
Crédito, Cortesía de Narciso Barranco
- Author, Leire Ventas
- Role, Correspondente da BBC News Mundo em Los Angeles
- X, @leire_ventas
Como um bom pai, Narciso Barranco tratou de transmitir aos três filhos valores como ajudar o próximo, trabalhar duro e manter uma reputação impecável.
Também ressaltou a importância de agradecer aos Estados Unidos, país que o acolheu quando chegou do México, sem documentos, há três décadas.
Com o passar do tempo, os irmãos Barranco ingressaram no Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, motivo de orgulho para a família.
“Tenho orgulho deles, mas imagine: meus meninos, que serviram ao país, que têm estado dispostos a dar a vida por ele, e eu jogado no chão. Como você acha que me sinto?”, questiona Barranco em entrevista à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).
As imagens da detenção, em que aparece sendo imobilizado, agredido e mantido no chão por agentes mascarados, viralizaram e geraram indignação.
O Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês) afirma que Barranco ergueu a roçadeira contra um agente da Agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP, na sigla em inglês), tentou fugir e resistiu às ordens, além de se recusar a se identificar.
A família diz que Barranco apenas estava assustado e queria se afastar, sem intenção de ferir ninguém.

Crédito, Orange County Register via Getty Images
Barranco lembra que, enquanto era colocado no veículo, disse que não tinha antecedentes criminais, que sempre tinha trabalhado, e mencionou os filhos fuzileiros navais e a esposa americana.
Liberado em 15 de julho, após pagar fiança, depois de passar 24 dias detido, o homem de 48 anos encara o futuro com incerteza e teme ser deportado.
De Morelos à Califórnia
Narciso nasceu em 2 de fevereiro de 1977 em Tlacotepec, no Estado mexicano de Morelos — “um povoado tranquilo, rural, onde se planta milho, feijão e tomate, e onde se aprende a ganhar a vida e o respeito” — e logo percebeu que um futuro melhor exigia migrar para o norte.
Perto de completar 18 anos, cruzou a fronteira de Sonora para o Arizona, entrando de forma irregular nos EUA.
“Passei um tempo em Las Vegas, trabalhando na construção civil, mas como tinha muito tempo livre e fazia um calor forte, decidi ir para a Califórnia”, contou à BBC News Mundo.
Ali, começou a realizar diversos trabalhos. “Eu ficava nas esquinas oferecendo meu serviço, porque não conhecia ninguém. Comecei em construção civil e fiz de tudo: lavei pratos, limpei banheiros. Nunca tive medo de trabalhar.”
Ele afirma que não pretendia se estabelecer nos EUA.
“Mas conheci a mãe dos meus filhos, os meninos nasceram… Por que eu os levaria para o México? Eles tiveram o privilégio de crescer aqui e não vir como eu, para passar por dificuldades”, diz.

Crédito, Mario Tama/Getty Images
Os filhos cresceram como muitas crianças de imigrantes: conscientes de suas raízes, mas plenamente integrados à sociedade americana.
Já no Corpo de Fuzileiros Navais, o filho mais velho, Alejandro Barranco, hoje com 25 anos, foi treinado como engenheiro de combate e enviado ao Afeganistão para atuar na retirada das tropas americanas do país. Atualmente, é um veterano do Exército.
O segundo, José Luis Barranco, de 23 anos, concluiu o serviço militar em agosto, enquanto o caçula, Emanuel Barranco, de 21 anos, segue na ativa na Base Camp Pendleton, perto de San Diego (EUA).
Qualquer um dos três poderia ter patrocinado a residência permanente, ou o green card do pai, mas o tempo e o custo do processo desmotivaram a família.
“Claro que pensamos nisso”, diz Barranco à BBC News Mundo, após alguns segundos de silêncio. “Mas quando precisa decidir se come ou não, com o salário que a gente ganha… Não consegui me legalizar.”
Divorciado da mãe dos filhos, Barranco conheceu Marta Hernández no depósito onde guardava ferramentas de jardinagem e ela armazenava seus móveis durante a mudança. Ele se ofereceu para ajudá-la a carregar um colchão e deixou seu contato.
Duas semanas depois, ela telefonou. Ele ajudou na mudança, ela o convidou para casa, ele chamou para sair, apresentaram as famílias, e se casaram em fevereiro de 2023.

Crédito, Los Angeles Times via Getty Images
Enquanto isso, Barranco progredia profissionalmente.
Desde 2002, trabalhava em uma grande empresa de jardinagem e, nos últimos anos, passou a fazer serviços de paisagismo por conta própria.
“Fui abrindo o caminho e faltava pouco para me tornar independente”, diz. “Um ano, calculo.”
Mas, em 21 de junho deste ano, seus planos foram interrompidos.
O dia que tudo mudou
Em sua casa em Tustin, a cerca de 56 km ao sul de Los Angeles, Barranco começou aquele sábado como outro qualquer, às 4h. Tinha serviços em dois restaurantes e sete casas.
Após concluir o primeiro trabalho em Coronado, voltou para deixar com a esposa um queijo que havia comprado e retomou o trajeto.
Quando chegou ao centro comercial de Santa Ana, no condado de Orange, onde cortaria a grama em frente a uma unidade da IHOP, não prestou atenção à loja Home Depot do outro lado do estacionamento.
Em frente às lojas da rede, é comum que trabalhadores diaristas — muitos indocumentados — esperem por contratação.
E desde o início do ano, esse grupo se tornou alvo de operações migratórias ordenadas pelo governo Donald Trump em várias cidades.
A medida gerou confronto com o governo estadual. As ações migratórias aumentaram e se espalharam por áreas urbanas, suburbanas e rurais.

Crédito, Genaro Molina/Los Angeles Times vía Getty Images
Mesmo ciente dos riscos que corria por não ter documentos, Barranco seguiu o trabalho, arrancando ervas daninhas e podando arbustos.
Foi então que notou uma caminhonete chegando.
“Quando vi que desceram pessoas mascaradas, uma, duas, três, o medo tomou conta”, diz.
Vídeos feitos por testemunhas e divulgados nas redes não mostram toda a sequência. A memória de Barranco também é fragmentada. “É um dia muito triste de lembrar.”
Ele recorda apenas que temeu perder as ferramentas — o cortador de grama, o soprador de folhas e a roçadeira — que ficaram na caminhonete Ford F-150.
Imobilizado e algemado, foi colocado em um veículo sem identificação e levado ao Centro Metropolitano de Detenção, em Los Angeles.
Permaneceu ali durante dias — “sem nenhum tipo de higiene” — antes de ser transferido ao centro de processamento do Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas (ICE, na sigla em inglês), a 80 km, em Adelanto.
Reações e liberdade sob fiança
“Nunca o ouvi tão derrotado”, disse o filho Alejandro Barranco ao canal ABC, depois de descobrir que o pai estava detido em Los Angeles.
O senador pela Califórnia Alex Padilla e o deputado Lou Correa, representante de Santa Ana e áreas hispânicas do condado de Orange, atuaram para ajudar a localizar Barranco.
“Ele está há 25 anos no país, nunca levou nem multa de trânsito, tem três filhos fuzileiros navais, que juraram defender este país, e este é o tratamento recebido. É muito triste”, afirmou Correa à NBC Los Angeles.
A essa altura, as reações já se multiplicavam.
A prefeita de Santa Ana, Valerie Amezcua (que atua como política independente), publicou um vídeo nas redes classificando a abordagem como “pouco profissional” e “errada em muitos sentidos”.
O caso também repercutiu no México. Durante a coletiva, a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, chamou o episódio de “injustiça imperdoável” e afirmou que o país manterá uma política firme em defesa dos cidadãos mexicanos migrantes.
“Eles contribuíram toda a vida para os EUA. Cuidaram de jardins, construíram cidades, colocaram comida nas mesas, com dignidade. São heróis e heroínas. Não permitiremos que sejam tratados como criminosos”, disse Sheinbaum.

Crédito, Mario Tama/Getty Images
A família recebeu mensagens de apoio de desconhecidos, e a Rede de Resposta Rápida do condado de Orange realizou vigília e uma marcha pacífica contra as operações migratórias.
Por sua vez, o DHS divulgou um vídeo de sete segundos nas redes sociais que mostra Barranco com a roçadeira enquanto policiais o atingiam com spray de pimenta.
Ao ser contatada pela BBC News Mundo, o órgão insistiu que Barranco ergueu a ferramenta diante de um policial, fugiu atravessando cruzamento movimentado, voltou a levantá-la e se recusou a cumprir ordens e a se identificar.
“Os agentes tomaram as medidas adequadas e seguiram o treinamento, usando força mínima necessária para preservar a segurança pública e a deles”, diz comunicado enviado à reportagem e atribuído à subsecretária Tricia McLaughlin.
Dias depois, no centro de Adelanto, administrado pelo ICE e pela empresa GEO Group, empresa privada de administração prisional com sede na Flórida, Barranco passava a maior parte do tempo em um pavilhão com cerca de 170 detidos, tentando manter o ânimo.
Enquanto o filho mais velho dava entrevistas à mídia, a família arrecadava doações por meio da plataforma GoFundMe para contratar um advogado que o tirasse de lá e o representasse em seu processo de regularização.

Crédito, Getty Images
Com a ajuda de Lisa Ramírez, sócia-fundadora do US Immigration Law Group, Barranco deixou o centro em 15 de julho, sob fiança.
“Foi um dia bonito e triste. Abracei minha família, algo que não sabia se aconteceria de novo, mas com sentimentos mistos.”
Ele reconheceu que, apesar do sofrimento, saiu “abençoado” perto de quem passa meses e é deportado.
A advogada pediu ainda uma permanência no local, que dá um ano de status legal, proteção contra deportação e autorização de trabalho.
“Mas a parte mais valiosa do parole-in-place é que, por dar um status legal, isso permitiria depois solicitar o ajuste para residência permanente”, diz Ramírez à BBC News Mundo.
Até hoje, não houve resposta ao pedido. Nem confirmação de recebimento.
“Em nosso escritório buscamos todas as defesas e formas de recurso disponíveis”, afirma a advogada Ramírez, dizendo que há outras possibilidades legais.
Vida em suspenso
À espera da próxima audiência, prevista para janeiro, Barranco tenta manter esperança enquanto cumpre obrigações migratórias.
Ele quase não sai de casa e, sem autorização para trabalhar, estuda inglês online por duas horas pela manhã e depois cuida da horta, dos animais e das tarefas domésticas.
“Gosto de preparar a comida da minha esposa, que sai para trabalhar, e esperar para almoçar juntos, para aproveitarmos o tempo que temos. Depois de tudo, você aprende a valorizar mais as coisas”, diz.
Embora não use mais a tornozeleira colocada antes de deixar o centro em Adelanto, ele continua sujeito ao monitoramento do Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas, o que ainda o assusta.
“É uma situação difícil, mas tenho fé no trabalho da minha advogada.”
Questionado se fez planos para o pior cenário, uma deportação para o México, ele confirma: “Já conversei com minha esposa e temos um plano. Espero não precisar.”
“Se Deus quiser, vou ter chance de ficar. Se não, vou embora arrasado por não ver meus filhos, mas orgulhoso deles e de cabeça erguida, sabendo que não fiz nada de errado.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


