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7 de dezembro de 2025

Tempos bicudos para o jornalismo crítico – 06/12/2025 – Alexandra Moraes – Ombudsman

Tempos bicudos para o jornalismo crítico – 06/12/2025 – Alexandra Moraes – Ombudsman

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“Bolsonaro escolhe Flávio para a disputa em 2026”, “Governo do Paraná cria algoritmo com IA para mapear risco de agressão a mulheres”, general Augusto Heleno anuncia que tem Alzheimer desde 2018. “Gilmar Mendes e Guiomar anunciam separação e dizem que amizade segue intacta”, “Não há indícios de que mulher de Moraes tenha envolvimento no caso do Banco Master”, “Novo titular da SSP, Osvaldo Nico diz que foco é combater sensação de insegurança”.

Nas primeiras páginas de seu Manual da Redação, a Folha se compromete a “abordar os assuntos com disposição crítica e sem tabus, no intuito de iluminar problemas, apontar falhas e contradições, questionar as autoridades públicas e os poderes privados”. Em casos tão diferentes nos últimos dias, o jornal pareceu desafiar esse compromisso.

“Bolsonaro escolhe Flávio” foi apenas o mais recente e talvez mais óbvio desses problemas. Faltou prudência ao comprar, em título, a versão do filho zero-um para a escolha do pai, sem que fosse possível confirmar a opção com o ex-presidente. O jornal mostrou o devido cuidado no texto (“afirmou ter sido escolhido”), mas dispensou o grão de sal nos destaques.

Diante da comoção com os casos recentes de violência contra a mulher, aparecia no jornal uma nota sobre a criação de um “algoritmo com IA para mapear risco de agressão a mulheres” pelo governo paranaense, “do presidenciável Ratinho Jr.”, a partir de uma base de “15 milhões de boletins de ocorrência”. Para um leitor, soou a “release do governo do estado”. “Tem vários aspectos a serem questionados, sobre LGPD, privacidade, qual a expectativa prática de melhoria na segurança.”

Surpreendeu também a tranquilidade com que foi tratado o suposto diagnóstico de Alzheimer do general da reserva e ex-ministro Augusto Heleno, 78, condenado por tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada, abolição do Estado democrático de Direito etc.

O cargo ocupado em todo o governo Bolsonaro e as circunstâncias do anúncio deveriam ser o bastante para ao menos gerar dúvidas sobre a progressão da doença e suas peculiaridades, mas elas mantiveram distância do material publicado.

O ministro Alexandre de Moraes pediu esclarecimentos à defesa do general e um laudo à Polícia Federal, com prazo de 15 dias. Pelo jeito, resta ao leitor da Folha esperar o resultado oficial.

Já no dia 29 a Folha anunciou que o casal Guiomar Feitosa e Gilmar Mendes estava separado, embora continuasse viajando junto. O leitor também era informado de que Guiomar tem “facilidade ímpar de fazer amizades que leva por toda a vida”. Ok.

Surgiram especulações sobre motivos externos que poderiam ter levado ao anúncio da separação do decano do STF, importante o bastante para ser noticiada. O burburinho foi ignorado pelo jornal, mas ficou fermentando nos comentários.

Na segunda (1º), foi a vez de afirmar que “não há indícios de que mulher de Moraes tenha envolvimento no caso Master“. A checagem publicada pela Folha pretendia rebater postagens segundo as quais a prisão de Jair Bolsonaro “acobertar[ia] participação dela no escândalo”.

Não há mesmo nada que indique que Viviane Barci de Moraes tenha tomado parte em eventuais malfeitos do Banco Master. Mas o termo usado pelo jornal (“envolvimento”) é vago e confuso diante do fato de seu escritório ter sido “contratado pelo banco para representá-lo judicialmente”, “em algumas poucas ações”. Segundo O Globo, citado pelo texto da Folha, o Master “não revela quais são elas e nem o valor dos honorários. O escritório também não respondeu a perguntas sobre a relação com o Master”.

A fake news se abastecia da ligação profissional e a extrapolava para o crime. Já o título do jornal, peremptório e desastrado, tentava apagar o fogo com gasolina.

Por fim, na sucessão de casos escabrosos de violência contra mulheres, Douglas Alves da Silva, 26, atropelou e arrastou Tainara Santos, 31, por um quilômetro até a marginal Tietê, em São Paulo. Tainara perdeu as duas pernas. No relato da Folha sobre a prisão de Douglas, no domingo (30), o sucessor de Guilherme Derrite à frente da Secretaria de Segurança Pública de SP, Osvaldo Nico, “afirmou que ficou sensibilizado com a brutalidade da agressão”.

Em sua primeira entrevista no cargo, na segunda (1º), ele não só não falava nada sobre isso como também não havia sinal de cobrança a respeito do tema. Assim fica difícil.

Folha responde a questões sobre o novo conselho editorial

Alguns leitores questionaram as recentes mudanças do jornal em seu conselho editorial. Um incômodo foi com a falta de diversidade racial . “Um dos temas mais recorrentes da Folha é a participação de negros no corpo docente universitário, na alta hierarquia empresarial, nos Tribunais Superiores e assim por diante. No novo conselho editorial, totalmente reformulado, negro, que dirá negra, tem assento?”, questiona o advogado Luciano Amaral.

“O jornal segue dando importância ao seu programa de diversidade, essa prioridade não mudou. Há quatro mulheres e um negro no novo conselho editorial”, afirma o diretor de Redação, Sérgio Dávila. Abaixo, ele responde a outras questões sobre as mudanças.

Já o médico Henrique Hermida elogiou a nova composição. “É evidente a preocupação em selecionar membros proeminentes não apenas de áreas diversas do conhecimento mas também defensores de ideias distintas entre si e às vezes diametralmente opostas.”

Há consultas ao conselho fora das poucas reuniões anuais? O conselho editorial não tem funções executivas nem deliberativas. É um órgão consultivo, cuja missão é criticar o jornal, trazer novas ideias e discutir tendências. Ele se reúne de 3 a 4 vezes por ano, em almoços com o comando do jornal.

Como é feita a escolha dos nomes? Pelo Publisher e pelo diretor de Redação, que fazem consultas e levam em conta sugestões de pessoas próximas do jornal.

Quais são os objetivos da Folha com o “processo de amadurecimento do programa de diversidade” citado no texto de apresentação do novo conselho? O programa, que existe desde 2019, amadureceu e agora amplia o escopo de sua busca para além dos dois aspectos mais evidentes (gênero e raça), sem abandoná-los; passa a priorizar também outros itens, como religião, localização geográfica, posição política, situação econômica.

Há intenção de reduzir o enfoque editorial na disparidade racial e de gênero em órgãos oficiais, instituições, empresas, salários etc.? Não.

Nos anos recentes, a Folha também diagnosticou e tentou sanar o que entendeu como representação insuficiente do segmento evangélico no jornal. A formação do novo conselho levou em conta esse aspecto? Vários aspectos foram levados em conta na montagem do novo conselho editorial, mas os principais foram experiência, expertise na área de atuação e possibilidade de enriquecer o diálogo com o comando do jornal.

Um leitor pergunta: “Um conselho editorial deveria ser formado pelos mais experientes (óbvio), mas cadê a representatividade da nova geração?” Criado em maio de 1978, o conselho editorial já teve 35 formações e variou historicamente de 5 a 13 integrantes. Sua composição é sempre um trabalho em andamento.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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