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18 de novembro de 2025

Pai e PMs pressionam escola por trabalho sobre orixás – 18/11/2025 – Cotidiano

Pai e PMs pressionam escola por trabalho sobre orixás – 18/11/2025 – Cotidiano

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Uma atividade coletiva sobre o livro “Ciranda de Aruanda“, que representa a mitologia dos orixás na cultura afro-brasileira, provocou a ira do pai de uma aluna de 4 anos na Emei (Escola Municipal de Ensino Infantil) Antônio Bento, no Caxingui, zona oeste de São Paulo, na última semana.

No trabalho, as crianças precisaram desenhar um dos orixás retratados no livro, como parte do ensino antirracista da rede municipal de ensino e também para marcar o Dia da Consciência Negra, celebrado na quinta-feira (20). O pai, que é evangélico e, segundo moradores do bairro, sargento da Polícia Militar, não aceitou a atividade e voltou no dia seguinte com outros policiais para pressionar a escola.

Segundo relato da diretora, Aline Aparecida Floriano Nogueira, no boletim de ocorrência, ao qual a Folha teve acesso, o pai entrou na escola na terça-feira (11) para buscar a filha e saiu com ela. Depois, voltou sozinho e se dirigiu à professora da turma com o dedo indicador apontando para o rosto dela e dizendo: “Tem coisas que eu não gosto, vocês estão incluindo umbanda na vida da minha filha, eu não aceito”, segundo o relato.

A diretora continua dizendo que após a declaração, na frente de outras crianças, o pai rasgou uma parte da atividade na qual estava o desenho da filha. Naquele momento, ela disse ter se dirigido até ele e explicado que o trabalho fazia parte da proposta pedagógica, que não se tratava de ensino religioso e que ele não poderia agir daquela maneira.

De acordo com um representante do conselho escolar, o pai chegou a falar para a diretora: “Vou te ensinar como você vai ter de fazer seu trabalho”. Ela respondeu que trabalharia conforme a legislação, apresentando a ele o caderno de educação antirracista.

A diretora disse ter pedido para ele formalizar a reclamação em uma carta, que seria apresentada em uma reunião do conselho escolar no dia seguinte. Mas ele não fez a carta nem apareceu na reunião.

No lugar dele, quatro policiais militares chegaram à escola no dia seguinte com armas em punho, um deles com uma metralhadora, e começaram a questionar a diretora sobre o episódio, falando que receberam denúncia de que a escola estaria forçando a criança no ensino religioso.

Ela, então, disse ter conversado com o pai no dia anterior e explicado a situação. Mesmo assim, em outro relato feito para grupo nas redes sociais, Aline Nogueira afirmou que continuou sendo coagida pelos policiais.

Para tentar uma solução, ela pediu para uma funcionária chamar uma supervisora na Delegacia de Ensino, que falou para a escola acionar também a GCM (Guarda Civil Metropolitana) e assumiu a discussão. Os PMs só deixaram a escola mais de uma hora depois da chegada. Na saída, conversaram com o pai da aluna, que estava do lado de fora.

Em nota de repúdio ao caso em seu site, o Sinpeem (Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo) declarou que a diretora chegou a passar mal e foi acompanhada pelos funcionários e pelos pais que lá se encontravam para a reunião do conselho.

Na quinta-feira (13), o homem voltou à escola com a filha e a levou até a sala de aula, o que não é permitido. Normalmente, os pais ficam no portão e os alunos entram sozinhos. Vendo a situação, um membro do conselho também entrou, segundo ele, para proteger a professora, que ficou muito nervosa com a presença.

Em nota à reportagem, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) informou que a PM vai apurar a conduta dos policiais envolvidos no episódio.

“A Polícia Militar instaurou apuração sobre a conduta da equipe que atendeu à ocorrência, inclusive com a análise das imagens das câmeras corporais dos policiais. A professora da unidade de ensino registrou boletim de ocorrência por ameaça contra o pai da estudante, sendo devidamente orientada sobre o prazo legal para representação criminal”, disse a pasta da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Também em nota, a Secretaria Municipal de Educação disse apenas que o pai recebeu esclarecimentos sobre o trabalho pedagógico.

“A atividade faz parte de propostas pedagógicas da escola, que tornam obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena dentro do currículo da cidade de São Paulo”, destacou a secretaria da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

A reportagem tentou localizar o pai envolvido, mas não conseguiu contato.

O Sinpeem também destacou que a escola possui respaldo pedagógico e legal para tratar conteúdos relacionados à cultura afro-brasileira.

“É inaceitável que uma ação dessa natureza seja tratada como irregular e muito menos que provoque a presença de força policial armada dentro de um espaço destinado ao cuidado e à formação de crianças pequenas”, disse a nota assinada pelo presidente Claudio Fonseca.

A Quatro Cantos, editora do livro, também se pronunciou: “Nunca ouvimos falar que algum pai tenha se oposto ao estudo da mitologia grega, ou ao estudo do cristianismo ou protestantismo. O preconceito é direcionado para religiões de origem africana, e isso tem nome: racismo religioso. Por sorte a lei 10.639/03 segue respaldando escolas e educadores para que essa luta continue. Axé!”, sobre a norma federal que institui o ensino de história e cultura afro-brasileira.

Os pais de alunos e moradores do bairro programaram um ato em frente à escola no próximo dia 25, às 15h, “para defender a escola, a educação municipal e as práticas da educação antirracista”.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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