Ver uma locomotiva, um vagão de cargas ou um carro de passageiros serem resgatados é sinônimo de que houve muita sorte para que esses patrimônios ferroviários não virassem sucata em algum lugar do país.
Há bens ligados às ferrovias, até hoje, que estão abandonados em locais remotos, totalmente vandalizados e “esquecidos” por algum órgão governamental ou mesmo gestoras de ferrovias. Quando são lembrados, é comum serem desmanchados por maçaricos e, literalmente, se transformarem em lixo.
Mas há exemplos de locomotivas ou carros que conseguiram ser preservados, depois de fazerem um autêntico périplo por ferrovias e estados. O passado das ferrovias brasileiras é marcado por companhias quebradas, aquisições, fusões e incorporações pelo governo, o que muitas vezes gerou um limbo em regiões que abrigavam ferrovias ou aceleradas mudanças para locais que ainda tinham trens após a desativação de ramais e linhas-tronco.
Um exemplo é a Fepasa (Ferrovias Paulistas S.A.), que se originou de cinco companhias ferroviárias em dificuldades: Mogiana, Paulista, Sorocabana, Araraquara e São Paulo-Minas.
O carro jardineira que opera hoje no Trem das Águas, entre São Lourenço e Soledade de Minas, em Minas Gerais, é um exemplo.
Construído a partir de um antigo vagão plataforma, já teve outros três destinos antes de abrigar turistas no interior mineiro. Foi utilizado inicialmente na ferrovia turística entre Pedregulho e Rifaina, no interior de São Paulo, mas com a sua desativação ele foi levado para Cruzeiro, no Vale do Paraíba, e operou no Trem da Serra.
Mas o serviço também foi paralisado, e o carro teve como destino Passa Quatro (MG), para operação no Trem da Serra da Mantiqueira. Não ficou lá e foi levado até São Lourenço, onde foi restaurado. Hoje está a serviço do Trem das Águas.
Com uma locomotiva a vapor –a clássica maria-fumaça– que estreou na Leopoldina Railway, a história é ainda mais emblemática. Ela passou por outros oito locais antes de transportar turistas no Trem da Serra da Mantiqueira, incluindo Rio, Minas e São Paulo, atendendo a linhas regulares de passageiros e turísticas.
Ela só tem sua trajetória histórica conhecida porque a ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária), em 2011, encontrou registros da encomenda da maria-fumaça no National Railway Museum, em York (Inglaterra).
Fabricada pela inglesa Beyer Peacock & Co. em 1928, ela era movida a lenha ou carvão e chegou à Baixada Fluminense para operar nos trens expressos entre a estação Barão de Mauá, no Rio, e Vitória.
Era a principal linha da Leopoldina Railway, com 598 quilômetros, de um total que em 1931 ultrapassava 3.000 quilômetros de trilhos.
Porém, uma forte crise atingiu a empresa após a quebra da Bolsa de Nova York (1929), que atingiu fortemente o café, então principal produto exportado pelo Brasil.
Com isso, sofreu transferências para a Rede Mineira de Viação, até ser estacionada em Porto Novo, em Além Paraíba (MG).
Depois, já nos anos 80, foi para Ouro Preto (MG), onde foi utlizada numa rota turística, que não prosperou. Voltou a Porto Novo e, de lá, foi para Miguel Pereira (RJ), onde um problema num tubo condutor de vapor fez com que fosse novamente para Porto Novo.
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De lá, foi para Três Rios (RJ) e, nos anos 1990, para Visconde de Itaboraí (RJ) e Guapimirim (RJ). Uma nova interrupção na operação do trem fez com que ela fosse oferecida à ABPF, onde operou em Cruzeiro, numa rota turística.
Ela ainda foi utilizada no Trem das Águas, até ficar seis anos parada, de 2012 a 2018, para restauro. Fez, então, sua última viagem até aqui, ao ser levada para Passa Quatro (MG), para ser usada no Trem da Serra da Mantiqueira, o que faz até hoje.
Foi o caso, também, de outro carro de passageiros que chegou às mãos da ABPF em 2021 e que estava na fila para ser desmanchado.
Não era antigo como muitos do acervo da associação, mas o vagão produzido em 1965 tem importância histórica por ser o primeiro que chegou à ABPF e que no passado pertenceu à Estrada de Ferro Vitória a Minas.
Só não foi destruído por sorte –é importante. Em 2010, o diretor da ABPF Campinas Helio Gazetta Filho foi ao Espírito Santo conhecer a oficina da Vale –que opera o trem entre Belo Horizonte e Cariacica, no Espírito Santo– e encontrou o carro escanteado, em péssimas condições. Após negociação, eles forem repassados à associação.
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Fonte.:Folha de S.Paulo


