
Crédito, Arquivo Pessoal
- Author, Robin Levinson-King
- Role,
- Author, Eloise Alanna
- Role,
A primeira coisa de que Lana Ponting se lembra sobre o Instituto Memorial Allan, um antigo hospital psiquiátrico em Montreal, Canadá, é o cheiro quase medicinal do local.
“Não gostei da aparência do lugar. Não me pareceu um hospital”, disse ela à BBC de sua casa em Manitoba.
Aquele hospital — que no passado tinha sido a residência de um magnata escocês do setor naval — seria a sua casa durante um mês em abril de 1958, depois de um juiz ter ordenado que a então jovem de 16 anos se submetesse a tratamento por comportamento “desobediente”.
Foi lá que Ponting se tornou uma das milhares de pessoas submetidas a experimentos como parte da pesquisa ultrassecreta da CIA (a agência americana de inteligência) sobre controle da mente.
Agora, ela é uma das duas autoras de uma ação coletiva em nome das vítimas canadenses desses experimentos. Na quinta-feira (13/11), um juiz negou o recurso do Hospital Royal Victoria, abrindo caminho para que o processo prossiga.
Segundo seus registros médicos, que ela obteve apenas recentemente, Ponting vinha fugindo de casa e saindo com amigos que seus pais desaprovavam, após uma mudança difícil com sua família de Ottawa para Montreal.
“Eu era uma adolescente comum”, ela lembra. Mas o juiz a mandou para o Allan.
Uma vez lá, ela se tornou uma participante involuntária de experimentos secretos da CIA conhecidos como MK-Ultra. O projeto da Guerra Fria testou os efeitos de drogas psicodélicas como o LSD, tratamentos de eletrochoque e técnicas de lavagem cerebral em seres humanos sem o seu consentimento.
Mais de 100 instituições — hospitais, prisões e escolas — nos EUA e no Canadá estiveram envolvidas.
No Allan, Ewen Cameron, pesquisador da Universidade McGill, drogava pacientes e os fazia ouvir gravações, às vezes milhares de vezes, em um processo que ele chamava de “exploração”.

Cameron obrigava Ponting a ouvir a mesma gravação centenas de vezes.
“A frase se repetia sem parar: ‘Você é uma boa menina, você é uma menina má'”, lembra Ponting.
A técnica era uma forma de “direção psíquica”, afirma a doutoranda Jordan Torbay, que pesquisou os experimentos e suas implicações éticas.
“Essencialmente, as mentes dos pacientes eram manipuladas usando sinais verbais”, diz ela, acrescentando que ele também analisou os efeitos de medicamentos para dormir, privação sensorial forçada e coma induzido.
Os registros médicos mostram que Ponting recebeu LSD, bem como drogas como amital sódico (um barbitúrico), desoxina (um estimulante), além de gás nitroso (um sedativo conhecido como “gás hilariante”).
“Em 30 de abril, a paciente passou por exames… ela ficou bastante tensa e extremamente violenta ao receber o óxido nitroso, jogando-se para fora da cama e começando a gritar”, escreveu Cameron em um de seus prontuários médicos, que Ponting obteve por meio de um pedido de acesso à informação.
A dura verdade sobre os experimentos MK-Ultra veio à tona pela primeira vez na década de 1970. Desde então, várias vítimas tentaram processar os EUA e o Canadá.
Os processos nos EUA foram, em sua maioria, mal-sucedidos, mas em 1988, um juiz canadense ordenou que o governo americano pagasse US$ 67 mil a nove vítimas. Em 1992, o governo canadense pagou 100 mil dólares canadenses (cerca de US$ 80 mil na época) a cada uma das 77 vítimas – mas não admitiu culpa.
Ponting não estava entre eles, porque ainda não sabia que era uma vítima, diz ela.
Durante décadas, Ponting disse que sentia que algo estava errado com ela, mas só recentemente tomou conhecimento dos detalhes de seu próprio envolvimento nos experimentos.
Ela diz que tinha pouca lembrança do que aconteceu no Allan, ou nos anos que se seguiram.
Ponting acabou se casando e se mudou para Manitoba, onde teve dois filhos com quem ainda mantém uma relação próxima. Agora, ela é avó de quatro netos. Mas afirma ter sofrido consequências para o resto da vida devido ao tempo que passou no Allan.
“Senti isso a vida toda”, disse ela.
Ela diz que precisou tomar uma combinação de medicamentos a vida toda para lidar com problemas de saúde mental, que ela atribui ao tempo que passou no Allan, bem como a pesadelos recorrentes.
“Às vezes acordo gritando no meio da noite por causa do que aconteceu”, disse ela.
O Hospital Royal Victoria e a Universidade McGill recusaram-se a comentar, pois o processo está correndo na Justiça. O governo fez referêncai à BBC ao acordo judicial anterior, de 1992, que, segundo afirmou, foi celebrado por razões “humanitárias” e não assumiu qualquer responsabilidade legal.
Para Pointing, o processo judicial é uma oportunidade de finalmente obter algum tipo de encerramento.
“Às vezes, sento na minha sala de estar e minha mente volta ao passado, e consigo pensar nas coisas que me aconteceram, sabe?”, diz ela. “Toda vez que vejo uma foto do Dr. Cameron, fico com muita raiva.”
Embora o trabalho de Cameron tenha se tornado sinônimo dos experimentos MK-Ultra, Torbay afirma que sua pesquisa mostra que ele não sabia que estava sendo financiado pela CIA na época. Seu trabalho com a agência de inteligência americana terminou em 1964, e ele morreu pouco depois, de um ataque cardíaco, em 1967.
Mas, independentemente de ele saber ou não a origem do dinheiro, Torbay afirma que ele deveria saber que os experimentos que estava realizando não eram éticos.
Ela diz que espera que o processo judicial prossiga e que as vítimas obtenham algum tipo de justiça.
“Não se trata exatamente de devolver aos pacientes o que eles perderam, porque isso não é possível, mas sim de garantir que o sofrimento deles não tenha sido em vão, que possamos aprender com isso”, diz ela.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


