(FOLHAPRESS) – O número de mortos pela polícia do Rio de Janeiro em 28 anos representa 15% de todas as mortes violentas intencionais do estado no período. São 25.283 de um total de 170.338 pessoas. O levantamento feito pela Folha de S.Paulo com dados do ISP (Instituto de Segurança Pública) considera a série histórica de janeiro de 1998 a setembro de 2025.
Os dados deste ano ainda não incluem os 117 mortos da megaoperação de 28 de outubro, a mais letal da história -contando os quatro policiais, foram 121 mortos.
O Rio de Janeiro hoje ocupa a terceira posição em mortes absolutas por policiais e a sétima em mortes por 100 mil habitantes. Houve uma queda na letalidade policial nos últimos anos, mas especialistas ressaltam que, pela taxa proporcional, é de se esperar que o Rio fique atrás de estados muito menores, como Amapá, Sergipe e Mato Grosso, em que uma variação pequena pode ter um peso maior.
Os últimos dez anos foram os mais mortíferos do Rio, com 11.550 óbitos causados pelos agentes entre 2015 e 2024, ou 1.155 por ano.
Em ordem de grandeza, o número supera todas as mortes causadas pela polícia dos Estados Unidos no mesmo período, que foi de 10.424, de acordo com levantamento do jornal Washington Post a partir de fontes oficiais e de investigação própria. A população do país é 20 vezes superior à do território fluminense.
“Os Estados Unidos são um país muito grande. Então mesmo em comparação com esse país, que já teve muitos escândalos de violência policial, o nosso [número] está maior. A gente no Brasil aprendeu a naturalizar esse número, mas sempre que eu falo isso para um estrangeiro que trabalha com segurança, todo mundo fica chocado”, diz a economista Joana Monteiro, professora da FGV e pesquisadora de segurança pública.
No mesmo período de dez anos, 615 policiais morreram no Rio de Janeiro em situações de conflito dentro e fora de serviço, segundo balanço do Ministério da Justiça -trata-se do maior número do país, embora o Rio tenha a terceira população entre os estados. São Paulo tem mais que o dobro da população fluminense e registrou 463 mortes de agentes no mesmo período.
O recorde de 1.814 mortes pela polícia do Rio em 2019 levou a corporação à marca de mais violenta do país em números absolutos, segundo o levantamento anual realizado pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Com 10 mortos a cada 100 mil habitantes, o estado ficou atrás apenas do Amapá, onde as 121 mortes representaram taxa de 14 por 100 mil. Em comparação, a taxa geral do Brasil foi de 3 mortes para cada 100 mil habitantes, e a de São Paulo, de 2 para cada 100 mil.
A escalada dos conflitos à época motivou, no mesmo ano, a instauração no STF (Supremo Tribunal Federal) da ADPF das Favelas -Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Desde 2020, o Supremo aplicou mudanças na estrutura das forças de segurança e em normas e procedimentos para uso da força policial em comunidades do Rio.
Nos anos seguintes, caiu o número total de mortes pela polícia no estado, tendência que é justificada, em parte, pela ADPF, segundo entidades como o Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos) da UFF (Universidade Federal Fluminense) e o FBSP.
A gestão do governador Cláudio Castro (PL) foi responsável por três das quatro operações mais letais na região metropolitana da capital desde janeiro de 2007. Além da incursão do dia 28 aos complexos da Penha e do Alemão, Castro estava à frente do governo durante os massacres de Jacarezinho (2021) e Vila Cruzeiro (2022). Essas operações deixaram 28 e 23 vítimas, respectivamente.
Enquanto entidades de direitos humanos classificam a última operação como um massacre, o governo estadual nega ter havido execuções e afirma que a operação foi fundamental para enfraquecer o Comando Vermelho em sua principal região.
Em resposta ao ministro do STF Alexandre de Moraes, relator da ADPF das Favelas, Castro afirmou que a operação respeitou regras fixadas no julgamento da matéria e que não foi ordinária, “mas de enfrentamento a uma organização altamente estruturada, fortemente armada e com histórico de resistência violenta”, destacando que as disputas entre o CV e facções rivais desencadearam uma corrida armamentista com aquisição de armas de guerra.
Para quem atua nas favelas da região metropolitana da capital, foco da letalidade, o receio é de que o resultado das últimas incursões, com mortes de policiais acima do comum, só aumente a carnificina. “Com os quatro policiais que morreram e mais o que acabou perdendo a perna, o que vem de volta?”, questiona a defensora pública Cristiane Xavier.
“Porque a gente sabe, sempre quando tem um policial morto, a vingança é ainda maior, é exponencial. Amedronta também o governador ficar divulgando que tem mais dez operações para acontecer e que Jacarepaguá vai ser retomada.”
Para a defensora, a fórmula empregada há décadas é equivocada. “Se você não cria alternativas nas comunidades, se não reurbaniza, é evidente que esse projeto de segurança, há 30 anos com o mesmo modus operandi, não surte efeito. Se não mudo os ingredientes, o bolo vai ser sempre o mesmo”, afirma.
“Tem que mudar o modo de fazer. Porque, por mais que se fale [que pesquisas mostram aprovação à operação], tenho certeza que ninguém fica satisfeito em viver numa cidade onde se matam as pessoas deliberadamente, seja de um lado ou do outro. Ninguém quer viver numa cidade assim.”
É a mesma sensação de esgotamento demonstrada pelo delegado da Polícia Civil aposentado Vinicius George. “Em 30 anos, a gente matou pelo menos 30 mil e morreram pelo menos 3.000 dos nossos. E nada melhorou nesse período. Pelo contrário. Se matar e morrer desse resultado, já teria dado resultado. E não deu. É uma espiral de violência, uma corrida armamentista. Vamos insistir nisso?”, reclama.
Embora os dados disponíveis do ISP contemplem os últimos 28 anos, ele diz ter convicção sobre os números redondos que menciona. “Para melhorar, a primeira coisa é não insistir no que deu errado. E sobre o que fazer, é tentativa e erro. Funcionou, a gente continua. Não funcionou muito bem, a gente aperfeiçoa. Deu errado, a gente muda o rumo.”

Dos 128 agentes da Core que atuaram na megaoperação Contenção no Rio, apenas 57 usavam câmeras corporais, segundo depoimento do delegado Fabrício de Oliveira ao Ministério Público. A operação, que envolveu mais de 2.500 agentes, resultou em 121 mortos e está sob investigação do STF
Folhapress | 05:15 – 13/11/2025
Fonte. .Noticias ao Minuto


