
A jornalista e pesquisadora da UnB Letícia Sallorenzo pediu ao ministro Alexandre de Moraes para investigar, no âmbito dos inquéritos das fake news e das milícias digitais, no Supremo Tribunal Federal (STF), os jornalistas Eli Vieira e David Ágape.
Os dois são autores de reportagens da “Vaza Toga”, nas quais desvendaram bastidores do gabinete de Moraes no STF e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e de como ex-auxiliares conduziam investigações contra detratores nas redes sociais.
Sallorenzo pediu a Moraes para investigá-los, junto com perito Eduardo Tagliaferro, ex-assessor do ministro, pelo suposto cometimento dos crimes de calúnia, difamação, injúria, ameaça, perseguição, incitação e apologia ao crime, associação e organização criminosa, peculato, prevaricação, violação de sigilo funcional, coação no curso do processo e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Para a pesquisadora e jornalista, eles teriam “veiculado conteúdos que questionam a atuação da jornalista ou fomentam condutas potencialmente hostis”, citando em seguida postagens em que Ágape e Vieira divulgavam uma reportagem sobre ela. Segundo a publicação, ela colaborava com o TSE apontando perfis e postagens que espalhavam nas redes suposta desinformação contra o tribunal.
Em audiência no Congresso, Tagliaferro afirmou que ela enviava ao TSE uma “chuva” de pedidos, denúncias e vídeos, citando como exemplo arquivo de um grupo de WhatsApp formado por empresários apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro e que passaram a ser investigados por Moraes em 2022.
No pedido enviado a Moraes, Sallorenzo inclui as postagens de Ágape e Vieira num conjunto de outras publicações ofensivas a ela nas redes sociais. Os “ataques”, argumenta, teriam por objetivo desmoralizar Moraes, o STF e o TSE, daí o pedido para que ministro investigue Tagliaferro e os jornalistas em seus inquéritos.
“A peticionária tem sido mencionada em publicações, transmissões ao vivo e canais de desinformação como suposto elo entre autoridades e órgãos de investigação, o que evidencia tentativa deliberada de constranger e deslegitimar a atuação de agentes públicos, notadamente o ministro-relator do inquérito das milícias digitais, no combate à criminalidade digital e à desinformação. Tal uso de narrativas difamatórias configura, em tese, o emprego de pessoa física como instrumento de ataque político-jurídico, o que encontra paralelo com estratégias de coação moral coletiva e obstrução de justiça contra o Poder Judiciário”, dizem os advogados de Sallorenzo.
O pedido da pesquisadora foi protocolado no STF no dia 21 de outubro; no dia 30, Moraes encaminhou o caso à Procuradoria-Geral da República (PGR), a quem cabe avaliar se cabe iniciar a investigação ou arquivar a representação.
Jornalistas veem assédio judicial e criminalização de atividade jornalística
Em artigo publicado no portal Poder360 nesta terça (11), Ágape e Vieira afirmaram que a representação de Sallorenzo contra eles no STF é um “caso emblemático de assédio judicial e uma tentativa de judicialização abusiva contra a imprensa” e que “procura transformar o legítimo exercício da atividade jornalística em matéria penal passível de repressão direta pela mais alta Corte do país”.
“Sua motivação está clara: impedir novas publicações, dissuadir outros jornalistas e consolidar um ambiente de intimidação para qualquer profissional que se atreva a investigar os bastidores do Judiciário”, dizem ainda no texto, intitulado “Jornalismo não é milícia: ação mira autores da Vaza Toga no STF”.
Eles argumentam que a representação cita uma única postagem de cada um deles, sugerindo que com isso teriam induzido hostilidades de outras pessoas contra ela.
“Sallorenzo não aponta uma única mensagem nossa incitando violência, nem qualquer prova de coordenação entre nós e os usuários de redes sociais cujos comentários ela apresentou como supostamente delituosos. Também não pediu direito de resposta e não refutou nenhum dos documentos que publicamos”, afirmaram.
Eles também criticam o direcionamento da petição a Moraes, dentro dos inquéritos que ele conduz no STF: “escolheu a dedo o gabinete de Alexandre de Moraes para julgar o caso e apresentou os fatos como se fosse parte de um processo penal já em curso”. “O fato de ela recorrer ao STF —e não à Justiça comum— demonstra o viés político da iniciativa: é o tribunal onde estão seus contatos, seu círculo de confiança e, como ela mesma reconhece, pessoas próximas a seu convívio pessoal”, escreveram.
Além disso, dizem que termos usados em reportagens e postagens nas redes para se referir a ela – “bruxa”, “colaboradora informal” – teriam sido extraídos de suas próprias manifestações, com apelido e termo que ela mesma teria usado.
Também dizem que Sallorenzo não refutou o teor das reportagens – no artigo, eles registram indícios de uma suposta atuação informal dela no TSE para colaborar com remoções de conteúdo e monitoramento de cidadãos.
“Todas as informações publicadas eram de interesse público inequívoco. Ao revelar como estruturas informais se consolidaram dentro do aparato institucional do TSE, muitas vezes com pouca transparência e sem controle público efetivo, as reportagens da série Vaza Toga cumpriram sua função de informar a sociedade sobre práticas que afetam diretamente a integridade das instituições democráticas”, dizem.
“A representação da senhora Letícia Sallorenzo é um ataque frontal à liberdade de imprensa no Brasil. Trata-se de uma tentativa deliberada de enquadrar repórteres investigativos –a quem ela pejorativamente se refere como blogueiros– em um inquérito criminal sem base fática, com o objetivo de censurar, retaliar e causar constrangimento institucional”, concluem os jornalistas.
Fonte. Gazeta do Povo


