
Crédito, Primatas Perdidos
O avistamento foi feito por meio de drones equipados com câmeras, durante um levantamento populacional da equipe.
“A câmera termal detectou o calor de alguns animais, e quando passamos para a câmera colorida, vimos um indivíduo completamente branco”, explica Vanessa Guimarães, bióloga e uma das fundadoras do projeto.
“Na hora eu pensei: ‘Que espécie é essa?’. Só depois, comparando com os outros indivíduos, percebemos que era um sauá. Foi um choque. É como encontrar uma agulha no palheiro.”
Casos de albinismo em primatas neotropicais – espécies encontradas na América Central e do Sul – são extremamente raros, e não havia registros anteriores para a família à qual o sauá pertence, composta por 63 espécies.
O registro inédito foi feito dentro da área de floresta densa do parque, a maior mancha contínua de Mata Atlântica em Minas Gerais e uma das últimas em bom estado de conservação no país.
O Parque Estadual do Rio Doce, criado em 1944, protege cerca de 36 mil hectares de floresta e abriga centenas de espécies de aves, répteis e mamíferos — entre eles, cinco espécies de primatas, três delas ameaçadas de extinção.
O projeto Primatas Perdidos, criado por Vanessa Guimarães e outros pesquisadores, tem como foco justamente o monitoramento dessas populações.
O uso de drones equipados com câmeras coloridas e termais, capazes de detectar o calor corporal dos animais, é feito justamente para conseguir identificar espécies mesmo nas áreas mais fechadas da mata.
“O drone é uma ferramenta tecnológica muito eficaz para o levantamento de fauna. Ele nos permite acessar lugares onde não conseguiríamos chegar a pé, de forma mais rápida e com menos impacto sobre os animais”, explica.
Foi assim que o sauá albino foi registrado. O animal estava acompanhado de outros dois indivíduos de coloração normal. “Ele parecia totalmente integrado ao grupo, o que é interessante, porque muitas vezes animais albinos são rejeitados ou atacados pelos seus pares. Nesse caso, o comportamento era tranquilo, natural”, conta Guimarães.
O que pode estar por trás do albinismo deste animal
O aparecimento do sauá albino é simbólico — e traz preocupação. Para os pesquisadores, ele indica possíveis efeitos do isolamento populacional e da degradação ambiental ao redor do parque.
“O Guimarães do Rio Doce é uma espécie de ilha verde cercada por áreas degradadas”, diz Vanessa.
“O entorno vem sofrendo há mais de 150 anos com a expansão urbana, a monocultura e as atividades agroindustriais. Isso afeta o fluxo genético das espécies e pode aumentar a endogamia, ou seja, a reprodução entre parentes próximos.”
Esses animais, explica a bióloga, precisam de grandes áreas de floresta conectadas.
“Quando as populações ficam isoladas por causa do desmatamento ou da urbanização, a troca genética diminui. E isso pode gerar mutações e anomalias, como o albinismo.”
Além disso, fatores externos, como poluição atmosférica e o uso intensivo de agrotóxicos em plantações próximas, podem interferir na expressão genética de animais silvestres.
“Estudos apontam que gases como dióxido de nitrogênio e dióxido de enxofre podem causar alterações na pigmentação”, explica. “Não podemos afirmar que foi o caso do sauá, mas é uma hipótese plausível.”

Crédito, Stephen Nash/Primatas Perdidos
Uma espécie discreta e vital para o equilíbrio da floresta
De nome científico Callicebus nigrifrons, o sauá — também conhecido como guigó — é um primata endêmico do Brasil, encontrado em trechos de Mata Atlântica dos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo.
A espécie é monogâmica — o que contribui para uma população menor — e vive em pequenos grupos familiares, geralmente formados por um casal e seus filhotes, e é reconhecido por sua longa cauda avermelhada que contrasta com o corpo acinzentado.
Discretos e de hábitos diurnos, os sauás são mais ouvidos do que vistos: possuem uma vocalização característica, uma espécie de dueto entre o macho e a fêmea, usado para defender o território e manter contato com outros grupos.
Mas seu papel na floresta vai muito além do som. Eles são frugívoros — alimentam-se principalmente de frutas — e, por isso, são importantes dispersores de sementes, ajudando na regeneração natural da Mata Atlântica.
Atualmente, a espécie está classificada como “quase ameaçada de extinção”, segundo a lista nacional de espécies ameaçadas do ICMBio. A contínua perda e fragmentação do habitat têm reduzido suas populações e isolado grupos, o que aumenta o risco genético e dificulta a reprodução saudável.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


