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- Author, Sarah Rainsford
- Role, Correspondente da BBC News no Sul e o Leste da Europa.
Em uma de suas críticas mais contundentes até agora ao governo do presidente Donald Trump, o primeiro papa nascido nos Estados Unidos também alertou que o bombardeio norte-americano a navios venezuelanos suspeitos de transportar drogas pode aumentar as tensões na região.
Aparecendo diante de uma série de câmeras de TV do lado de fora de sua residência papal em Castel Gandolfo, e se oferecendo para responder “uma ou duas perguntas”, o papa Leão 14 disse que há pessoas que viveram nos EUA “por anos e anos, sem nunca causar problemas, e que foram profundamente afetadas” pela política rígida de Trump em relação à imigração.
Falando em inglês e se dirigindo diretamente ao público norte-americano, ele reiterou a crença católica de que todo cristão será, em última instância, julgado por como acolheu “o estrangeiro”.
“Fiquei impressionado com a clareza de sua referência, porque ele obviamente está falando sobre as batidas do ICE”, disse o historiador católico Austen Ivereigh à BBC, referindo-se ao órgão de controle migratório dos EUA. “É uma declaração muito forte.”
Inicialmente, após sua eleição em maio, os comentários de Leão sobre geopolítica foram cautelosos. Mas, no mês passado, ele usou a palavra “desumano” ao se referir à repressão liderada por Trump, abalando católicos conservadores em seu próprio país que haviam abraçado o “papa americano”.
Eles viam o papa Leão como um aliado após uma relação conturbada com seu antecessor, Francisco, que certa vez descreveu Trump como “não cristão” por construir um muro na fronteira com o México.
“Agora eles estão percebendo que Leão não vai mudar o ensinamento da Igreja por causa deles”, disse Ivereigh. “Eles estão entendendo que ele é muito diferente de Francisco em seu estilo, mas o ensinamento e as prioridades são os mesmos. Ele é, de fato, uma continuação.”

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Nascido em Chicago, o papa Leão — ou Robert Prevost, seu nome de batismo — passou grande parte de sua vida profissional como missionário no Peru, uma experiência que também moldou sua forma de ver o mundo.
“Acho que essa é uma questão que o toca pessoalmente”, disse a professora Anna Rowlands, da Universidade de Durham. “Ele viveu em países afetados por essas políticas e foi acolhido ele próprio como migrante. Ele foi, de certa forma, um bispo migrante.”
Em seu primeiro grande documento, publicado no mês passado, o papa Leão revelou que as questões da pobreza e da migração continuariam no centro de seu pontificado. Ele reforçou essa mensagem recentemente, em uma reunião no Vaticano com bispos norte-americanos.
“Leão oferece uma resposta totalmente ortodoxa à migração”, destacou a professora Rowlands, “seguindo exatamente a linha da tradição da Igreja”.
Segundo ela, trata-se de uma tradição que remonta a mais de cem anos e que inclui a defesa do direito das famílias de permanecerem unidas e a proteção de suas necessidades espirituais.
O papa enfatizou esse último ponto pessoalmente quando jornalistas perguntaram sobre um centro de detenção perto de Chicago, onde, segundo relatos, os detidos estariam sendo impedidos de receber a comunhão. Muitas das pessoas atingidas pelas batidas do ICE são católicas, vindas das Américas.
“Certamente convidaria as autoridades a permitir que os agentes pastorais atendam às necessidades dessas pessoas”, afirmou.
Sobre a Venezuela e a política do governo Trump de atacar navios e matar tripulantes, o papa pediu diálogo e calma.
“Acho que com violência não venceremos”, disse em italiano.
Ele sugeriu que o envio de navios da Marinha dos Estados Unidos para perto da Venezuela estava aumentando a tensão, em vez de realmente “defender a paz”.
Seis meses após sua eleição surpreendente, os contornos do pontificado de Leão começam a ficar mais claros — e seu hábito de visitar Castel Gandolfo, abandonado por Francisco, também trouxe mais transparência. Durante anos, jornalistas precisavam esperar uma viagem papal ao exterior para ter qualquer chance de chegar perto do chefe da Igreja e fazer perguntas.
“Quando o papa fala de forma tão categórica, isso exerce pressão sobre o governo dos Estados Unidos — especialmente sobre aqueles que se identificam como católicos”, afirmou Austen Ivereigh.
“Até agora, Leão vinha evitando se enredar na máquina política de Trump. Talvez agora esteja assumindo esse risco.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


