o estudo, um padrão “extremo” de uso abusivo da força, em que os policiais não estão simplesmente se protegendo.
A avaliação considera que exceder o limite de 10 civis mortos para cada agente de segurança morto “revela que a força letal não está sendo aplicada apenas para proteger a vida dos policiais.”
Os autores destacam ainda que, em vários países da região, inclusive o Brasil, faltam dados oficiais transparentes sobre feridos por armas de fogo em ações policiais — o que impede medir com precisão o chamado “índice de letalidade”, isto é, a relação entre mortos e feridos.
Se analisados os dados só do Rio de Janeiro, há também uma disparidade, em menor proporção: dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública indicam que houve 55 policiais mortos em 2024. No mesmo ano, 703 pessoas foram mortas por policiais no estado.
Schmidt-Padilla avalia que não há uma métrica precisa de sucesso em operações como a do Rio.
A avaliação, diz, depende do equilíbrio entre prender líderes, apreender drogas e armas, coletar informações de inteligência e reafirmar a presença do Estado a longo prazo. O que, no caso do Rio, não se concretizou, afirma.
“As primeiras notícias diziam que o objetivo era capturar líderes do alto escalão do Comando Vermelho. Por esse critério, é justo dizer que a operação fracassou. Líderes de nível intermediário foram presos, mas o principal, Edgard Alves (‘Doca’), escapou.”
O governador Claudio Castro afirmou, em coletiva de imprensa, que as polícias saíram vitoriosas da operação, “tirando as nossas quatro vítimas, que foram os quatro policiais mortos. O resto era criminoso”.
Mas disse também que as mortes não eram intencionais. “Queríamos ter prendido todos com vida, mas foi uma consequência da retaliação que eles acabaram fazendo e do uso desproporcional da força que aqueles criminosos fizeram.”
Schmidt-Padilla diz que o elevado número de mortes não pode ser classificado como um sucesso.
“A morte de integrantes de baixo escalão ou prisões em massa não surtirão efeito no crime organizado. A menos que se enfrentem as causas estruturais que levam jovens, em sua maioria homens, a se envolverem com o crime, as organizações criminosas continuarão substituindo facilmente esses membros.”
Pontua também que caberá ao Estado provar que a operação atendeu aos padrões de necessidade, proporcionalidade e precauções para proteger civis.
“As imagens compartilhadas online devem ser verificadas por uma investigação independente. Arrastar ou mutilar corpos, ou qualquer outro abuso cometido por agentes do Estado, não apenas corrói a confiança pública, como também é ilegal. A violência do crime não deve ser substituída pela violência estatal.”
O pesquisador diz que a apreensão de mais de 100 fuzis confirma o poder de fogo das facções, mas não demonstra, necessariamente, avanços sobre esse poderio bélico.
“A principal questão é saber se a operação enfraqueceu a capacidade desses grupos de se rearmar e controlar territórios. Até que haja evidências de interrupção das cadeias de suprimento e melhorias duradouras na segurança, a imagem não fala por si só e representa uma encenação política do governador Castro.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


