
Crédito, AGU
- Author, Luiz Fernando Toledo
- Role, Da BBC News Brasil em Londres
Jorge Rodrigo Araújo Messias tem 45 anos, é graduado em Direito e tem mestrado e doutorado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pela Universidade de Brasília.
O nome ainda tem que ser aprovado na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado e depois pelo plenário do Casa, onde precisará da maioria absoluta dos votos.
Em um texto nas redes sociais, Messias agradeceu a indicação, dizendo ter recebido-a “com honra”.
“Agradeço a confiança em meu nome e acolho com afeto todas as orações e manifestações de apoio recebidas. Uma vez aprovado pelo Senado, comprometo-me a retribuir essa confiança com dedicação, integridade e zelo institucional”, escreveu o indicado.
Messias é procurador da Fazenda Nacional desde 2007 e ocupou diversos cargos em gestões petistas, como subchefe para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, secretário de regulação e supervisão da educação superior do Ministério da Educação e consultor jurídico dos ministérios da Educação e da Ciência.
Quando a presidente Dilma Rousseff sofreu impeachment, em 2016, Jorge Messias entendeu que se tratava de uma “dolorosa derrota” de um projeto político, conforme escreveu em sua tese de doutorado.
Ele avaliou no texto que os mandatos petistas, entre 2003 e 2016, tinham sido “um templo de planos generosos”, mas cuja “fantasia logo seria desfeita”.
O trabalho, apresentado no ano passado na UnB (Universidade de Brasília), é centrado no papel da instituição por ele dirigida, a Advocacia-Geral da União (AGU).
O título do trabalho é “O Centro do Governo e a AGU: estratégias de desenvolvimento do Brasil na sociedade de risco global”, e busca responder à pergunta como o núcleo do governo e a Advocacia-Geral da União “podem contribuir para a implementação de uma estratégia de desenvolvimento moderna, centrada não apenas na convergência econômica, mas também no enfrentamento e adaptação aos riscos globais”. Veja mais detalhes aqui.
Segundo fontes ouvidas pela BBC News Brasil, Messias é alguém de perfil técnico, mas que soube transitar no mundo político desde cedo.
“Quem vive em Brasília sabe que existe um abismo gigantesco entre o mundo político e o dos concursados, mesmo trabalhando ao lado deles. Existem rituais muito particulares de cada um”, diz um servidor que já trabalhou com ele.
“O Messias faz bem esse trânsito de quem chega em Brasília pela burocracia, mas entra para o mundo da política”, diz outro servidor.
Foi em um desses cargos que Messias ganhou projeção nacional, justamente em uma situação que envolvia Lula e a ex-presidente Dilma.
No dia 16 de março de 2016, o então juiz federal Sérgio Moro, responsável por julgar os casos da Lava Jato na primeira instância da Justiça, tornou pública a gravação de uma conversa telefônica entre Lula e a então presidente da República Dilma Rousseff.
Dilma diz a Lula que o advogado Jorge Messias, então assessor palaciano, levaria a ele um documento para que Lula pudesse tomar posse como ministro-chefe da Casa Civil.
Para os investigadores, tratava-se de uma manobra para dar a Lula foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF), retardando as investigações contra ele – o que Dilma e Lula sempre negaram.
Mais tarde, o próprio Moro reconheceu que errou ao aceitar a gravação como prova, já que a conversa aconteceu fora do horário determinado pelo então juiz para a interceptação telefônica feita pela PF.
A gravação ganhou também sua própria sequência de “memes” já que a pronúncia do nome de Messias soava como “Bessias” na voz da então presidente — nos bastidores, comentou-se que ela estaria resfriada naquele momento.
DILMA: LULA, deixa eu te falar uma coisa.
DILMA: Seguinte, eu tô mandando o “BESSIAS” junto com o PAPEL pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o TERMO DE POSSE, tá?!
LULA: “Uhum”. Tá bom, tá bom.
DILMA: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.
LULA: Tá bom, eu tô aqui, eu fico aguardando.
“Esse cargo que ele ocupava na época da ligação já era de quem está completamente inserido no mundo político. É uma demonstração pública da confiança que Lula tem nele”, diz uma pessoa que tem contatos frequentes com o chefe da AGU.
Para esta fonte, a proximidade com Lula e o PT não significa, necessariamente, que isso se traduziria em votos favoráveis ao governo no Supremo.
“Ele seria um ministro que sabe jogar, tomar decisões ponderando questões políticas. A lealdade, que foi conveniente até o momento, não é necessariamente absoluta e cega.”
“Tem algo muito positivo a favor dele, que é conhecer a máquina pública”, diz a professora da UNB Magda de Lima Lúcio, que foi sua orientadora no mestrado e no doutorado.
A orientadora avalia que Messias “dá respostas rápidas” e costuma “encontrar alternativas para problemas que conseguem apaziguar o ambiente e trazer elementos relevantes para uma solução.”

Crédito, Ricardo Stuckert/Presidência da República
“Eu caminho com Deus há quarenta anos. Foi a partir dos ensinamentos que eu tive na Bíblia, de amar ao próximo, de perdoar, de repartir o pão. Ora, Jesus com cinco pães e dois peixinhos multiplicou para a multidão e não teve desperdício.”
Assim começa um vídeo com Messias, divulgado pela Fundação Perseu Abramo, no ano passado, com o objetivo de apresentar pessoas ligadas ao Partido dos Trabalhadores que são cristãos evangélicos. Messias é ligado à Igreja Batista.
No dia 16/10, o presidente Lula recebeu duas lideranças evangélicas no Palácio do Planalto, o bispo Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus de Madureira, e o deputado federal Cezinha de Madureira (PSD-SP), e posou para foto. Junto dele estava Messias.
“Um encontro especial, de emoção e fé, compartilhado com o advogado-geral da União, Jorge Messias, e a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann”, escreveu Lula em suas redes sociais.
Lula disse que a conversa envolveu o crescimento da igreja e o acolhimento aos fiéis.
“Pude reiterar a relação de respeito que tenho pela Assembleia de Deus e o relevante trabalho espiritual e social promovido pela igreja.”
Esse lado religioso é tido como uma vantagem de indicar Messias, que poderia ser visto como um aceno de Lula a uma importante parcela do eleitorado.
No vídeo da Fundação, Messias ressalta que tem formação jurídica, mas que enxerga valores cristãos ao defender serviços públicos como saúde, educação e moradia digna.
“O cristão verdadeiro é o primeiro a defender a família. Eu não consigo, como cristão que sou, conceber um mundo em que a gente possa ter visão de Justiça Social, combate à desigualdade, criação de oportunidade…nós vivemos em um país profundamente desigual. Entre homens e mulheres, entre raças, entre regiões do país. Não temos como praticar a fé cristã e não olhar pra tudo isso.”
Um assessor que trabalhou com Messias diz que esse lado religioso não era tão visto no dia a dia.
“Não que ele esconda, mas não é algo que se destaca muito. Sabemos mais disso pelo que a imprensa vem falando.”
“Eu nunca ouvi nada a respeito nem nunca houve nenhum tipo de conversa nesse sentido. Fiquei sabendo anos depois que ele era evangélico”, diz a professora da UNB Magda de Lima Lúcio, que foi orientadora de Messias no mestrado e no doutorado. “Nunca houve comentário ou decisão fundamentada nessa crença.”
Messias também aproveitou o contexto das falas sobre sua religião para sair em defesa de Lula e Dilma no vídeo da Fundação, ao dizer que são infundadas as ideias de que o PT fecharia igrejas e que tanto Lula quanto Dilma teriam ajudado a aumentar a liberdade religiosa no Brasil.
“A grande verdade é que foi o presidente Lula que criou a lei de liberdade religiosa, garantindo o pleno acesso às muitas denominações.”

Crédito, Reprodução/Instagram
Mensalão e Lava Jato
Messias também faz menção, no mesmo texto de sua tese de doutorado, a outros momentos de derrotas ao petismo, como o julgamento do mensalão.
Embora não faça críticas diretas ao Supremo Tribunal Federal, ele argumenta em sua tese que “multiplicaram-se críticas da esquerda sobre o conservadorismo e autoritarismo do judiciário e do STF, que estariam atuando de maneira partidarizada em detrimento dos interesses do Partido dos Trabalhadores e dos próprios trabalhadores e movimentos sociais”.
Diz também que “a própria prisão do ex-presidente Lula, bem como a negação do registro de sua candidatura em 2018, reforçaram as censuras.”
Para Messias, no entanto, a autoridade do STF estava sendo “solapada por movimentos sociais autoritários e por instâncias inferiores do Judiciário que, em última instância, buscavam reverter a própria ordem constitucional de 1988”.
Doador em campanhas eleitorais
Messias foi doador em diversas campanhas petistas pelo menos desde 2010.
Em 2022, doou R$ 3,5 mil a Lula e R$ 2 mil à campanha para deputado federal de Paulo Teixeira, atual ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar de Lula.
Em 2018 foram R$ 500 para Marivaldo Pereira, então candidato ao Senado pelo Distrito Federal e hoje secretário nacional de assuntos legislativos no Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP).
Também fez doações à campanha da ex-presidente Dilma, em 2014 (R$ 500), e ao ex-governador do Distrito Federal Agnelo Queiroz, em 2010 (R$ 500).
R$ 1 milhão em honorários advocatícios
Messias foi alvo de críticas por pagamentos que ele recebeu em honorários advocatícios, verbas que são pagas a integrantes de carreira da AGU.
Esses valores são pagamentos que a parte vencida de um processo judicial deve fazer ao advogado da parte vencedora, como compensação pelos custos de atuação jurídica. Advogados públicos federais têm direito a receber o recurso em processos em que União, autarquias e fundações federais forem vitoriosas.
Um levantamento feito pela BBC News Brasil nos dados do Portal de Transparência identificou cerca de R$ 1 milhão em pagamentos a Messias entre janeiro de 2023 e agosto de 2025 nesta categoria. Os valores são brutos e não consideram eventuais impostos e outros descontos.
A AGU lançou, no mês passado, um painel que permite ver informações sobre esses pagamentos de forma facilitada.
Segundo o site Jota, Messias disse, em um evento da AGU, que tem feito esforços para que os pagamentos sejam feitos “em linha com a moralidade e com a legalidade” e que eles são importantes para “ganhos de eficiência” da instituição.
A AGU, em nota, diz que a constitucionalidade desses pagamentos é reconhecida pelo STF e que os honorários não são custeados com recursos da União.
Afirmou que “não há individualização, privilégio ou discricionariedade” sobre esses pagamentos.
“Portanto, os valores recebidos pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, no período citado, corresponde ao rateio ordinário dos honorários distribuídos a todos os membros das carreiras da AGU: advogados da União, procuradores federais, procuradores da Fazenda Nacional e procuradores do Banco Central. Como membro da carreira de procurador da Fazenda Nacional, Jorge Messias tem, como os demais advogados públicos federais, direito ao recebimento dos honorários de sucumbência.”
A instituição destacou ainda que o valor inclui também o pagamento de verbas indenizatórias (complementação de auxílio-alimentação e de auxílio-saúde) e pagamento de verbas atrasadas, a exemplo do pagamento de férias.
Indicado ao STF pode defender interesses do governo na Corte?
Dentre os requisitos para ocupar uma cadeira no STF está que candidatos devem ter “notável saber jurídico e reputação ilibada”.
Mas o que se enquadra como notável saber jurídico — e como um indicado ao STF se encaixa ou não nessa definição?
Embora tenha vínculos com a academia, Messias e outros nomes que foram cotados para o Supremo, como o senador Rodrigo Pacheco e o ministro do TCU Bruno Dantas, “não chegam à candidatura por sua trajetória acadêmica, como ocorreu, por exemplo, com o ministro Luís Roberto Barroso”, afirma Álvaro Palma de Jorge, professor fundador da FGV Direito Rio.
Segundo ele, o “notável saber jurídico” exigido para o cargo não deve ser confundido com títulos acadêmicos e nem tem sido adotado como critério decisivo nas nomeações.
“O conceito de notável saber jurídico é analisado de forma discricionária pelo presidente e pelo Senado. Ambos precisam fazer esse julgamento, e não há regra objetiva. Há ministros que são doutores e outros que não são. Vinculação acadêmica e publicações não são critérios definitivos para se reconhecer o saber jurídico.”
Jorge avalia que os atuais cotados “passam facilmente no teste” em razão das funções que exercem.
O professor discorda da ideia de que as indicações visam favorecer o governo na Corte.
“O nome precisa da indicação do presidente, mas também da aprovação do Senado. Isso já impõe um constrangimento à escolha. Um nome que não tenha adesão do Senado nem adianta indicar, porque não será aprovado.”
Ele lembra o episódio em que o ex-presidente Jair Bolsonaro cogitou nomear o filho Eduardo Bolsonaro para a embaixada do Brasil em Washington — cargo que também dependia da aprovação do Senado.
“O nome não foi nem levado adiante porque o presidente recebeu, de imediato, o feedback institucional de que não seria aprovado.”
Para o professor, o mesmo princípio vale para o Supremo.
“Não é qualquer escolha que é palatável. O critério usado pelo presidente precisa ter adesão do Senado, sob risco de a indicação não prosperar.”
Jorge reconhece que a proximidade pessoal do indicado tem sido apontada como um critério de Lula.
“Tem sido muito comentada essa história da proximidade. O presidente Lula teve uma experiência pessoal. Foi preso, apresentou seguidos recursos, entre eles um habeas corpus que acabou no Supremo. E ministros de quem se esperava proximidade simplesmente aplicaram a jurisprudência da Corte contra os interesses do presidente.”
Ele pondera que essa busca por afinidade é natural.
“Naturalmente o presidente tenta indicar alguém que tem uma visão de mundo mais próxima à dele”, diz.
E conclui que a independência tende a prevalecer depois da nomeação.
“Há muitos exemplos de ministros do Supremo que tomam decisões contrárias aos interesses do presidente que os indicou. E é bom que isso aconteça. Ministro do Supremo não é empregado do presidente da República; recebe um conjunto de prerrogativas justamente para poder julgar de forma independente. No momento da campanha, seja qual for o critério, o candidato segue um script.”
“Mas depois que senta na cadeira, enfrenta outros constrangimentos institucionais e passa a conviver com seus pares.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


