7:29 PM
17 de novembro de 2025

Por que Trump não conseguiu convencer Putin a acabar com a guerra na Ucrânia?

Por que Trump não conseguiu convencer Putin a acabar com a guerra na Ucrânia?

PUBLICIDADE


Uma colagem une imagens: de Trump e Putin diante do mapa da Ucrânia; de um prédio destruído; e da silhueta de um homem com uma metralhadora antiaérea.

    • Author, Liza Fokht
    • Role, Da BBC News Rússia em Berlim

A tensão entre os Estados Unidos e a Rússia aumentou nas últimas semanas. Os EUA impuseram novas sanções às petroleiras russas Rosneft e Lukoil, enquanto o Kremlin testou o míssil de cruzeiro Burevestnik, movido a energia nuclear, e o drone submarino Poseidon.

Ambos os países têm dito que podem retomar testes nucleares. Além das ameaças trocadas, a guerra segue em solo.

É uma guinada notável em um ano que começou com a possibilidade de uma distensão nas relações entre os dois países.

O presidente americano, Donald Trump, chegou à Casa Branca prometendo acabar com a guerra na Ucrânia e “fazer as pazes com Vladimir [Putin, presidente russo]”. A guerra, porém, continua, e EUA e Rússia trocam ameaças em vez de propostas.

Por que a aposta de Trump na diplomacia pessoal com Putin não surtiu efeito até agora?

‘Tenho boas conversas, mas elas não levam a lugar nenhum’

Putin e Trump caminham pelo tapete vermelho, conversando de forma amistosa, com a parte frontal do Air Force One ao fundo.

Crédito, Andrew Harnik / Getty Images

Legenda da foto, Na cúpula de agosto, no estado americano do Alasca, Putin e Trump não conseguiram alcançar um avanço diplomático

No início do segundo mandato de Trump, surgiram pequenos sinais de avanço. Pela primeira vez desde a invasão em larga escala da Rússia na Ucrânia, os governos americano e russo realizaram conversas diretas. Os presidentes falaram regularmente por telefone e se encontraram no Alasca em agosto passado.

Por ora, a simples existência de diálogo é o único resultado concreto que ambos os lados conseguem apresentar.

“O fato de estarmos falando sobre o processo de paz já é uma demonstração de progresso significativo”, diz Andrew Peek, ex-diretor sênior para assuntos europeus e russos no Conselho de Segurança Nacional dos EUA.

“Expor posições, trocá-las — isso é a base de como a diplomacia funciona.”

O presidente dos EUA, Donald Trump, recebe o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, no Salão Oval da Casa Branca, em Washington, em 28 de fevereiro de 2025. Zelensky fala e levanta a mão direita ao gesticular. Trump ergue o dedo enquanto fala ao mesmo tempo que Zelensky.

Crédito, EPA-EFE / REX / Shutterstock

Legenda da foto, ‘Você está brincando com a 3ª Guerra Mundial’, disse Trump a Zelensky

O enviado especial Witkoff

Trump tem apostado fortemente na química pessoal.

Ele designou o enviado especial Steve Witkoff — amigo próximo dos tempos do mercado imobiliário de Nova York — para se reunir com Putin várias vezes. Após cada viagem, ambos os lados declaravam estar mais perto de um entendimento.

Mas a falta de experiência diplomática de Witkoff despertou ceticismo em círculos de política externa.

Dois diplomatas europeus, que falaram sob condição de anonimato, disseram à BBC que Witkoff muitas vezes saía de Moscou convencido, por engano, de que Putin estava pronto para fazer concessões, apenas para a Casa Branca descobrir o contrário.

Witkoff olha para a frente com expressão séria enquanto, atrás dele, manifestantes seguram cartazes com os rostos de israelenses mantidos reféns pelo Hamas em Gaza à época.

Crédito, EPA / Shutterstock

Legenda da foto, Steve Witkoff, enviado especial dos Estados Unidos para o Oriente Médio, no palco durante um ato na chamada Praça dos Reféns, em Tel Aviv, em outubro

Segundo um ex-alto funcionário do Kremlin, que também falou anonimamente à BBC, Witkoff tinha dificuldade para captar as nuances da posição russa e nem sempre apresentava de forma consistente a política dos EUA ao governo russo.

Como resultado, os dois lados frequentemente falavam em sentidos opostos, afirmou essa fonte à BBC. As dificuldades de comunicação ficaram evidentes para todos durante o encontro entre Putin e Trump no Alasca (EUA), em agosto.

Putin fala em um púlpito e aponta com a mão esquerda enquanto Trump está em outro púlpito, à esquerda de Putin, olhando à frente, em Anchorage, no Alasca, em 15 de agosto de 2025. Um painel atrás deles traz a frase “Pursuing peace” (“Buscando a paz”, em tradução livre).

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Putin e Trump falaram apenas com jornalistas e não responderam a perguntas na coletiva de imprensa de agosto, no Alasca

Eu estava entre os centenas de jornalistas na cúpula, que acabou sendo encurtada de forma inesperada, por motivos não esclarecidos.

Mais tarde, quando Trump e Putin surgiram em uma coletiva conjunta, não apresentaram nenhum passo concreto rumo ao fim da guerra.

Jornalistas encaram um palco onde Putin e Trump estão de pé em púlpitos. Duas câmeras em tripés aparecem no primeiro plano, operadas por dois homens. Os demais jornalistas estão sentados, agrupados e próximos uns dos outros.
Legenda da foto, Centenas de jornalistas viajaram para Anchorage para a cúpula de agosto entre Putin e Trump

A ausência de qualquer compromisso, mesmo mínimo, por parte de Putin deixou Trump, anfitrião do encontro, em uma posição difícil. Nem o governo russo nem o americano esclareceram o que ocorreu a portas fechadas, e repórteres tentaram obter informações por meio de contatos anônimos.

Segundo o jornal britânico Financial Times, Trump propôs aliviar sanções e expandir o comércio em troca de um cessar-fogo na Ucrânia. Putin rejeitou a proposta de imediato e exigiu a capitulação da Ucrânia e o controle total de Donbas — dando, segundo o jornal, uma “aula de história” que enfureceu Trump, acrescenta o Financial Times.

Putin e Trump apertam as mãos diante da escada de um avião. Putin levanta a mão esquerda, com o dedo apontado para cima e a boca aberta enquanto fala com Trump. Pessoas aparecem ao fundo, uma delas com medalhas militares. Trump usa casaco escuro e gravata vermelha. Putin veste casaco preto. Ambos usam camisa branca.

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Reportagens afirmaram que Putin e Trump discordaram sobre um acordo de propriedade de terras como parte de um pacto de paz

“Os americanos estavam de fato decepcionados” com a ausência de progressos no Alasca, disse um diplomata europeu à BBC.

Outro diplomata, que falou sob anonimato, afirmou à BBC: “Eles criaram expectativas baseadas em um entendimento equivocado do que a guerra representa para a Rússia”.

Eric Green, que atuou como assessor para a Rússia no Conselho de Segurança Nacional dos EUA durante o governo Biden, disse à BBC: “Houve definitivamente muitos equívocos sobre possíveis trocas e concessões.

Além da questão territorial, havia confusão sobre garantias de segurança, e acredito que alguns integrantes do governo Trump não compreenderam o que Putin queria dizer com o foco nas ‘causas fundamentais’ da guerra.”

A frustração do próprio Trump também era evidente. “Sempre que falo com Vladimir [Putin], tenho boas conversas, mas elas não levam a lugar nenhum”, afirmou em outubro, ao anunciar novas sanções.

Maryna Ponomarenko, 40, funcionária de um jardim de infância, sorri enquanto fica de pé e observa crianças sentadas a uma mesa comendo em tigelas, em 10 de outubro de 2025. Elas estão dentro de um abrigo antiaéreo, e a cabeça de Ponomarenko quase encosta no teto. Recortes de papel multicoloridos em forma de pássaros estão colados nas paredes verde-claras. Ao fundo, uma mulher está sentada com uma menina reclinada em seu colo e outra criança à esquerda puxando o cordão da calça. Desenhos feitos à mão estão pendurados em prendedores fixados a tubulações.

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Crianças ucranianas em abrigo antiaéreo durante um alerta

O que Putin realmente quer?

Em Moscou, a posição oficial mudou pouco nos últimos meses.

Os termos de Putin para encerrar a guerra incluem:

  • Reconhecimento a soberania russa sobre cinco regiões ucranianas;
  • Neutralidade da Ucrânia;
  • Redução do Exército ucraniano;
  • Garantias constitucionais para a língua russa;
  • Suspensão das sanções ocidentais.

A Rússia afirma que só deixará de combater após um acordo político abrangente. A postura é inaceitável para o governo americano e o governo ucraniano, que insistem que o cessar-fogo deve vir primeiro.

Duas militares russas vestindo túnicas verdes adornadas com medalhas tiram fotos enquanto soldados em uniforme de combate verde passam ao fundo, em 7 de maio de 2025. Bandeiras vermelhas e laranja tremulam em mastros acima do grupo.

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Soldados russos que lutaram na Ucrânia participam dos preparativos para um desfile militar em Moscou que marca o aniversário da vitória sobre a Alemanha nazista na 2ª Guerra

Para avançar, diz Peek, ex-membro do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, todos os lados teriam de concordar sobre três pontos:

  • Território;
  • Futuro político da Ucrânia;
  • Arranjos de segurança do país.

Ele afirma que houve quase nenhum avanço em qualquer desses pontos.

Trump inicialmente pareceu aberto a concessões territoriais. Em abril, disse que a “Crimeia continuará russa” e, segundo reportagens da imprensa, sua equipe chegou a avaliar reconhecer a anexação da região pela Rússia em 2014.

Em outubro, em reunião com Zelensky, Trump voltou a sugerir uma “troca territorial”, informou a agência de notícias Reuters.

Trump cumprimenta Zelensky na entrada da Casa Branca e diz algo em tom leve. Zelensky sorri. No primeiro plano, aparece a bandeira dos EUA na frente de um carro.

Crédito, Win McNamee / Getty Images

Legenda da foto, O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, com a ajuda de seus aliados europeus, conseguiu reconstruir a relação com Donald Trump nos últimos meses

A Rússia também sinalizou uma flexibilidade limitada: o ministro das Relações Exteriores da Turquia disse que o governo russo poderia aceitar um acordo ao longo das atuais linhas de frente em partes do sul da Ucrânia.

No entanto, ele também afirmou que a Rússia ainda exige controle total da região de Donbas, rica em minerais que o país invadiu parcialmente.

O governo russo disse que não discutiria detalhes das negociações em andamento, incluindo questões territoriais.

Um soldado olha para fora de um tanque cinza em uma área de floresta. As árvores estão sem folhas porque é inverno, e o céu está cinza. A torre do canhão aponta para a câmera. Soldados ucranianos se preparam para disparar um projétil de um sistema de morteiro autopropelido 2C23 Nona-SVK na linha de frente, usando um tanque capturado de tropas russas em uma batalha em Husarivka, em março de 2022. A foto foi feita em 4 de novembro de 2022, na região leste de Donbas, em Bakhmut.

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Soldado ucraniano se prepara para disparar morteiros de um tanque russo capturado durante a retomada de território no Donbas

Mas diplomatas insistem que o controle de terras ucranianas não é o ponto mais complicado em jogo.

Um alto funcionário europeu disse à BBC que Trump, por sua experiência no setor imobiliário, acreditava ser possível firmar um “acordo imobiliário” com a Rússia. “Para Putin, porém, não se trata de território e sim de soberania sobre a Ucrânia”, diz.

Isso significa controlar a orientação política do governo ucraniano e suas capacidades militares. O governo russo insiste no que chama de neutralidade ucraniana e em uma redução drástica das Forças Armadas do país.

O governo ucraniano exige garantias de segurança firmes dos EUA e da Otan.

“A Rússia mostra zero flexibilidade nas garantias de segurança, em 2022 e agora”, diz Peek, ex-membro do Conselho de Segurança Nacional dos EUA. “A diferença aí é muito maior do que em relação aos territórios.”

Socorristas ucranianos atuam no local onde bombas planadoras russas atingiram Kharkiv, no nordeste da Ucrânia, em 24 de outubro de 2025, em meio à invasão russa em curso. Pelo menos oito pessoas ficaram feridas após ataques russos ao distrito Industrial de Kharkiv, segundo o chefe da Administração Militar local, Oleg Synegubov.

Crédito, EPA / Shutterstock

Legenda da foto, Socorristas apagam incêndio após ataque aéreo russo em Kharkiv, no nordeste da Ucrânia, em outubro

‘Ganhando tempo’

A tentativa fracassada de organizar uma cúpula em Budapeste (Hungria) neste outono (hemisfério Norte) evidencia o impasse.

Após um telefonema em meados de outubro, Trump e Putin encarregaram o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, de preparar as negociações. Eles conversaram uma vez, mas nenhuma reunião se concretizou.

Lavrov aparece de costas para a câmera; Rubio fala com ele, tocando seu ombro. O secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, está atrás deles diante de um painel com a frase “Pursuing peace” (“Buscando a paz”, em tradução livre), em Anchorage, no Alasca, em 15 de agosto de 2025.

Crédito, Mohd Rasfan / AFP / Getty Images

Legenda da foto, Rússia e EUA ainda não concordaram sobre outra reunião entre os chanceleres Sergey Lavrov (de costas) e Marco Rubio

Segundo a agência de notícias Bloomberg, Rubio concluiu que a posição do governo russo não havia mudado. Já o jornal britânico Financial Times informou que a Rússia enviou um memorando repetindo suas amplas exigências, gesto que frustrou ainda mais autoridades dos EUA.

Rubio disse a jornalistas (12/11): “Não podemos continuar realizando reuniões apenas por realizar”.

No dia seguinte, Lavrov classificou como “falsificações descaradas” as alegações de que a Rússia não estaria disposta a negociar. Disse que o governo russo permanecia preparada para um segundo encontro entre Trump e Putin, desde que baseado nos “resultados bem trabalhados da cúpula do Alasca”.

Enquanto isso, a Ucrânia e seus aliados europeus trabalharam intensamente para reconstruir a comunicação com Trump. No início do mandato, ele parecia determinado a negociar diretamente com Putin, deixando o governo ucraniano de lado, uma perspectiva que alarmou tanto a Ucrânia quanto a Europa.

Desde então, Trump moderou o tom em relação à Ucrânia.

Ao contrário da Rússia, a Ucrânia demonstrou certo grau de flexibilidade com o governo americano, acolhendo propostas dos EUA para um cessar-fogo e eventuais negociações com o governo russo.

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, aparece de frente para Rubio, com a mão estendida em sua direção, durante a 15ª Reunião de Chanceleres da Cúpula da Ásia Oriental, no Centro de Convenções da capital malaia, Kuala Lumpur, em 11 de julho de 2025. Outros delegados estão sentados ao fundo.

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Rubio disse ter expressado a frustração dos Estados Unidos com a falta de avanços para encerrar a guerra na Ucrânia, ao se encontrar com o chanceler russo, Sergei Lavrov, na Malásia, em julho

Para o governo ucraniano e seus aliados, o objetivo era simples: convencer Trump de que ceder a Putin prejudicaria a segurança europeia e a dos EUA.

“Sabíamos que ele acabaria percebendo que a Rússia não negociaria de boa-fé”, disse um diplomata europeu à BBC. “Nossa tarefa era ganhar tempo, e funcionou.”

O governo russo culpa a Europa. “Os europeus não estão dormindo, estão torcendo o braço desta administração”, afirmou Lavrov, criticando o que chamou de “mudança radical” na posição dos EUA.

Três meses após a cúpula do Alasca, o Kremlin e a Casa Branca não mostram sinais de aproximação.

Uma plataforma de perfuração no campo petrolífero de Imilorskoye, ao amanhecer, nos arredores da cidade siberiana de Kogalym, na Rússia.

Crédito, Reuters

Legenda da foto, EUA impõem sanções pesadas à indústria petrolífera da Rússia

Em outubro, o governo americano impôs o primeiro grande pacote de sanções contra a Rússia do governo Trump, mirando as maiores petrolíferas do país.

“Tudo o que fazemos vai levar Putin à mesa”, disse o secretário do Tesouro, Scott Bessent, à CBS, parceira da BBC.

Putin descartou a medida, chamando as sanções de “prejudiciais às relações bilaterais”, mas insistiu que a Rússia “não mudará de política sob pressão”. Dias depois, o governo russo testou um míssil com capacidade nuclear, sinal de que o diálogo dá lugar a uma nova rodada de demonstração de força.

Edição de Andrew Webb, BBC World Service



Fonte.:BBC NEWS BRASIL

Leia mais

Rolar para cima