Uma nota de degustação com mais de dez aromas descritos pode parecer cascata. Será que cabe tudo isso de aroma mesmo dentro de um único vinho? A resposta tem menos a ver com o vinho e mais com a nossa cultura, que fez com que o olfato se transformasse no mais negligenciado dos sentidos humanos.
Apesar de termos historicamente dependido do nariz para sobreviver, parece que nos últimos milênios nos acomodamos e paramos de dar-lhe a devida atenção. Faça a reflexão: você cheira frutas, legumes e hortaliças na feira antes de comprá-las? Dá uma boa fungada no seu prato quando ele chega à mesa? Cheira as visitas quando elas chegam à sua casa?
Perfumista formado na célebre escola de perfumaria francesa ISIPCA em Versalhes, com mais de 30 anos de experiência na França e com passagens por empresas como Dior, Chanel e Frédéric Malle, o paulista de Dois Córregos Daniel Pescio defende que o sentido foi negligenciado na literatura, na filosofia e na ciência por ser considerado um sentido “animal” demais; se abaixar para cheirar algo era visto como humilhação.
Mais recentemente, o jogo começou a virar. Em 2004, o prêmio Nobel de Medicina foi concedido a pesquisadores que desvendaram parte dos mistérios do olfato. O advento da covid-19 e a repentina extinção (ainda que temporária) do sentido em muita gente fez com que fosse mais valorizado. É aquela história, só damos valor ao que perdemos.
No vinho, o olfato é (e sempre foi) um grande tema. E talvez por isso tanta gente fique desesperada ao adentrar esse universo, desacostumada a usar o nariz com mais consciência e afinco. Mas aqui vale lembrar que uma nota aromática pode ser uma pista para descobrir a história de um vinho, um indicativo de sua variedade, origem, idade, forma de produção.
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As chamadas notas primárias, geralmente de fruta e flor, falam sobre a variedade, mas também podem revelar a geografia: um chardonnay gaúcho pode ter nota de abacaxi, enquanto um de Chablis tem nota de giz. As secundárias são geradas de acordo com escolhas da vinificação e se há estágio em barrica (chocolate, coco, baunilha, etc.). Já as terciárias são notas evolutivas, que aparecem em vinhos mais antigos (cogumelos, “bosque”, couro e as medicinais, entre outras).
Para quem quer se aprofundar no tema, sugiro três maneiras. Uma delas é buscar referências teóricas. O livro “A Química do Olfato” (Ed. Martins Fontes, 2022), de Harold McGee, é um calhamaço que traz todo tipo de informação sobre cheiros, desde os mais simples até os mais específicos, desde as moléculas da natureza até as que fabricamos.
Outra ideia é prática: sair por aí cheirando tudo. No mercado, no café, na floricultura, nos jardins, em casa. Para os mais tímidos e com uns reais a mais no bolso, há kits prontos que trazem alguns dos aromas mais comuns no vinho, o chamado Nez du Vin. No Brasil, são vendidos na importadora De la Croix. É possível ainda pesquisar a roda criada nos anos 1980 pela química Ann C. Noble, da Universidade da Califórnia, e criar sua própria versão com potinhos de vidro e pequenos pedaços dos elementos (ervas, cascas de fruta, frutas secas, etc). Mas saiba que o experimento durará pouco porque fatalmente os vidrinhos mofarão (o que nos leva a outro aroma do vinho, o bouchonée, que indica defeito por contaminação de bactéria).
Para quem está em São Paulo, um curso livre novo traça um paralelo entre o vinho e o perfume. Pescio vem ao Brasil e se une à amiga de infância Gabriela Bigarelli, sommelière de casas estreladas como as do grupo Maní, Casa do Porco e Dalva e Dito, para ajudar a elucidar alguns mistérios do olfato.
No programa do curso há a importância desse sentido na degustação, como ele se alia ao paladar e o pouco discutido retrolfato. Os dois falarão também sobre a diferença entre o cheiro simples e o complexo; a influência do terroir para a formação dos aromas; a abordagem de uma nova linguagem para descrevê-los e, por fim, cada aluno vai criar um perfume exclusivo para si.
Depois de anos na perfumaria comercial, Pescio hoje tem sua própria empresa e desenvolve fragrâncias e forma novos perfumistas. Para os mais aflitos com a pouca eficiência de seu nariz, ele tranquiliza: “No olfato, não existe certo ou errado, mas sim o pessoal e o técnico”. Uma maçã sempre será uma maçã, mas a casa da minha avó não tem o mesmo perfume da sua. A melhor notícia é que, com treino, uma “biblioteca olfativa” pode armazenar até 10 mil cheiros no cérebro.
O curso, que inclui aromas raros trazidos pelo perfumista da França e do Japão, será ministrado no dia 29, em São Paulo, e em 6 de dezembro, em Jaú. Ingressos no Sympla.
Para os fãs da viúva Clicquot. Um jantar-aula sobre champanhe, com diferentes rótulos da Veuve Clicquot, desde o clássico Yellow Label até o safrado La Grand Dame 2018, será servido na escola Le Cordon Bleu, em São Paulo, no dia 3 de dezembro, às 19h, com pratos elaborados para realçar seu estilo. Reservas aqui.
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Fonte.:Folha de São Paulo


