Nesta terça-feira (4) foi aberto ao público em Gizé o Grande Museu Egípcio, o maior museu arqueológico do mundo e também o maior dedicado a uma única civilização. A dois quilômetros das Pirâmides, o principal ponto turístico do país, a instituição ocupa uma área de 500 mil m² (o equivalente a 70 campos de futebol) e abriga um acervo com mais de 100 mil artefatos, que chegam a ter até 7.000 anos de idade.
Dentre tantos tesouros, o destaque é a tumba de Tutancâmon, encontrada pelo egiptólogo britânico Howard Carter em 1922 e que será exposta na íntegra pela primeira vez na história. Estão lá a máscara mortuária de ouro do jovem faraó, seu trono e suas carruagens. Tudo com muito ouro —só um dos caixões tem mais de 100 quilos maciços do metal.
Outra relíquia do acervo é a estátua do rei Ramsés 2º, que fica logo na entrada do prédio. Ela foi transportada da estação ferroviária do Cairo até o museu ainda em 2006, antes mesmo do teto do lugar ser construído, dada a complexidade logística de mover um artefato histórico de 11 metros de altura e 83 toneladas.
Após a recepção, os visitantes chegam a uma escada monumental de seis andares, que conta a história de uma “jornada para a eternidade”. Ela é ladeada por 59 estátuas de reis, sarcófagos e colunas que demonstram o refino arquitetônico de diferentes épocas. Seus 108 degraus dão acesso às 12 galerias do museu e conduzem os visitantes a um mirante para as Pirâmides.
“O projeto do museu foi concebido para dialogar com a escala e a precisão matemática das pirâmides”, disse Roisin Heneghan, cofundadora da Heneghan Peng Architects, a empresa irlandesa responsável pelo projeto, à ABC.
“Em tamanho, é o maior museu do mundo, quase o dobro do tamanho do Louvre e do British Museum, e cinco vezes maior que o Metropolitan de Nova York“, disse Ahmed Ghoneim, diretor da instituição egípcia, a uma agência de notícias francesa. “É um presente do Egito para o mundo, e um presente muito especial, que nenhum outro país poderia oferecer”, disse o diretor.
A cerimônia de inauguração do museu aconteceu no último sábado (1º), quando foi decretado feriado nacional no país africano. Um show de música e luzes foi montado na área externa, com dançarinos ornamentados em trajes típicos, orquestra ao vivo, drones e fogos de artifício.
Representantes de mais de 80 países estiveram presentes, entre eles a ministra brasileira da Cultura, Margareth Menezes —cantora, aliás, do hit “Faraó”, dos anos 1980. Ela definiu a instituição como um grande marco cultural da preservação e valorização do patrimônio da humanidade.
“O museu age um pouco no imaginário que temos da cultura egípcia, que é muito forte pela sua dinâmica mística, histórica e ancestral”, afirma Menezes à Folha. “Também aguça muito a nossa curiosidade sobre como eles faziam tudo aquilo, as pirâmides, as estátuas gigantes…”
Outra brasileira que esteve por lá antes mesmo de sua inauguração foi a egiptóloga Cintia A. Gama-Rolland. Para a especialista, o novo museu “é impecável”.
“A galeria principal aborda a história egípcia cronológica e tematicamente, então é possível cruzar todas as épocas egípcias antigas. As peças estão muito mais valorizadas do que no antigo museu da praça Tahrir”, diz a egiptóloga, que também é curadora da coleção egípcia e de arqueologia do Musée des
Confluences em Lyon, na França.
“É muito interessante também a valorização que o museu traz à cidade de Gizé, que fica na periferia do Cairo. É algo parecido com o que o Museu Guggenheim foi para Bilbao, na Espanha.”
De fato, o novo espaço é motivo de grande orgulho para o povo egípcio. Primeiro, pela simples conclusão de um projeto que custou mais de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,3 bilhões) e demorou mais de 20 anos para ficar pronto.
As primeiras ideias para a sua criação datam de 1992. Sua construção, iniciada em 2002, sofreu diversos atrasos devido às instabilidades políticas da região —como a Primavera Árabe, no começo da década passada, e a recente guerra em Gaza, que afetou fortemente o fluxo de visitantes.
Mas há também a satisfação de enfim poder mostrar ao mundo um acervo único que até então não estava em exibição por falta de espaço nos outros dois principais museus da capital egípcia, o Museu Egípcio e o Museu Nacional da Civilização Egípcia —que seguem em funcionamento no Cairo, do outro lado do rio Nilo.
Potencial turístico
O museu é a grande aposta egípcia para turbinar o turismo do país, que no passado recebeu 15 milhões de viajantes, número que o governo pretende dobrar até 2030 —tendo o novo museu, que deve receber 5 milhões de visitantes por ano, como o principal motor desse crescimento.
Para os brasileiros que se animarem, uma novidade é que a companhia aérea Latam anunciou, na semana passada, que irá retomar os voos para o Oriente Médio, ainda sem especificar os aeroportos de destino. Hoje, a rota mais curta para o Egito é via Istambul, a 2h30 de voo da capital, Cairo.
Repatriação de obras
A abertura da instituição tem reacendido a discussão sobre o direito de países colonizados sobre os artefatos que foram retirados do seu território e que hoje estão em posse do Ocidente.
Alguns desses objetos são a Pedra de Roseta, a chave que decifrou os hieróglifos do Antigo Egito, e o Busto de Ramsés, o Grande, ambos parte do roteiro tido como imperdível do British Museum, em Londres. Ou ainda a Tumba de Perneb, túmulo de 2300 a.C., originalmente construído na necrópole de Saqqara, e hoje em exibição no Met, em Nova York.
Atualmente, um dos maiores símbolos desse impasse é o busto de calcário da rainha egípcia Nefertiti, que tem quase 3.400 anos de idade. Ele foi encontrado por arqueólogos alemães em 1912, e levado para Berlim, onde está exposto desde então —atualmente, no Novo Museu.
As primeiras exigências de devolução datam de 1924. Em 2011, o então ministro de Turismo e Antiguidades, Zahi Hawass, passou a promover uma campanha pela repatriação do busto, dizendo que ele teria sido levado do país ilegalmente. Os alemães, por sua vez, se recusam a devolvê-lo, justificando que a peça foi retirada de maneira legal, já que um acordo da época determinava a divisão de achados em troca de financiamento europeu para as escavações.
Foi só a partir de 1922, nove anos após a retirada do busto de Nefertiti, que o Egito passou a abolir todos os direitos de remoção de achados importantes dados a escavadores estrangeiros. O marco para essa guinada foi a descoberta da tumba de Tutancâmon.
“As leis da época eram parte de um mundo imperialista. Hoje, nenhum país permitiria que metade dos objetos arqueológicos encontrados ficassem com escavadores”, disse à DW o professor Sebastian Conrad, da Universidade Livre de Berlim. “O debate hoje é muito mais sobre a legitimidade do que sobre a legalidade da posse.”
Brasileira expõe no Egito
Na esteira da abertura do Grande Museu Egípcio, a região do Cairo recebe também a exposição “Forever Is Now”. De 11 de novembro a 7 de dezembro, a mostra exibe obras de arte contemporânea em meio às areias do deserto egípcio.
Entre os dez artistas selecionados está a brasileira Ana Ferrari. Sua instalação, “Vento”, é composta de 21 flautas gigantes de alumínio, que variam entre 2,5 e 5 metros de altura. Dispostas em espiral, elas captam o movimento das brisas e o transforma em sons, criando uma sinfonia comandada pela natureza.
“A obra dialoga com a reverência egípcia antiga ao som e à frequência”, diz a artista. Em março, a obra seguirá para o Parque Garota de Ipanema, no Rio de Janeiro.
Fonte.:Folha de S.Paulo


