
Em 2023, a cantora Luísa Sonza fez sucesso com uma música batizada com o nome do então namorado, Chico. Era um romance que tomava conta das redes sociais e que, dizia a canção, fazia ser “uma honra” receber a alcunha de “cafona”. O resto da história ficou por conta dos tablóides: a cantora foi traída e chegou a ler uma carta em rede nacional sobre sua tristeza com o episódio.
Dois anos se passaram. Hoje, Luiza vive um novo relacionamento. Desta vez, com bem menos holofotes. Menos posts, menos pistas. Seja por medo da tal “cafonice”, de decepções ou um ato inconsciente, parece que cada vez mais mulheres heterossexuais também têm optado por viver seus namoros offline.
Ao menos é o que aponta um recente artigo da revista Vogue do Reino Unido que viralizou ao trazer como título: “É vergonhoso ter um namorado hoje em dia?”
No texto, a jornalista Chanté Joseph diz que, para muitas mulheres, postar conteúdo com o namorado pode soar brega, sinal de submissão ou simplesmente desinteressante. Isso significaria menos textos amorosos, menos rosto do companheiro e mais fotos sutis, como imagens de uma mão no volante ou de duas taças de vinho na mesa.
Entre as entrevistadas de Chanté, alguns motivos para o sumiço dos namorados em seus perfis são o medo de parecer emocionalmente dependente ou até de receber “mau-olhado”. Muitas também evitam deixar rastros online porque expor o romance poderia virar constrangimento após um término ruim.
“Mas não se trata apenas de esconder o namorado”, explica a psicóloga clínica e pesquisadora Candice Oliveira. Para ela e outras especialistas consultadas por VEJA SAÚDE, o caso diz mais sobre formas de questionar os modelos de relacionamento existentes.
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O que dizem as mulheres
A estudante universitária e influenciadora digital Luana Mattos, de 24 anos, é do time que opta por uma postura discreta, embora esteja em uma relação há dois anos. “Não gosto que me resumam a um relacionamento, por melhor que ele seja”, explica.
A jovem acredita que realmente existem comportamentos on-line que podem ser “vergonhosos” para uma pessoa comprometida. “Me causa muito desconforto ver toda a existência de uma mulher ser composta por mostrar que está em um relacionamento, enquanto o parceiro dela faz de tudo para esconder que está em um”, avalia.
No artigo da Vogue, a autora aponta que, por muito tempo, ter um namorado foi sinônimo de status social para mulheres, mas agora o problema estaria em tornar a relação o centro de sua vida. Segundo Luana, a diferença na forma como homens e mulheres publicizam suas relações dá abertura para que pessoas de fora “sintam vergonha e pena” da companheira.
Já a psicóloga Mariana Luz, especialista em relacionamentos, se descreve como uma “romântica incorrigível” e conta que se surpreendeu ao ler o texto. “Eu disse: sério que as pessoas estão pensando isso?!”.
Passado o choque, ela avaliou alguns aspectos que justificam a posição. “Acho que o que elas querem é não ser reconhecidas só por estarem se relacionando e, ao mesmo tempo, dizer: ‘não queremos mais esse papo de que só chegamos onde chegamos por causa de um homem’”.
Para a jornalista Augusta Proença, de 24 anos, é bem por aí. Embora concorde com a reflexão, ela destaca que não tem vergonha de expor sua relação, apenas considera que é preciso dar mais espaço para a vida e conquistas individuais, tanto online, como no mundo real.
Segundo a jovem, também há alguns limites. Postar uma foto, tudo bem, mas declarações públicas de amor já passam do ponto.
“Não tenho problema nenhum em postar, mas sinto que eu não faria mais o famoso ‘textão’. Acho que existe uma breguice nesses textos enormes que a gente fazia antigamente”, brinca.
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Depois de passar um tempo solteira e crescer o número de seguidores mostrando sua rotina de trabalho, ela conta que se questionou como iria introduzir seu novo relacionamento, hoje com três meses, na sua rotina de publicações, já que o foco de seu perfil era a sua autonomia.
“Confesso que pensei: ‘faz sentido postar isso agora?’. Então, comecei com algo ‘soft’, como fotos de mãos dadas, de uma florzinha que ganhei, taças de vinho… e fui introduzindo ele aos poucos”.
Além da questão de individualidade, segundo Mariana, outra explicação para o movimento é o medo da exposição negativa. “Se você posta seu relacionamento, e a pessoa te trai ou acontece alguma coisa, você se sente humilhada, mesmo que a culpa não seja sua”, pondera.
A psicóloga destaca que isso pode gerar uma postura de autoproteção. “Mas a gente dificilmente controla essa narrativa, porque isso tem a ver com machismo”.
Por isso, Mariana faz ressalvas. “Mesmo que você não poste e seja traída, ainda vai doer. E os julgamentos virão de qualquer forma, postando ou não“.
Além disso, de acordo com Gabriela Peixoto, doutora em sociologia, a alta exposição de falas machistas e misóginas nas redes sociais, na esteira do movimento masculino “redpill” (ideologia que propaga que mulheres são inimigas dos homens), denunciam a fragilidade das relações heterossexuais.
“Existe uma sensação geral de que estar com um homem envolve riscos e que expor isso publicamente pode parecer ingenuidade“, comenta.
Isso não significa, porém, que as mulheres deixaram de desejar relacionamentos. O que existe, analisa a socióloga, é um clima que ela chama de heterofatalismo:
“As mulheres querem viver histórias de amor, mas sabem que a heterossexualidade, do jeito que está estruturada, é problemática. Não querem parecer centradas nos homens, mas também não ignoram que estar em um relacionamento ainda traz algum prestígio social”, diz.
Postar ou não postar, eis a questão
Em um estudo conduzido por Candice, que analisou prontuários terapêuticos de mais de cem mulheres, a ansiedade e o estresse apareceram em 42% dos casos, e questões afetivas (amorosas ou não) lideraram as buscas por terapia.
Segundo a psicóloga, a queixa que explica bem esse mal-estar é a necessidade de mudar de papel o tempo todo por alguém. “São muitas exigências, muitas vezes opostas: se você foi passiva, dizem que precisa se posicionar mais; se não foi, dizem que está sendo áspera”, comenta.
O estudo reforça o apontamento de Mariana: independentemente de postar ou não alguma coisa, julgamentos e exigências (inclusive contraditórias) sempre poderão existir. Por isso, a psicóloga destaca que é preciso ter cuidado como excesso de autoproteção e distanciamento. “Eu sei que existe muito medo. Mas eu jamais aconselharia alguém a abrir mão do amor por causa disso”, aponta a especialista em relacionamentos.
Augusta, a jornalista em início de namoro, também chama a atenção para o fato de que, segundo ela, o que realmente importa está presencialmente. “Eu sou muito mais adepta das demonstrações de afeto analógicas”, avalia.
Ela ainda ressalta que a discussão se “ter um namorado é vergonhoso” tem sido limitada ao universo das redes sociais, mas o que de fato importa é o que está acontecendo offline.
“Temos que pensar no que é ter um namorado, de fato, e não só sobre o que é mostrar ter um namorado”, diz. Para ela, ter uma relação, no mundo real, significa ter alguém com quem contar e não há motivo para ter vergonha disso.
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Por outras pessoas, como aponta Gabriela, “em um contexto em que casamento, namoro e família tradicional são questionados por exigirem das mulheres cuidado, renúncia e trabalho emocional, mostrar o parceiro pode parecer um passo atrás”.
A socióloga aponta, ainda, que, por hora, pode-se dizer que esses conflitos vêm desconstruindo o ideal romântico do namorado. “E ensaiando novas alternativas de arranjos e modos de vida, como estar cercadas por amizades”, diz.
Já segundo Mariana, um importante aspecto à se pensar em meio a esse cenário é que não devemos nos impedir de demonstrar e nem de viver sentimentos. “Mulheres mais focadas em si mesmas é algo muito positivo. Mas dá para equilibrar isso com as relações (para quem quiser)”, diz.
A psicóloga destaca que o amor (seja como for) é uma energia importante e que não há porque negá-la. “Não é a única forma de felicidade, mas é importante — desde que seja saudável. E o medo de ser exposta e humilhada pode acabar ofuscando isso”, aconselha.
No fim do dia, o importante é, simplesmente, fazer o que te faz bem. “Não existe regra: expor ou não expor, namorar ou não namorar. Cada uma faz o que quiser. O importante é ter liberdade e consciência para escolher o que faz sentido para si“, analisa Mariana.
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Fonte.:Saúde Abril


