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8 de novembro de 2025

Belmonte ironizou os jornalistas em crônica de 1929 – 08/11/2025 – Folha 105 anos

Belmonte ironizou os jornalistas em crônica de 1929 – 08/11/2025 – Folha 105 anos

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Nascido no bairro do Brás, em São Paulo, em 1896, Belmonte (pseudônimo de Benedito Bastos Barreto) entraria para a história da imprensa brasileira, sobretudo a paulista, nos anos 1920.

Destacou-se como chargista e cartunista e, em 1925, criou o personagem Juca Pato, que simbolizava o cidadão comum da metrópole, então em ascensão. Nas páginas da Folha da Noite e da Folha da Manhã, jornais do mesmo grupo que mais tarde dariam origem à Folha, publicou mais de mil trabalhos até a sua morte, em 1947.

Em 1929, usou o seu humor ácido para satirizar os tipos com que topava nas ruas São Paulo, entre eles o jornalista. Não poupou esse tipo de profissional, descrito por ele como bajulador dos poderosos (indutriais, políticos, fazendeiros).

Leia a seguir o texto completo, parte da seção 105 Colunas de Grande Repercussão, que relembra crônicas que fizeram história na Folha. A iniciativa integra as comemorações dos 105 anos do jornal, em fevereiro de 2026.

Tipos de São Paulo: O jornalista (30/6/1929)

Pince-nez, charuto, flor à lapela, pasta sob o braço.

Atitude soberba. Ar imponente.

Lugares em que é encontrado: Secretaria da Fazenda, casas bancárias, agências de publicidade, escritórios importantes.

Diretor de jornal ou de revista.

Jornal ou revista que ninguém jamais viu fora dos lugares que ele frequenta.

Isso, contudo, não impede que o seu órgão de publicidade e de opinião conte já muitos anos de vida, graças à orientação conservadora que ele lhe imprime.

É jornalista amigo da ordem e das instituições.

Patriota como os que mais o sejam. Defensor impertérrito da lei, escudo do regime, guarda da legalidade.

O seu jornal só se publica em edições especiais e números comemorativos. É a homenagem do patriota aos heróis anônimos e aos feitos altiloquentes.

Quando o presidente do Estado apresenta ao Congresso sua mensagem, o jornalista abnegado tem seus dias de labor intenso.

Nessas ocasiões, vemo-lo andar de um lado para o outro, já agora dentro de um fraque austero. E, dias depois, seu jornal “circula” com 200 páginas, onde o presidente nos aparece em várias poses, com os secretários, e os secretários dos secretários, e os auxiliares, e os contínuos…

Quando um grande industrial faz anos, o jornal “circula” novamente, com outras tantas páginas, cheias do industrial, da infância do industrial, da vida do industrial, das fábricas do industrial…

Pelo Natal há um número comemorativo, “de 800 páginas”, número que é o pavor dos comerciantes.

No 7 de Setembro, no 15 de Novembro, mais números comemorativos.

Um dia o jornalista some. A Secretaria da Fazenda respira. Os industriais desafogam-se.

Mas ele retorna.

Dois meses de interior, apenas.

Ele retorna e recomeçam os “números especiais”, mas agora com outro aspecto, com outros títulos, clichês diferentes, palavras novas que dizem assim: “Ribeirão Preto é o orgulho de São Paulo, graças à sua administração honesta e formidável”, etc. etc.

Ou então:

“Uma fazenda que é uma glória para o país…”

Ou ainda:

“Mirem-se na vida honrada, profícua, imácula deste fazendeiro-bandeirante!!!”

Eu admiro o “jornalista”.

É uma figura interessante da cidade, com uma alma tão pura e ingênua, tão desprendida e abnegada, que gasta 200 páginas de papel para, em todas elas, elogiar uma porção de gente.

O jornal sai sem anúncios; o jornal não tem venda avulsa; a tipografia reclama 50 mil réis por página.

Pois ele afronta tudo, vence todos os obstáculos, sua, sacrifica-se e tira o jornal, apenas para dizer, por exemplo, que o coronel Fidêncio é um homem dinâmico e formidável!

Pudesse a pátria contar com 300 varões como tu, jornalista de Plutarco!



Fonte.:Folha de S.Paulo

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