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27 de novembro de 2025

Projeto do Código Civil pode elevar hiperjudicialização, diz CNI

Projeto do Código Civil pode elevar hiperjudicialização, diz CNI

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O representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI) Julio Andrade Neves apontou que alguns pontos do projeto de lei do novo Código Civil, apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), podem levar à hiperjudicialização e prejudicar empresas do país. Pacheco conduziu nesta quinta-feira (27) a reunião que discutiu a responsabilidade civil na proposta. 

Entre os participantes da audiência, Neves foi o único a fazer críticas pontuais ao PL 4/2025. Ele considera que o artigo 944, que mede a extensão do dano causado e a possibilidade de indenização à vítima, apresenta critérios amplos e inovações capazes de aumentar o número de ações na Justiça. 

Um trecho da proposta determina que “em alternativa à reparação de danos patrimoniais, a critério do lesado, a indenização compreenderá um montante razoável correspondente à violação de um direito ou, quando necessário, a remoção dos lucros ou vantagens auferidos pelo lesante em conexão com a prática do ilícito”.

“Eu não sei o que é [essa alternativa], me parece que ninguém sabe o que é, mas necessariamente é uma hipótese ampliativa”, disse. Neves pontuou que, em relação ao dano indireto nesses casos, o projeto cria um conceito indeterminado. Além disso, a “função pedagógica” da indenização referente ao dano moral, prevista na proposta, pode “multiplicar por quatro os casos julgados hoje” no país. 

“Esse conjunto específico de conceitos indeterminados é gasolina na fogueira desse problema de hiperjudicialização”, enfatizou. Ele também questionou o critério de “valor razoável” para a indenização. 

“Se não houver um dano emergente claro, qual o valor razoável equivalente a esse ilícito? Eu também não tenho critérios objetivos para dizer. Na ideia de que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose, me parece que existe uma grave sobredosagem de indeterminação”, disse. Neves ressaltou que esses pontos “têm o potencial de agravar muito um problema que nos machuca como sociedade, a indústria em particular”. 

“Ninguém duvida do espírito cívico e da dedicação daqueles que se engajam na construção de um projeto que demanda muito tempo próprio. Espero ter o benefício de que enxerguem as minhas ponderações com o mesmo espírito cívico de construção de um ordenamento mais saudável”, afirmou o representante da CNI. Pacheco concordou que a hiperjudicialização gera o “custo Brasil” que inibe o desenvolvimento econômico do país.

Flávio Tartuce e Rosa Nery rebatem críticas: trabalho “inovador”

Antes da manifestação de Neves, o professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) Pablo Malheiros elogiou o trabalho da comissão de juristas e sugeriu a inclusão do “abuso do direito” na proposta. 

De acordo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o abuso do direito é caracterizado pela utilização exagerada ou desvirtuada desse direito, com o “objetivo de prolongar, atrasar ou impedir o andamento de processos”. Também ocorre quando a parte move ações com conflitos “forjados ou fictícios, pretendendo obter alguma vantagem de forma ilegítima”.

Os relatores-gerais da proposta, Flávio Tartuce e Rosa Nery, rebateram as críticas. Nery disse que o aumento de demandas na Justiça ocorre no âmbito do Direito do Consumidor, que não está relacionado à responsabilização estipulada no Código Civil. 

Segundo ela, o trabalho da comissão de juristas “foi inovador”. “Em matéria de responsabilidade contratual, a indústria está absolutamente protegida”, disse. A relatora também comentou as críticas feitas aos termos vagos na redação do projeto que, na prática, podem abrir uma brecha para que juízes decidam sem um critério definido. 

“Se alguém vai à justiça buscar uma solução haverá necessariamente de se curvar à vontade interpretativa do juiz. Não tem outra saída. Agora, será que é a reforma do Código Civil proposta pela comissão que está trazendo essa vagueza, esse aumento exagerado de termos abertos que vão dar muito poder para o magistrado?”, apontou, citando expressões do Código Civil vigente, como “a critério do juiz”. 

Tartuce afirmou que o artigo 946 prevê a possibilidade de exclusão de indenização em grandes contratos da indústria. “Não vejo essa preocupação [de hiperjudicialização]. Até porque são contratos muitas vezes de insumos, não de consumo, então é possível fazer essa exclusão como uma forma de alocação de riscos.”

Ao agradecer a participação de Malheiros, Tartuce afirmou: “A história sempre foi assim, dividida entre aqueles que contribuíram e aqueles que não contribuíram, que tentaram somente boicotar o trabalho feito por outras pessoas que quiseram melhorar a lei do país”. Para o relator, a “responsabilidade civil no Brasil não funciona” e as indenizações por danos morais “não é indenização, é esmola”. 

O senador Carlos Portinho (PL-RJ) ponderou que as críticas servem para construir o projeto e defendeu a ampliação do debate. “A gente tem que abrir esse debate de mente aberta”, disse. Portinho afirmou que tem a mesma preocupação do representante da CNI sobre a “função pedagógica” das punições. “Vamos ter que discutir, sim, esse dano pedagógico”, reforçou. 

Representante da OAB sugere mudança na responsabilização de guardiões de menores

A vice-presidente da Comissão de Direito Civil do Conselho Federal da Ordem dos Advogados (OAB), Lara Soares, defendeu uma alteração no artigo 932, que determina quem responderá em caso de dano praticado por menores de idade. 

“Art. 932. Responderão independentemente de culpa, ressalvadas as hipóteses previstas em leis especiais: IV – os guardiões, por fatos das pessoas sob sua guarda”, diz o ponto da proposta questionado por Soares.

Ela apontou que a guarda não exclui a autoridade parental, ou seja, um menor de idade pode ter um guardião e continuar a ter pais. A advogada sugeriu que a inclusão da expressão “em companhia” no inciso IV, porque “teríamos a responsabilização do guardião enquanto estivesse efetivamente com essas crianças e esses adolescentes”. 

“Caso contrário, me parece que, do ponto de vista social, podemos ter um desestímulo e esse tipo de arranjo que muitas vezes é para facilitar o cuidado”, disse. Ela destacou que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) confere aos dirigentes de instituições de acolhimento a guarda legal de menores que estiveram em situação de risco.

“Responsabilizar essas pessoas de forma objetiva, sem absolutamente nenhum tipo de divagação ou identificação de culpa, não sei se é justo ou razoável. Proponho a reflexão desse ponto específico”, afirmou. Nery e Tartuce concordaram com as sugestões de Soares e disseram que as mudanças serão avaliadas pela comissão. 

Responsabilidade civil 

O professor Nelson Rosenvald afirmou que o Código Civil de 2002 se resume a tratar de danos individuais e patrimoniais e não abrange as demandas atuais. O projeto de Pacheco prevê a tipificação de “dano extrapatrimonial” que fixa parâmetros para para violações de “interesses existenciais”. 

Segundo a justificativa do texto, o dano extrapatrimonial é “espécie de guarda-chuva apto a conceder ampla tutela aos bens da personalidade”. “O que nós queremos trazer, em relação à função pedagógica, são limites, critérios, contraditório onde não existe”, disse Rosenvald. 

A juíza Patrícia Carrijo, membro da comissão de juristas, defendeu o projeto, apontando que o Código Civil em vigor não prevê reparação de danos virtuais para vítimas de desinformação e a prevenção ao dano. “O direito à função preventiva não é uma ideologia, é uma imposição ética, um imperativo jurídico”, enfatizou Carrijo. 

“De acordo com o terceiro eixo, mantém-se a primazia da função reparatória de danos da responsabilidade civil e do princípio da reparação integral (art. 947). Todavia, na sociedade contemporânea – plural e complexa –, danos não mais ostentam um perfil meramente individual e patrimonial, porém, manifestam-se como metaindividuais, extrapatrimoniais e, por vezes, anônimos e irreparáveis”, diz a justificativa do PL 4/2025.

O professor da Universidade Federal da Paraíba, Rodrigo Azevedo Toscano, afirmou que “não há dúvida” de que o dano deve ser “certo”, mas destacou que ele pode acontecer de forma direta, indireta e ser atual ou futuro. O projeto prevê no artigo 944-B que a indenização “será concedida, se os danos forem certos, sejam eles diretos, indiretos, atuais ou futuros”.

O dano indireto diz respeito a algo que não atinge somente a vítima, mas também um conjunto de pessoas que está no entorno dela. Segundo Toscano, o projeto amplia a hipótese do dano indireto, que é definido para casos de homicídio na lei em vigor.



Fonte. Gazeta do Povo

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