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- Author, Leandro Prazeres
- Role, Enviado da BBC News Brasil à Belém
A aposta tem um nome comprido, Fundo Florestas Tropicais para Sempre, mas vem sendo chamado pelo governo pela sua sigla em inglês: TFFF, que significa Tropical Forests Fund Facility.
O fundo foi lançado antes da abertura da COP30, em 7 de novembro, ao final da Cúpula do Clima, que reuniu chefes de Estado também na capital paraense.
Segundo o governo, o TFFF vai receber aportes de governos, organizações filantrópicas e investidores privados que serão investidos em títulos de renda fixa.
Parte do lucro do fundo será destinada aos investidores e outra será dada aos países com que aderirem ao TFFF e que comprovaram que estão preservando suas florestas tropicais.
O cálculo do governo é que, a partir do momento em que o fundo esteja operacional e gerando rendimentos, sejam repassados aos países US$ 4 (cerca de R$ 21) por hectare de floresta preservada por ano.
Desse total, as regras do TFFF estabelecem que pelo menos 20% dos recursos recebidos sejam destinados a povos originários ou a projetos que os beneficiem.
Para receber os recursos do fundo, um país não precisa ter investido nele. Basta manifestar seu desejo de participar do TFFF e cumprir requisitos como comprovar a preservação das florestas com base em dados de satélite e criar mecanismos de governança que garantam que parte dos recursos recebidos seja direcionado a populações tradicionais, como povos indígenas ou quilombolas.
O diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Garo Batmanian, diz à BBC News Brasil que o TFFF tem algumas diferenças em relação à maior parte dos fundos criados nos últimos 15 anos com foco na preservação de florestas.
“A primeira diferença é que não é um fundo para receber doações. É um fundo de investimentos”, afirma Batmanian.
O paralelo mais imediato feito por Batmanian é com o Fundo Amazônia, criado pelo governo brasileiro em 2008 e que funciona à base de doações. Neste modelo, os países doam a fundo perdido, e os recursos são usados pelo governo para financiar políticas públicas ou projetos voltados à preservação da floresta. A continuidade do fundo depende de novas doações.
No TFFF, os aportes formam um montante que é aplicado para gerar mais recursos. Os investidores receberão os juros sobre seus aportes, o que, em tese, serviria para atrair países para a iniciativa.
Segundo a nota conceitual do fundo, documento que indica como ele funcionará, a meta é que, em dez anos, o TFFF possa funcionar sem a necessidade dos investimentos feitos pelos países.
A expectativa é de que até lá, o fundo terá gerado recursos suficientes para reembolsar esses aportes governamentais e funcionar sem a necessidade de novos investimentos. A previsão é que após o reembolso, os países deixem o fundo.
“Não temos nada contra doações, mas esse dinheiro sai do bolso do pagador de impostos, e isso gera situações em que os governos podem, eventualmente, diminuir suas contribuições. O TFFF é uma forma de garantir estabilidade no financiamento de projetos para manter a floresta em pé”, diz Batmanian.
O fundo foi elogiado por parte de diversas organizações não governamentais ambientalistas como Greenpeace Brasil e World Wide Fund for Nature (WWF).
“O TFFF é um divisor de águas: ele recompensa os países por manterem suas florestas em pé. Ele canaliza recursos diretamente para os povos indígenas e comunidades locais, os verdadeiros guardiões de nossas florestas”, disse o WWF em nota.
O Greenpeace Brasil classificou o mecanismo como “um passo importante rumo ao fim do desmatamento global”.
Mas, apesar dos elogios, a iniciativa deverá enfrentar obstáculos para se consolidar.

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O primeiro obstáculo é atrair investidores e atingir as metas desenhadas por seus criadores. O objetivo é arrecadar US$ 25 bilhões (R$ 132,7 bilhões) junto a países do mundo todo.
Com base nesses recursos, o fundo faria uma operação de captação de recursos junto ao mercado para arrecadar mais US$ 100 bilhões (R$ 530,9 bilhões), totalizando US$ 125 bilhões (R$ 663,6 bilhões).
Essa operação visa atrair investidores privados como empresas, fundos de investimento e entidades filantrópicas. A ideia é que eles façam novos investimentos no fundo e passem a ser remunerados com os juros obtidos por ele assim como os países.
A meta é que, com essa arquitetura, o TFFF não dependa somente de investimentos feitos por governos nacionais.
Antes do lançamento oficial, em 3 de novembro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), disse que a meta inicial era que o TFFF recebesse, até o final de 2026, US$ 10 bilhões (R$ 53,1 bilhões) em aportes de países estrangeiros. Esse montante permitira, segundo o governo brasileiro, que o fundo começasse a operar.
Até agora, no entanto, os anúncios de investimento somam US$ 5,5 bilhões (R$29,2 bilhões). Os países que indicaram aportes no fundo foram: Brasil (US$ 1 bilhão), Indonésia (US$ 1 bilhão), França (US$ 577 milhões), Noruega (US$ 3 bilhões) e Portugal (US$ 1 bilhão).
Os recursos, porém, ainda não entraram nos cofres do fundo. Isso porque países como a Noruega, maior investidor até o momento, impuseram condições para que concretizar o investimento. Uma delas é que o aporte dos noruegueses não supere 20% do total captado. Na prática, isso gera ainda mais pressão para que o TFFF obtenha mais recursos de mais países.
Os investimentos anunciados pelo Brasil e pela Indonésia só deverão se concretizar no ano que vem porque os dois países ainda estão elaborando seus orçamentos para o ano que vem e, só depois de aprová-los com a previsão destes aportes, é que poderão aplicar de fato o dinheiro prometido no fundo.
Nações como a Alemanha e o Reino Unido, que participaram das discussões sobre o desenho do fundo, deram indicações a membros do governo brasileiro de que poderiam anunciar aportes durante a COP30, mas isso ainda não ocorreu. Há expectativa, verbalizada em caráter reservado por integrantes da delegação alemã, de que o país europeu anuncie a entrada no TFFF nesta quarta-feira (18/11).
O possível anúncio, se concretizado, acontecerá dois dias após o chanceler alemão, Friedrich Merz, ter gerado reações negativas nas redes sociais brasileiras após ressaltar, em discurso, que Alemanha era um país bonito e que os jornalistas de seu país que vieram a Belém estariam felizes ao voltarem para casa.
Segundo Batmanian, um dos motivos para o recuo nas doações de alguns países pode ter relação com o processo de votação dos orçamentos nestes países.
“Eles ainda precisam votar os seus orçamentos. Talvez tenhamos que esperar eles aprovarem os seus orçamentos para ver quanto recursos eles terão disponíveis. Há conjunturas políticas internas que precisam ser consideradas”, diz ele.
Apesar da ponderação de Batmanian, a hesitação de alguns países em anunciar aportes no fundo levantou dúvidas sobre a capacidade do mecanismo de atrair novos investidores.
No dia do lançamento, ainda sob a promessa alemã de aporte na COP30, Haddad defendeu que o montante arrecadado indicaria que o projeto é um sucesso. “Estamos saindo do dia bastante animados”, disse o ministro em entrevista coletiva.
Agora, o governo brasileiro tem usado um tom mais cauteloso.
Uma reportagem do portal UOL apontou que um dos motivos pelos quais os alemães teriam ficado de fora seria a análise de que o mecanismo foi considerado “arriscado” pelos técnicos do país.
Garo Batmanian tenta minimizar a suposta desconfiança: “Eles não nos disseram que o modelo não é bom. Há questões de política interna que precisam ser consideradas. O que temos é que os alemães prometeram que fariam um aporte, e estamos aguardando isso se concretizar”.
Batmanian diz não ser realista esperar que um fundo atinja seu objetivo de recursos captados tão rapidamente.
“Em geral, os fundos ficam abertos por meses até atingir a sua meta de capitalização. Nós acabamos de lançar o fundo e tivemos uma recepção bastante boa e vamos ficar abertos durante algum tempo para atingir nossa meta.”
Resistências e amadurecimento
Um segundo obstáculo é a resistência de alguns movimentos sociais em relação ao TFFF.
Segundo eles, o mecanismo não aborda ameaças estruturais à sobrevivência das florestas, como o avanço predatório da agricultura, mineração e a exploração de petróleo.
Também há o temor de que adotar a lógica do mercado financeiro para salvar a floresta possa agravar ainda mais a situação tanto das florestas quanto dos povos que vivem nelas.
“O TFFF é um mecanismo para privatização financeira das florestas”, diz uma nota assinada por 102 organizações não governamentais, entre elas a Rede de Trabalho Amazônica, que reúne movimentos sociais dos nove Estados da Amazônia brasileira.
“O TFFF não prioriza os povos indígenas e as populações locais e nem estabelece equidade de gênero ou intergeracional na sua alocação de recursos. Oitenta por cento dos US$ 4 por hectare [que serão destinados aos países com florestas] irão para os governos nacionais. Somente 20% vão para aqueles que de fato defendem e preservam as florestas tropicais.”
À BBC News Brasil, Batmanian rebate as críticas: “A gente precisa de dinheiro para fazer conservação. O dinheiro vai vir de onde? Não estamos vendendo florestas”.
Batmanian afirma que os países que aderirem ao fundo terão que atender a critérios e padrões de governança que garantam, por exemplo, que os recursos destinados aos povos indígenas não sejam aplicados em outras áreas.
A diretora para Políticas Públicas da organização não governamental The Nature Conservancy (TNC), Karen Oliveira, reconheceu, em um posicionamento público sobre o TFFF, que o mecanismo é um “modelo inovador” e que pode representar avanços em como se combate o desmatamento de florestas tropicais.
Mas ela indica pontos que merecem atenção. “Como o fundo opera com lógica de mercado, está sujeito a flutuações e instabilidades econômicas globais, o que pode comprometer sua sustentabilidade”, diz Oliveira.
“Por transformar a floresta em pé em um ativo financeiro, é fundamental ter atenção para evitar uma excessiva valoração comercial dos serviços ecossistêmicos sem considerar adequadamente os aspectos sociais e culturais das comunidades locais.”

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O xadrez do financiamento
Uma das preocupações expressada por dois negociadores de países em desenvolvimento ouvidos pela BBC News Brasil em caráter reservado é que o TFFF não seja “sequestrado” pelos países desenvolvidos e usado para diluir o pleito das nações mais pobres por mais financiamento de projetos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Eles temem que os países desenvolvidos incluam uma eventual adesão a mecanismos como o TFFF na contabilidade dos recursos que, por força do Acordo de Paris, deveriam repassar aos países em desenvolvimento.
Na interpretação destes negociadores, como o TFFF prevê retorno financeiro aos seus investidores, ele não poderia ser contabilizado como recurso previsto dentro do Acordo de Paris.
O Acordo prevê que os países desenvolvidos devem prover recursos para os em desenvolvimento se adaptarem e mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Há um debate, no entanto, sobre qual a fatia desses recursos deve ser de origem pública e quanto deve ser privada e como contabilizá-los.
Na COP29, no Azerbaijão, os países em desenvolvimento pressionaram para que a fatia de financiamento saísse de US$ 100 bilhões até 2035 para US$ 1,3 bilhão.
Após intensos debates, chegou-se a um acordo que previa elevar esse valor a US$ 300 bilhões em 2035, com um compromisso de que, até a COP30, fosse apresentado um mapa do caminho apontando medidas para se chegar a US$ 1,3 trilhão. O mapa foi entregue no início do mês.
Batmanian diz que o TFFF não deve ser encarado como uma solução ao debate sobre financiamento climático que está sendo feito durante a COP30.
“O TFFF é um mecanismo que se soma a outros que já existem. Ele não vem para substituir nada. Ele é mais um item em um menu de opções que temos para preservar as florestas tropicais.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


