
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que ampliou o controle sobre conteúdos nas redes sociais provocou alerta na direita: a censura em 2026 pode ser ainda mais severa que nas eleições anteriores. Políticos, pré-candidatos e estrategistas debatem se vale confrontar abertamente os abusos do Judiciário ou adotar autocensura para sobreviver eleitoralmente.
O acórdão publicado na quarta-feira (5) alterou o Marco Civil da Internet (lei de 2014 que regula direitos na rede) e já está em vigor. Entre as mudanças, exige que plataformas removam “condutas antidemocráticas” — conceito que permanece sem definição clara e preocupa juristas especializados em liberdade de expressão.
O jurista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, identifica razões concretas para o temor. “Sem dúvida há um cerco em formação, e ele virá de diversos lugares. O Marco Civil, com a publicação do acórdão, é um desses lugares”, afirma.
Conceito em aberto e remoção automática geram insegurança jurídica
Para Marsiglia, o mais preocupante no acórdão é o que ele não diz. “O fato de o dever de cuidado [obrigação das plataformas de monitorar conteúdo] poder atingir falas antidemocráticas, que é um conceito totalmente aberto, não tem solução. E até a eleição isso não vai estar pacificado. O que são falas antidemocráticas? Questões como essas não estarão pacificadas de forma alguma até as eleições.”
Outro ponto crítico, segundo o jurista, é o dispositivo que determina remoção automática em todas as plataformas após decisão judicial reconhecer conteúdo como ofensivo. “Se o Judiciário determinar que certa fala é um crime contra a honra, não precisará fazer outro julgamento sobre a mesma fala. Só que a mesma frase em contexto diferente ganha outro significado. Coisas assim não têm como ser solucionadas.”
Para Marsiglia, as lacunas da decisão são perigosas também porque criam autocensura, gerando medo e receio entre políticos e usuários. “Isso é mais nocivo ao debate público e político do que aquilo que ela efetivamente regula. Já é ruim o que regula, mas o que deixa de ser regulado pode ser mais nocivo.”
Confronto ou silêncio: direita divide estratégias para 2026
Diante do cenário jurídico nebuloso, políticos e marqueteiros da direita avaliam táticas opostas para as eleições de 2026.
“Acho melhor só falar em segurança pública para ser eleito, e esquecer o STF”, diz um marqueteiro de políticos da direita que conversou sob condição de anonimato com a reportagem.
Outro estrategista pondera que o público desses políticos tenderá naturalmente a repelir candidatos que não mencionem os abusos do Supremo. “Não sei se tem como abrir mão disso totalmente”, afirma.
Para o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), o silêncio está fora de cogitação. “Eu não tenho essa estratégia. Pelo contrário, tenho dobrado a aposta. Não tenho medo de censura. Não sou eu o criminoso”, diz. “Na verdade, essa perseguição já está acontecendo. A eleição passada teve muito disso, já. Censura na cara dura.”
Pré-candidata ao Senado pelo Paraná, a jornalista Cristina Graeml (União Brasil) diz não ter ouvido, por enquanto, preocupações específicas com a decisão recente do STF sobre o Marco Civil, mas sim com o contexto de censura em geral.
Para ela, as plataformas provavelmente atuarão “como censoras sobre determinados assuntos, como por exemplo, a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro”. “Mas acho que a grande preocupação dos pré-candidatos de direita já é, e continuará sendo, a censura oficial, vinda do TSE [Tribunal Superior Eleitoral], que começou a ser praticada nas eleições de 2022 e nunca mais parou”, afirma.
Inquérito sobre segurança pública pode ampliar cerco
André Marsiglia alerta para a possibilidade de o Supremo ampliar sua abordagem restritiva para outras áreas do debate político. “Há outras insurgências, como agora esse novo inquérito do Moraes sobre segurança pública, que é um possível ‘inquérito do fim do mundo da segurança pública’. Nasce da mesma forma e pode também ser utilizado no ano que vem para gerenciar o debate público sobre segurança pública, que vai ser um tema central das eleições”, diz.
“Com as redes cercadas e o debate sobre segurança pública cercado, sem dúvida a oposição vai ter dificuldade pelo cerco judicial que está sendo montado a partir deste ano. São tribunais que já não têm mais vergonha nem pudor de se considerarem atores políticos.”
Fonte. Gazeta do Povo


