
Na sessão desta quarta-feira (12) do julgamento do núcleo 3 da suposta trama golpista, o ministro Flávio Dino, presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), fez uma advertência ao advogado Jeffrey Chiquini e mencionou a possibilidade de acionar o poder de polícia contra ele e outros defensores. A fala em tom intimidatório não é um episódio isolado.
Situações semelhantes têm se multiplicado em sessões do STF, especialmente ao longo de 2025. Há registros de corte de microfone, cassação de palavra, insultos públicos, comentários irônicos sobre defesas e até a destituição sumária de advogados constituídos.
A jurista Katia Magalhães, especialista em responsabilidade civil, comenta que essas ações dos ministros do STF “rompem com mais um limiar das garantias do Estado de Direito, que é a garantia de a pessoa ser assistida com um advogado” e com as prerrogativas profissionais dos advogados.
“São prerrogativas que estão na Constituição Federal, estão no Estatuto da OAB, e são realmente muito sagradas. E não são sagradas só no regime democrático. Até mesmo no período anterior, na ditadura militar, os advogados [de presos políticos] atuavam e até eventualmente conseguiam tirar seus clientes da cadeia.”
Para ela, os embates entre a defesa e o Judiciário decorrem do fato de que os julgamentos dos réus do 8 de janeiro já chegam ao plenário com um desfecho praticamente definido, o que faz com que os advogados atuem sob intimidação e com a sensação de estar participando de uma encenação.
“Isso é um reflexo muito óbvio do que se tornou a Justiça: um jogo de cartas marcadas. Num jogo de cartas marcadas, onde você tem um juiz que se comporta como acusador e vítima, você não precisa de advogado, porque você já tem uma convicção prévia sobre o fato, e o julgamento é só uma ritualística, para inglês ver, para dar um verniz de legalidade: ‘Olha, o réu não foi privado do devido processo, nós estamos aqui no julgamento’. E isso é citado por vários ministros do Supremo. O ministro Barroso, ainda quando estava lá, volta e meia dizia: ‘Olha, todos os julgamentos aqui são acompanhados por advogados’. Agora, o que adianta o julgamento ser acompanhado por advogados que são intimidados, que são tolhidos na sua prerrogativa?”, questiona.
Katia afirma que a intimidação se evidencia no próprio comportamento acuado dos advogados de defesa durante as sessões. “Na quarta-feira, naquele caso dos kids pretos, o colega que sucedeu o Chiquini estava visivelmente constrangido, visivelmente intimidado. Começou inclusive a falar de assuntos aleatórios, como futebol, para tentar puxar a simpatia dos ministros. As pessoas se sentem intimidadas. É a consequência óbvia do jogo de cartas marcadas.”
A reportagem entrou em contato com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pedindo um posicionamento sobre os episódios de intimidação à advocacia, mas ainda não recebeu retorno. O texto será atualizado caso a entidade se manifeste.
Advogados foram intimidados em julgamentos no STF em outras ocasiões; relembre
Além do caso ocorrido na quarta-feira, advogados já sofreram intimidações do STF durante outras sessões nos últimos anos. Relembre algumas dessas ocasiões.
“É patético e medíocre”: Moraes insulta advogado em plenário do STF
No dia 14 de setembro de 2023, Alexandre de Moraes fez ataques pessoais contra o advogado Hery Waldir Kattwinkel, que tinha feito críticas à atuação do juiz durante sua sustentação oral.
“É patético e medíocre que um advogado suba à tribuna do Supremo Tribunal Federal com um discurso de ódio, um discurso para postar depois nas redes sociais, que veio aqui agredir o Supremo Tribunal Federal, talvez pretendendo ser vereador do seu município no ano que vem”, disse o ministro.
“O advogado ignorou a defesa, não analisou absolutamente nada. Não analisou a associação criminosa, o dano. Não analisou nada porque preparou um discursinho para postar em redes sociais. Isso é muito triste”, acrescentou Moraes.
Advogado é detido após desentendimento com segurança no STF
Em 25 de março de 2025, o desembargador aposentado Sebastião Coelho, então advogado do ex-assessor da Presidência Filipe Martins, foi temporariamente detido nas dependências do STF após tentar acessar uma sessão de julgamento. A Polícia Judicial afirmou que houve desacato. A Presidência do STF lavrou boletim de ocorrência por ordem de Luís Roberto Barroso. Juristas consultados pela Gazeta do Povo criticaram a detenção como uma afronta à advocacia.
“Não vou permitir que faça circo no meu tribunal”: Moraes ameaça cortar microfone de defensor
Durante um depoimento do general Freire Gomes, em 19 de maio de 2025, o advogado Eumar Novacki, que defendia Anderson Torres, foi interrompido bruscamente por Alexandre de Moraes. “Não vou permitir que faça circo aqui no meu tribunal”, afirmou Moraes, acusando o advogado de repetir uma pergunta diversas vezes para tentar induzir a testemunha. O ministro ainda ameaçou cortar seu microfone.
“Enquanto eu falo, o senhor fica quieto”: Moraes repreende advogado em audiência no STF
Em 14 de julho de 2025, no interrogatório de Mauro Cid, o advogado Jeffrey Chiquini, que defendia Filipe Martins, foi repreendido de forma ríspida por Moraes: “Enquanto eu falo, o senhor fica quieto. Não vamos tumultuar, doutor”.
Em outro momento, ao ser questionado sobre a inclusão de Filipe Martins em um dos núcleos da denúncia, Moraes ironizou: “Não é o senhor que vai ditar se a PGR deve denunciar seu cliente no núcleo um, dois ou três. O senhor deveria ter prestado concurso para o Ministério Público”.
Moraes corta microfone de advogado após crítica à PGR
Em outra sessão dois dias depois, em 16 de julho de 2025, Moraes silenciou o microfone de Chiquini, que questionava o general G. Dias sobre a atuação da Abin antes do 8 de janeiro, após um desentendimento entre os dois. Moraes disse secamente: “Cassei a palavra”.
Moraes destitui advogados de Filipe Martins e nomeia Defensoria
No dia 9 de outubro de 2025, Moraes tomou uma decisão inédita: destituiu os advogados Jeffrey Chiquini e Ricardo Scheiffer, que defendiam Filipe Martins, alegando “manobra procrastinatória” no processo. Nomeou a Defensoria Pública para atuar no caso. A medida gerou forte reação da comunidade jurídica, e Moraes voltou atrás um dia depois.
Fonte. Gazeta do Povo


