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28 de novembro de 2025

Indenização de R$ 1,5 mi à Jovem Pan blinda autoridades

Indenização de R$ 1,5 mi à Jovem Pan blinda autoridades

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A condenação da Jovem Pan ao pagamento de R$ 1,5 milhão consolida a perseguição a veículos que criticam autoridades, com impacto direto no jornalismo opinativo. O ponto mais preocupante, segundo juristas ouvidos pela Gazeta do Povo, é a decisão não ser isolada, mas estar em consonância com determinações de tribunais superiores.

O Ministério Público Federal (MPF) e a União acusaram a emissora de promover desinformação e veicular conteúdos que colocariam em risco a democracia. A sentença em primeira instância foi proferida nesta quarta-feira (26) pela juíza Denise Avelar, da 6ª Vara Cível Federal de São Paulo.

Cabe recurso dos dois lados: a Jovem Pan deve recorrer da multa e o MPF pode voltar a exigir o fim da emissora.

Decisão é baseada em jurisprudência do STJ

O processo é amparado em comentários feitos por analistas políticos em programas exibidos ao longo de 2022, que criticavam o sistema eleitoral eletrônico e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) como Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso também foram alvos de críticas, muitas vezes associadas a ativismo judicial.

“Existe uma ditadura implantada por uma elite ungida do Supremo e que destitui político eleito, que cala parlamentar, que censura pessoas nas redes sociais, que manda polícia atrás de empresário que não cometeu crime nenhum. Isso é um abuso flagrante. Alguma coisa tem que ser feita”, criticou Rodrigo Constantino no Programa Três em Um em dezembro de 2022, em uma das manifestações citadas na decisão.

Para a advogada especialista em responsabilidade civil, Katia Magalhães, a decisão não é isolada. Há julgados similares no Superior Tribunal de Justiça (STJ), mostrando como o Judiciário tem interpretado o conceito de dano moral coletivo. Originalmente, explica Magalhães, esse instituto foi criado para reparar lesões que atingem uma coletividade de forma direta, como em casos de desastres ambientais causados por mineradoras. Mais recentemente, passou a ser adotado no entendimento dos tribunais superiores como uma lesão a valores fundamentais de um grupo social.

Ainda assim, a advogada ressalta que os comentários que, supostamente, desacreditariam o TSE, o STF ou os seus ministros não ferem direitos fundamentais e, por isso, não entrariam nessa jurisprudência. “A juíza invoca a jurisprudência do STJ para afirmar que os jornalistas da Jovem Pan, mediante comentários, teriam acarretado danos morais coletivos. Isso é juridicamente inconcebível, porque não houve ataque aos pilares da sociedade. Pelo contrário, esses jornalistas defendiam princípios como a liberdade de expressão. Mas, na prática, a credibilidade do STF e de seus membros se coloca muito acima desse direito”, avalia.

Juíza impõe danos morais como função pedagógica 

Venceslau Tavares Costa Filho, professor de Direito Civil da UFPE, considera questionável a aplicação do dano moral coletivo nesse caso, pois se aproxima de um dano punitivo. O dano punitivo, que não está previsto na legislação brasileira, visa ir além da compensação financeira, buscando punir o acusado e desestimular essa tipo de conduta.

“O Código Civil determina que a indenização deve ser proporcional ao dano e, ao que me parece, o valor aplicado não se trata de uma compensação, mas um dano punitivo de caráter pedagógico, que não existe no nosso ordenamento jurídico”, explica.

O debate de uma possível inclusão do dano punitivo tem acontecido nas audiências públicas sobre o projeto de lei do novo Código Civil, que está tramitando no Senado Federal. A proposta visa alterar o conceito originário de dano moral – como reparação de uma lesão individual – para incluir a “função pedagógica” citada. Durante os debates, juristas alertaram que essa mudança pode ampliar a hiperjudicialização.

“Danos morais como ferramenta punitiva não existem ainda no Brasil, mas está em discussão lá no projeto de novo Código Civil, que é amplamente apoiado pela cúpula do Judiciário e pelo senador Rodrigo Pacheco”, observa Magalhães.

Jurista vê tentativa de lawfare contra a Jovem Pan

Costa Filho destaca que a decisão também pode configurar lawfare. A expressão americana é usada para descrever a perseguição a adversários políticos por meio de instrumentos legais como leis e tribunais.

“Essa decisão parece uma tentativa de sufocar um órgão de imprensa e inviabilizar sua atividade, como já vimos acontecer em outros países. Indiretamente, decisões onerosas como essas podem, de fato, inviabilizar a atividade do veículo, o que é uma violação grave à liberdade”, aponta.

Magalhães reforça que a fixação da indenização com caráter pedagógico envia um recado claro à imprensa. “A atividade fim da imprensa, especialmente do jornalismo opinativo, passa a ser um passivo de multa, porque há riscos de ser obrigado a pagar danos morais punitivos e pedagógicos. Então, quanto mais você criticar o sistema e as pessoas que estão nele, mais chances terá de receber sua punição pedagógica”, finaliza.



Fonte. Gazeta do Povo

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