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9 de novembro de 2025

A saúde mental dos meninos: o grito silencioso por escuta e afeto

A saúde mental dos meninos: o grito silencioso por escuta e afeto

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“Você confia nos seus colegas de sala?” – fiz essa pergunta a cerca de 30 estudantes do 7º ano do ensino médio de uma escola pública em Bertioga, São Paulo. Apenas duas meninas disseram que sim. Os meninos enfaticamente disseram que não.

O silêncio foi rápido, e logo vieram respostas como: “de jeito nenhum, só confio na minha mãe, e olhe lá”. Esse mesmo fenômeno se repetiu em várias outras escolas que passei.

Os episódios não saíram da minha cabeça. Nessas rodas de conversa, voltadas para promoção da saúde mental, o que mais me tocou não foi só a franqueza das falas das juventudes, mas a constatação do abismo afetivo em que muitos jovens vivem, sobretudo os meninos.

Masculinidades e o peso do silêncio

O sofrimento dos jovens homens muitas vezes é silencioso, abafado pelo receio de parecer vulnerável ou de ser julgado. São lágrimas que se sustentam com pulsões agressivas, mas carentes de afeto.

A sensibilidade é sufocada pelo medo da exposição, do julgamento, da fraqueza. Neste mesmo dia, da primeira roda de conversa, alguns alunos ao se sentirem um pouco mais seguros, foram expressando timidamente o desejo de amparo e aceitação das próprias vulnerabilidades.

Uma abertura que costuma levar tempo, dada a convivência habitual em ambientes repletos de violência.

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Dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania mostram um aumento de 50% da violência nas escolas do Brasil somente em 2023. A Organização Mundial da Saúde aponta ainda que o suicídio é a quarta principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.

No Brasil, os homens apresentam um risco quase 4 vezes maior de morte por suicídio que as mulheres segundo o Ministério da Saúde. Isso não significa que sofram mais, mas sim, que buscam menos ajuda e têm mais dificuldade em verbalizar o sofrimento.

+Leia também: Antes que seja tarde: a prevenção do suicídio entre os mais jovens

Essa masculinidade que ainda cobra por potência e desempenho tem no silêncio um custo psíquico alto, e isso começa cedo. Muitos meninos crescem sem desenvolver repertório emocional para lidar com as inseguranças, fragilidades, sentimentos de exclusão e tristezas.

O resultado disso aparece em crises de ansiedade, depressão, explosões de raiva, uso abusivo de substâncias e, em casos mais extremos, na violência contra si ou contra os outros.

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Espaços de acolhimento que transformam

Vi de perto essas feridas em jovens de escolas que me aproximei, por meio de projetos como as rodas de conversa sobre saúde mental apoiadas pelo SESC Bertioga.

Ou o programa de educação entre pares para saúde mental das juventudes idealizado pela ASEc+ (Associação pela Saúde Emocional), para o qual tive apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), e que formava jovens embaixadores para atuar em escolas públicas e coletivos periféricos.

Antes e depois das rodas, aplicamos questionários de competências socioemocionais para medir os impactos do programa. Entre os mais de 100 participantes, observamos aumentos significativos de habilidades como autoconsciência e regulação emocional. Porém, mais do que o impacto, o que me comoveu foi a atmosfera de cuidado entre os próprios jovens.

Esses espaços seguros, horizontais e não patologizantes, onde se pode falar de si sem medo, são ainda raros, mas essenciais.

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Falo também a partir da minha própria história. Fui um menino gordinho e mais introspectivo, cheio de defesas construídas contra o medo de não ser aceito. A terapia, a capoeira e vivências coletivas foram fundamentais para que eu pudesse me aproximar da minha sensibilidade com mais carinho – e, aos poucos, concedendo-lhe valor e orgulho.

Mas ainda luto com marcas densas de depressões vividas na juventude, que dialogam intimamente com tais problemas sociais – como a dificuldade de encontrar espaços de escuta, com homens sensíveis, capazes de falar e ouvir com mais franqueza sobre os próprios medos e inseguranças.

O grito das juventudes e a urgência de políticas públicas

Hoje, numa luta mais perene por reparação, sigo escutando adolescentes e jovens que, como na série Adolescência, da Netflix, demonstram lutas profundas para encontrar onde possam depositar os seus afetos. Nessa arena, muitos ficam presos entre o desejo de se expressar e o receio de serem vistos como fracos, impotentes ou insuficientes. É nesse nó que precisamos atuar, urgentemente.

O debate sobre saúde mental não pode ser limitado ao diagnóstico, à terapia e à medicalização. Ele precisa passar pela educação emocional, pela reinvenção da escuta e pela desconstrução de masculinidades nocivas. Mas, principalmente, por políticas públicas que levem isso a sério.

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Na escola de Bertioga que mencionei no começo deste relato, no mesmo dia, fiquei sabendo que havia apenas uma psicóloga escolar da rede pública para dar conta de todas as escolas estaduais da cidade. Humanamente impossível!

A juventude brasileira – sobretudo a mais vulnerável – grita por espaços onde possa ser ouvida sem filtros, onde possa confiar, onde possa falhar, falar sem o duro julgar. A saúde mental dos jovens não é um problema individual: é reflexo de como a sociedade os escuta, os acolhe ou os exclui.

Ouvir esse grito é o primeiro passo. Responder a ele, com políticas, espaços seguros e afeto, é o nosso desafio coletivo. Dito isso, você já se perguntou como anda a sua disponibilidade de escuta para esse grupo? Será que com sensibilidade, empoderamento e amor podemos suplantar tais feridas?

* Felipe Moretti, psicólogo, doutor em ciências pela Unifesp e pós-doutorando no IDOR com pesquisas sobre juventudes

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+Leia também: Nas tramas da adolescência: não é fácil ser jovem nos dias atuais

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Fonte.:Saúde Abril

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