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6 de novembro de 2025

EUA se voltam para dentro e vão pagar por vício em vitórias de curto prazo – 06/11/2025 – Ian Bremmer

EUA se voltam para dentro e vão pagar por vício em vitórias de curto prazo – 06/11/2025 – Ian Bremmer

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Os Estados Unidos estão vencendo. Ou pelo menos é assim que parece, se você estiver acompanhando os índices de mercado ou o desfile de países que se alinham para fechar acordos com o presidente Donald Trump.

A economia dos EUA está superando a de seus aliados. As ações continuam atingindo recordes históricos. Países asiáticos e do Golfo prometeram trilhões de dólares em investimento estrangeiro direto nos EUA durante a presidência de Trump. O Reino Unido, a União Europeia e várias nações do Sudeste Asiático ofereceram acordos comerciais não recíprocos.

O Canadá desistiu de seu plano de impor um imposto sobre serviços digitais. O Japão fez concessões unilaterais sobre tarifas automotivas e a Nippon Steel. Empresas farmacêuticas europeias estão transferindo sua produção para os EUA para evitar tarifas punitivas. Combinado com um boom de gastos em inteligência artificial e aumento do déficit —possibilitados pelo status contínuo do dólar como moeda de reserva global—, os mercados continuam apostando na liquidez e no crescimento americanos.

É um momento que embriaga. Mas enquanto o cenário de curto prazo parece forte, os EUA estão sistematicamente trocando vantagens estratégicas de longo prazo por ganhos táticos, e os custos estão se acumulando de maneiras que não se tornarão aparentes até que seja tarde demais para reverter o curso.

Comece com a imigração. Por décadas, a pedra angular da dominação tecnológica, econômica e de soft power da América tem sido sua capacidade de atrair os melhores e mais brilhantes de todo o mundo. Engenheiros talentosos, cientistas e empreendedores há muito escolheram os EUA porque prometiam oportunidade, abertura e meritocracia —uma chance justa no sonho americano.

Agora, o tapete de boas-vindas está se desgastando. A política sob a gestão Trump é cada vez mais hostil à imigração (seja legal ou ilegal, qualificada ou não qualificada), o sentimento nativista entre os americanos está crescendo, e as liberdades civis (especialmente para imigrantes não brancos) parecem cada vez mais incertas.

Enquanto isso, a China está lançando novos vistos explicitamente projetados para atrair trabalhadores altamente qualificados dos EUA, e o Canadá está cobrindo aeroportos com propostas de recrutamento. Quando a América se torna um destino menos atraente para os melhores talentos globais em relação aos seus concorrentes, o dano econômico de longo prazo é claro.

Depois, há as universidades. Sim, muitos departamentos de humanidades haviam se tornado intelectualmente isolados e politicamente capturados. Enfrentar essas câmaras de eco para a ideologia “woke” de nicho já era necessário há muito tempo. Mas o governo Trump foi muito além, cortando a infraestrutura de pesquisa nas melhores universidades da América (e do mundo). Essas instituições são o que mantém a América na vanguarda da ciência e tecnologia avançadas e atraem os estudantes mais talentosos globalmente —aqueles que se tornam os principais pesquisadores, inventores e empreendedores de amanhã.

Minar esse ecossistema irá erodir um dos pilares mais importantes da economia dos EUA. Os ataques da gestão Trump às universidades ecoam a erosão acelerada da confiança pública na própria ciência. O crescente ceticismo em relação às vacinas, a adoção de teorias da conspiração, a rejeição reflexiva da expertise —esses não são apenas peculiaridades culturais, são uma desvantagem estrutural quando se compete contra países onde a fé na pesquisa e na tecnologia permanece forte. Eles estão tornando os americanos menos capazes de acreditar, ainda menos impulsionar, a próxima onda de avanços.

Considere a inteligência artificial. Os EUA estão avançando rapidamente na IA voltada para o consumidor —chatbots, algoritmos de mídia social que maximizam o engajamento, ferramentas generativas para produzir ainda mais conteúdo viciante, modelos de linguagem cada vez maiores que afirmam estar um passo mais perto da superinteligência— porque é aí que está o dinheiro.

Mas essas tecnologias também estão fragmentando a sociedade, amplificando a desinformação e possivelmente contribuindo para uma espécie de psicose coletiva. A China, em contraste, canalizou o desenvolvimento da IA para longe das aplicações de consumo em favor de usos de defesa e industriais, que carregam menos risco de fragmentação social e mais vantagem estratégica.

A energia conta uma história semelhante. Os EUA se tornaram o petro-Estado mais poderoso do mundo, produzindo mais petróleo, gás e carvão do que qualquer outro país. Isso não é inerentemente um problema —os combustíveis fósseis continuarão a alimentar data centers, agricultura e indústria pesada nas próximas décadas. Mas os EUA efetivamente cederam a liderança em energia pós-carbono para a China, que já domina a tecnologia de baterias, energia solar, nuclear de próxima geração e cadeias de suprimento de minerais críticos. Os EUA estão redobrando a aposta em hidrocarbonetos enquanto deixam o futuro da energia passar por eles.

Ou considere a política comercial. A gestão Trump está impondo as maiores tarifas dos EUA em um século —incluindo uma tarifa de 200% sobre importações farmacêuticas e 50% sobre cobre, setores em que a América carece de capacidade para aumentar a produção doméstica rapidamente o bastante para evitar escassez ou inflação.

O resultado é um imposto regressivo de aproximadamente 17% sobre empresas e consumidores americanos, que são forçados a pagar mais por insumos intermediários e bens finais. Combinado com uma forte virada em direção à política industrial e ao capitalismo de Estado, os EUA estão se afastando dos princípios de livre mercado que tornaram sua economia tão competitiva em primeiro lugar.

A intervenção governamental direcionada em setores selecionados (por exemplo, semicondutores, bancos) por motivos específicos (por exemplo, segurança nacional, estabilidade financeira) muitas vezes pode ser justificada, mas o protecionismo amplo e a direção estatal tendem a tornar as economias menos, não mais, dinâmicas ao longo do tempo.

Esse pensamento de curto prazo se estende à geopolítica. A maioria dos países está preparada para dar vitórias ao presidente Trump —algumas pírricas, outras significativas— para evitar conflito aberto. Mas esses mesmos países também estão trabalhando para garantir que nunca mais estejam nessa posição novamente.

A União Europeia finalizou acordos comerciais com o Mercosul, o México e a Indonésia. O Brasil está aprofundando laços econômicos com a Europa, a China e o Canadá. A Índia está trabalhando para estabilizar relações com a China e acelerando projetos de infraestrutura que reduzem a dependência dos mercados dos EUA. A Arábia Saudita assinou um acordo nuclear com o Paquistão para se proteger contra futuro abandono de segurança por parte de Washington.

Essas proteções não são gratuitas. Elas exigem anos de capital político, bilhões em investimentos e nova arquitetura institucional. Uma vez construídas, são difíceis de reverter. Mas os países aprenderam da maneira mais difícil que a política dos EUA pode mudar de rumo a cada ciclo eleitoral com pouca continuidade política ou planejamento estratégico de longo prazo, e estão construindo alternativas agora enquanto acomodam Washington no curto prazo. A cada quatro anos, há uma chance de 50% de que tudo, não apenas os vencedores e perdedores, mas as regras do jogo, mude. Essa volatilidade estrutural reduz a influência americana ao longo do tempo, mesmo que entregue vitórias para a maior economia do mundo.

Então, ao perguntar se os EUA continuarão superando aliados e adversários, a resposta depende do horizonte temporal. Curto prazo? Absolutamente. A América continua sendo, de longe, o país mais poderoso do mundo, então há muito espaço para danos antes que o declínio estrutural se instale. Além disso, a inteligência artificial está prestes a mudar tudo, e os EUA são um dos únicos dois atores importantes (sendo a China o outro) e ainda o parceiro preferido para a maior parte do Ocidente e partes do Sul Global.

Mas a longo prazo, a trajetória é preocupante. As vantagens históricas que os EUA desfrutavam sobre seus pares —melhor infraestrutura física e institucional, demografia superior impulsionada em parte pela imigração, tolerância pública à desigualdade sustentada pela percepção de meritocracia, maior capacidade para gastos deficitários— estão todas indo na direção errada, possivelmente de forma insustentável.

A China, apesar de estar em uma posição geral mais fraca, está fazendo o que pode para explorar essas mudanças. E enquanto Pequim enfrenta severos desafios estruturais próprios, beneficia-se da percepção, cada vez mais precisa, de que adota uma visão de longo prazo enquanto a América persegue a próxima eleição.

Talvez o mais preocupante seja a única coisa em que todos em uma América profundamente dividida agora concordam: que a maior ameaça do país é interna. Eles apenas discordam sobre quem é essa ameaça. Esse tipo de virada para dentro garante que a maior parte da energia e do foco nacional permanecerá na luta de batalhas políticas internas, em vez de fazer os investimentos mais profundos e pacientes —em pessoas, instituições, pesquisa e infraestrutura— necessários para manter os EUA competitivos daqui a uma geração.

A América está desistindo da liderança de longo prazo em troca de vitórias de curto prazo e, em algum momento, a conta chegará. A questão não é se os EUA pagarão por esse vício em gratificação imediata. É apenas quanto —e quando.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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