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A decisão inicia a execução da pena do ex-presidente a mais de 27 anos de prisão.
O local, uma sala de Estado, foi adaptado e inclui banheiro privativo, cama, televisão, frigobar, ar-condicionado e mesa de trabalho.
É um espaço semelhante ao que ficou Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Curitiba entre 2018 e 2019, quando o petista cumpriu pena após condenação no âmbito da Operação Lava Jato — uma ação que posteriormente foi anulada pelo STF.
Na decisão desta terça, Moraes determinou “a manutenção de disponibilização de atendimento médico em tempo integral” a Bolsonaro, “em regime de plantão”.
O ministro também permitiu “o acesso da equipe médica que acompanha o tratamento de saúde do réu, independentemente de prévia autorização judicial”.
A defesa de Bolsonaro afirma que ele corre risco de morte em razão de sequelas da facada sofrida em 2018, argumento que deve ser usado para tentar restabelecer a prisão domiciliar.
O advogado João Pedro Pádua, professor de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), explica que a legislação garante assistência de saúde às pessoas presas, um direito previsto tanto na Lei de Execução Penal quanto na Constituição.
Mas, na prática, o atendimento costuma ser muito mais limitado. “Não existe, de modo geral, atendimento médico personalizado para presos”, afirma.
Segundo ele, cada Estado organiza sua própria rede de saúde prisional, assim como a União faz com os presídios federais.
A regra, explica Pádua, é que o atendimento seja prestado por equipes internas, geralmente uma enfermaria e médicos que comparecem em dias específicos.
“Presos que precisam de algo mais complexo são levados sob escolta a hospitais externos em casos de emergência.”
Para Pádua, o padrão atual imposto a Bolsonaro, com atendimento médico permanente e acesso irrestrito à própria equipe, destoa da realidade do sistema prisional brasileiro.
“Esse modelo de atendimento integral, 24 horas por dia, com um médico dedicado, é completamente excepcional. Nunca tinha ouvido falar disso, nem em casos de presos com doenças crônicas relevantes”, afirma.
Ele cita o exemplo do ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf, que, mesmo com idade avançada e problemas de saúde, não teve acesso a um esquema similar antes de obter prisão domiciliar.
Pádua destaca que, juridicamente, não há nenhum privilégio previsto em lei para ex-presidentes no cumprimento de pena. “O que está acontecendo decorre de decisões do Supremo Tribunal Federal e do precedente do presidente Lula”, afirma.
Bolsonaro poderá dar entrevistas?
A Lei de Execução Penal é a legislação que garante direitos básicos de presos, como alimentação, tratamento médico, apoio jurídico e religioso, visitas controladas, trabalho interno e acesso à defesa, mesmo durante o cumprimento definitivo da pena.
“Em tese, esses direitos devem ser assegurados a todos”, afirma Pádua, que diz que a realidade do sistema carcerário brasileiro impõe limites práticos a muitos desses direitos.
Entrevistas, saídas externas e visitas fora dessas hipóteses dependem de autorização judicial.
No período de um ano e sete meses em que Lula esteve preso, o petista só foi autorizado a sair da Superintendência da PF duas vezes: a primeira, para um depoimento à juíza Gabriela Hardt (substituta de Sergio Moro na Vara Federal da capital paranaense), em novembro de 2018.
A segunda, em 1º de março deste ano, para comparecer ao velório e à cremação de seu neto Arthur, de sete anos, morto em decorrência de uma infecção.
Pádua explica que a Lei de Execução Penal não garante ao preso o direito de falar com a imprensa, apenas o direito de enviar e receber correspondências.
Em prisões comuns, onde celulares são proibidos e outros meios de comunicação são restritos, a troca de cartas ainda é a forma oficial de contato com o exterior.
Mas o STF criou um precedente no caso do ex-presidente Lula, quando o ministro Ricardo Lewandowski autorizou entrevistas a partir de uma interpretação constitucional sobre liberdade de imprensa e de informação.

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A primeira vez em que o petista foi autorizado pela Justiça a falar com jornalistas durante seu período na prisão ocorreu mais de um ano depois de ele chegar à carceragem da PF em Curitiba.
Em setembro de 2018, uma liminar concedida por Lewandowski autorizou o pedido da Folha de S.Paulo para entrevistar o ex-presidente. A liminar foi cassada pelo ministro Luiz Fux, em decisão que seria revertida em abril do ano seguinte pelo presidente da Corte, Dias Toffoli.
Depois, Lula foi autorizado a conceder outras entrevistas, inclusive à BBC News Brasil, a quem ele falou em agosto de 2019 sobre os processos contra ele, as esperanças que tinha de deixar a prisão e os vazamentos da Lava Jato.
“Não vejo por que esse entendimento não possa ser aplicado agora”, afirma Pádua. Segundo ele, se procurado por jornalistas, Bolsonaro poderia conceder entrevistas, desde que haja autorização judicial.
O que permanece vedado é produzir conteúdo, acessar redes sociais ou utilizar meios de telecomunicação, com exceção das cartas previstas em lei.
Quem pode visitar Bolsonaro na prisão?

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Com relação às visitas, Moraes determinou que “todas as visitas deverão ser previamente autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal, salvo os advogados regularmente constituídos nos autos e equipe médica”.
Pádua lembra que a Lei de Execução Penal prevê o direito a visitas, mas não define quem exatamente pode entrar nos estabelecimentos.
“A lei não estabelece um rol de pessoas autorizadas. A regulamentação dos detalhes da execução da pena é competência dos Estados”, explica.
“De modo geral, os Estados permitem visitas de parentes imediatos — pai, mãe, filhos e cônjuge, desde que haja casamento formal — e um número limitado de amigos próximos.”
Antes da decretação do trânsito em julgado, a defesa do ex-presidente Bolsonaro havia solicitado nesta terça uma nova visita de sua esposa, Michelle Bolsonaro, na superintendência da PF em Brasília.
Na prisão preventiva, Moraes também permitiu que os filhos do ex-presidente o visitassem.
“Mas não sabemos se serão autorizadas visitas de outras pessoas, como políticos”, diz.
Ele ressalta que parlamentares costumam conseguir acesso a unidades prisionais alegando estar cumprindo deveres do mandato, não como amigos ou apoiadores.
Quando Lula esteve preso, o petista recebeu visitas diárias dos advogados e, às quintas-feiras, de parentes e amigos.
Na época, integrantes do PT, entre eles Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann, se registraram como advogados para ter acesso ampliado ao ex-presidente.
A força-tarefa da Lava Jato chegou a afirmar que a quantidade de visitas transformava a cela em um “comitê de campanha”.
No caso de Bolsonaro, a situação pode ser semelhante. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, é advogado e pode ter acesso facilitado se for oficialmente incluído na equipe de defesa do pai.
A advogada Carolina Cyrillo, professora de Direito Constitucional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que o direito de visita de advogados está previsto no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
“É um direito do advogado, não do preso”, diz. Por isso, não haveria limites com relação ao número de advogados constituídos na defesa.
A professora da UFRJ considera, no entanto, que ainda há elementos pendentes do processo de Bolsonaro antes que o regime de cumprimento da pena seja considerado definitivo.
“Ao que tudo indica, está se usando o precedente do Lula, e Bolsonaro deve permanecer na Polícia Federal. Mas há questões abertas. A primeira é a discussão sobre a patente militar: em razão do tempo da condenação, ele pode perder a patente. Caso não perdesse, poderia argumentar pelo cumprimento em unidade militar. Isso ainda vai ao Superior Tribunal Militar.”
Outro ponto é a discussão sobre o trânsito em julgado. A defesa alega que o prazo para embargos infringentes previsto no regimento do STF é de 15 dias — e argumenta que Moraes teria certificado o trânsito antes desse prazo.
“Tem um justo motivo para recurso da defesa. Porque o precedente que eles usam, do caso do Maluf, de que não cabem embargos infringentes quando tem apenas um voto e não dois na turma, não é bem um precedente. É uma orientação jurisprudencial vigente até agora, mas que pode mudar de questão. Então, tudo muito incipiente”, disse.
Para a professora, é cedo para afirmar como será a fase definitiva do cumprimento de pena. “Provavelmente seguirá o precedente do Lula, como Moraes determinou agora. Mas a discussão sobre a patente militar e sobre o trânsito em julgado ainda pode alterar o quadro.”

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Celso Vilardi, advogado de Bolsonaro, afirmou que vai apresentar embargos infringentes ao STF mesmo depois do encerramento da ação.
Ele afirma considerar que o processo ainda não transitou em julgado já que o prazo para que a defesa apresentasse o recurso ainda não havia se esgotado.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


