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- Author, Carol Castro
- Role, Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil
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Nos últimos quatro meses, o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), Rodrigo Bacellar (União), outro deputado estadual, TH Joias (MDB), e o desembargador Macário Ramos Júdice Neto foram presos no Rio de Janeiro, com autorização do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Todos eles são acusados de beneficiar, direta ou indiretamente, os negócios do Comando Vermelho (CV) – uma das principais facções de tráfico de drogas do país.
As defesas de Bacellar e Macário alegam inocência – o primeiro diz não ter atuado para obstruir a investigação, enquanto o segundo diz não ter encontrado Bacellar no dia anterior à operação, nem conversado sobre o assunto. O advogado de TH Joias diz que não teve acesso à decisão judicial.
As investigações continuam, com possibilidades de também chegar a outros escalões de poder no Estado do Rio, avalia o sociólogo Daniel Hirata, do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF (Geni/UFF).
Escândalos envolvendo políticos que mantém relações próximas com criminosos não são novidade no Rio de Janeiro.
Em 2009, a CPI das milícias apontou que vereadores da cidade do Rio e deputados estaduais colaboravam com grupos paramilitares. O Estado já teve cinco ex-governadores presos – todos acusados de corrupção ou irregularidades administrativas.
Mais recentemente, a ex-deputada Lucinha virou ré por envolvimento com milícias.
Nenhum havia ainda, no entanto, sido indiciado por suspeitas de envolvimento com o CV.
“O que é novidade aqui é que, no Rio de Janeiro, a investigação sempre fica nos escalões mais baixos, como o policial que vaza informações sobre operações a criminosos”, afirma Hirata.
“Mas agora estamos falando de um deputado estadual, um desembargador, que é um juiz de segunda instância, e o presidente da Alerj.”
As investigações apontam, por enquanto, apenas TH Joias como membro do grupo criminoso. Mas, de acordo com a decisão do STF, o vazamento de informações pode indicar um esforço de Bacellar para evitar a exposição de outros “agentes políticos” ligados ao CV – e preservar os vínculos com a facção.
Além disso, até poucos meses atrás, Bacellar era um dos principais aliados do governador Cláudio Castro (PL) e influenciava em decisões ligadas à segurança pública.
O fio dessa história começou a ser puxado com a prisão de Tiego Raimundo de Oliveira Santos, o TH Joias, em setembro, na Operação Zargun.
Criado na Zona Norte do Rio, no morro do Fubá, ele é filho de um ourives e se tornou popular por vender joias para celebridades. Mas não fazia dinheiro só com as vendas lícitas de joias, segundo as autoridades.
Em 2017, TH foi acusado pela Polícia Civil de lavar dinheiro para o Terceiro Comando Puro (TCP), facção rival do Comando Vermelho e que emerge como terceira força do crime organizado do país, e chegou a ter prisão preventiva decretada.
Em nota enviada à revista Veja, em 2024, ele disse que as acusações estavam “sendo esclarecidas na Justiça, uma vez que seu nome foi indevidamente associado a fatos que não são compatíveis com a sua curva de vida e trajetória profissional”.
Mesmo sob a suspeita de ligação com grupos armados, TH conseguiu mais de 15 mil votos na eleição de 2022, e ficou como segundo suplente de deputado estadual pelo MDB.
Em maio de 2024, após a morte de Otoni de Paula Pai e a decisão do primeiro suplente, Rafael Picciani, de permanecer como secretário de Esportes do governo de Cláudio Castro, TH Joias assumiu o mandato na Alerj.
Pouco mais de um ano depois, a Polícia Federal (PF) acusou o deputado de ser membro importante do CV. Segundo a investigação, o deputado ajudava na lavagem de dinheiro do grupo criminoso, intermediava a compra de armas e drones e se reunia diretamente com a cúpula da facção para alinhar planos.

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Os investigadores indicaram ainda que ele transitava com facilidade entre ambientes institucionais e mantinha relações políticas consolidadas, mesmo sendo integrante de uma organização criminosa.
Na manhã da operação contra TH Joias, Cláudio Castro demitiu Rafael Picciani da Secretaria de Esportes, e ele reassumiu como deputado estadual, automaticamente retirando seu suplente do cargo.
A decisão impediu que a Alerj analisasse a manutenção ou a cassação do mandato do parlamentar preso, como prevê a legislação. A manobra chamou atenção de Alexandre de Moraes, que citou o caso na decisão que levou Bacellar à prisão.
Segundo a Polícia Federal, a estratégia teve como objetivo “desvincular a imagem da Alerj do investigado TH Joias que, como é de conhecimento público, era aliado político e presença constante em eventos institucionais dos poderes Executivo e Legislativo”.
Influência na presidência da Alerj e no Judiciário
Com o celular de TH Joias, a PF descobriu que Bacellar, então presidente da Alerj, sabia da operação contra o colega e o alertou. Bacellar orientou o deputado a tirar tudo da casa.
“Ô presida! Não tem como levar não, irmão. Pô, como é que leva?! Tem como levar não, irmão. Esses filhas das puta vão roubar as carnes, hein?”, disse TH Joias a Bacellar, a quem também se referia como 01, em vídeo encontrado pelos investigadores.
Enquanto assistia do celular, em outro imóvel, a entrada dos policiais, TH Joias mandou fotos e vídeos das imagens registradas pelas câmeras, de acordo com a investigação.
Bacellar não teria avisado nenhuma autoridade sobre a ligação de TH, embora já soubesse do mandado de prisão contra o deputado. No dia 3 de dezembro, o presidente da Alerj foi preso – e alvo de um mandado de busca e apreensão.
“Essa notícia foi surpreendente, a gente não sabia que ia se romper uma barreira dessas”, diz uma fonte que atua na Alerj.
“Por outro lado, não é incoerente com o que se tornou o convívio do TH lá dentro, não só com o Bacellar, mas também com outros deputados. Ele entrou com alguma rejeição. Mas depois virou amigo dos caras, era um deles.”
Bacellar ficou preso cinco dias. Em 8 de dezembro, a Alerj revogou sua prisão. Alexandre de Moraes concedeu liberdade, mas com exigências: deixar a presidência da Alerj, cumprir recolhimento domiciliar, ficar proibido de se comunicar com outros investigados, usar tornozeleira eletrônica, ter seu porte de arma suspenso e entregar seus passaportes.
“Essa revogação [da prisão de Bacellar] mistura níveis de comprometimento”, diz a mesma fonte.
“Tem deputados do grupo dele, que têm cumplicidade e, provavelmente, até alguma ciência dessa relação com o TH. Outros não eram próximos a ponto de saber. Mas ele [Bacellar] estabelece relações: coloca gente em cargos na Alerj, arruma espaço no governo. Isso gera comprometimento.”
Na Alerj, prossegue a fonte, “tudo funciona com acordos”.
“Você vai presidir mais comissões se votar no candidato a presidente que venceu. Eles desrespeitam o regimento quando querem. E quem quiser que vá para a Justiça”, afirma.
Procurada pela BBC News Brasil para comentar a respeito destas declarações, a assessoria de imprensa da Alerj não respondeu até a publicação desta reportagem.

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As buscas em celulares dos acusados levaram as investigações a outro patamar alto da estrutura de poder do Rio.
A PF encontrou indícios de que o desembargador Macário Ramos Júdice Neto era o responsável pelo vazamento da Operação Zargun, que levou à prisão do deputado. Era ele o relator do processo no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2).
Assim como TH Joias, Júdice já havia sido alvo de investigações anteriores. Segundo a PF, ele permaneceu afastado da magistratura por cerca de 18 anos, em razão de suspeitas de venda de sentenças e envolvimento com bicheiros. O processo administrativo prescreveu, e o magistrado foi reintegrado ao Judiciário.
As mensagens analisadas pela PF também indicam, segundo os investigadores, uma relação de extrema proximidade entre Júdice e Bacellar.
Os dois trocavam votos de confiança, se tratavam como “irmãos” e declaravam afeto e admiração. Bacellar nomeou Flávia Ferraço Júdice, esposa do desembargador, para cargo na secretaria-geral de finanças da Alerj.
Júdice escolheu Rodrigo Azevedo Tassari para chefiar seu gabinete. Tassari foi nomeado por Bacellar para exercer um cargo comissionado na Secretaria de Estado de Governo, quando o deputado era titular da pasta.
No celular de Bacellar, a polícia encontrou prova de um encontro entre os dois um dia antes da operação contra TH Joias. Por volta das 22h, Bacellar enviou uma mensagem informando a uma pessoa que estava “no jantar com o desembargador”. Uma hora antes, TH Joias havia mandado o vídeo brincando sobre a impossibilidade de levar todas as carnes guardadas no freezer.
A relação de Bacellar e Castro

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O deputado Rodrigo Bacellar teve uma rápida ascensão na Alerj.
Eleito pela primeira vez em 2018, pelo Solidariedade, o deputado agradou políticos da esquerda e da direita.
Foi indicado pelo então presidente da Casa, André Ceciliano (PT), como relator de processos importantes, como o que levou o ex-governador Wilson Witzel ao impeachment.
Com Castro no poder, ganhou ainda mais espaço: ocupou o cargo de secretário de Estado de governo e indicou nomes para cargos importantes no Executivo.
Em 2023, após ser reeleito, venceu a disputa para assumir a presidência da Alerj. Segundo informações divulgadas na imprensa, Bacellar interferiu na escolha de Castro para o chefe de polícia civil. Em troca da liberação de bilhões do fundo estadual para o governo, ele teria exigido a troca de comando na civil.
José Renato Torres, secretário da polícia civil à época, soube pela imprensa que seria exonerado do cargo e pediu demissão. Castro então nomeou o delegado Marcus Amim – nome defendido por Bacellar – para o cargo.
Para isso, o governador precisou mudar uma lei orgânica da Polícia Civil, que reduzia a obrigatoriedade mínima de 15 anos para 9 anos de serviço. Amim tinha 12 anos de Polícia Civil.
Em nota, os sindicatos dos delegados do RJ e dos policiais civis do Estado, e a Associação dos Delegados de Polícia do RJ criticaram a nomeação.
“Infelizmente, a prática corriqueira de interferências políticas diretas na escolha do chefe da Polícia Civil pelos mais diversos agentes externos, se tornou tão banal e escancarada no Estado do Rio de Janeiro que não causa mais sequer surpresa ou perplexidade a sociedade carioca. Não se pode normalizar e internalizar sem nenhum questionamento a indicação meramente política para um dos principais cargos da segurança pública do Estado”, afirmaram.
Bacellar negou a interferência. No ano seguinte, no entanto, quando Amim foi exonerado do comando da Polícia Civil, o deputado o nomeou para a Superintendência Militar da Alerj. Amim foi exonerado em 18 de outubro pelo presidente em exercício da Alerj, Guilherme Delaroli (PL).
A decisão do STF reforça a influência de Bacellar nas decisões tomadas pelo governador Cláudio Castro.
“A representação também aponta a influência exercida por RODRIGO BACELLAR (…) também no Poder Executivo estadual, onde gere a nomeação de cargos diversos na Administração Pública, inclusive em setores sensíveis à atuação de organizações criminosas, como a Polícia Militar e a Polícia Civil”.
A ligação entre o deputado e o governador era tão próxima que Castro citava Bacellar como seu sucessor no comando do Palácio da Guanabara.
Em maio de 2025, Castro indicou Thiago Pampulha, vice-governador do Rio, para o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. A Alerj aprovou a nomeação.
Sem um vice oficial, o presidente da Alerj assumiria o governo nas ausências do titular. E ganharia espaço e visibilidade com a possibilidade de Castro deixar o cargo de governador, em 2026, para concorrer ao Senado.
“O que se noticiou largamente é que Thiago Pampulha abriria espaço para Bacellar, como presidente da Alerj, assumir o governo interinamente, com o afastamento de Castro para concorrer ao Senado. E, assim, se fazer mais conhecido para disputar o governo do estado do Rio de Janeiro”, lembra Hirata.
Na primeira ausência de Castro, Bacellar demitiu o então secretário de transportes, Washington Reis, que apoiava o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSB), na disputa pelo governo estadual, cargo almejado por Bacellar.
Além da proximidade de Castro com Bacellar, outro ponto da investigação indica possível influência do CV no Executivo. Alessandro Pitombeiro Carracena, subsecretário estadual de defesa do consumidor até o início do ano, também foi preso durante a Operação Zargun. Segundo a investigação, ele recebia e repassava informações sobre operações policiais em áreas dominadas pela facção.
Em nota, a defesa de Carracena repudiou as acusações. “A medida extrema foi fundamentada exclusivamente em mensagens trocadas entre terceiros, localizadas no celular do deputado Thiego Raimundo dos Santos Silva, nas quais o nome de Carracena é mencionado, sem qualquer indício concreto de envolvimento em atos ilícitos”.
A investigação também aponta tentativas de chefes do CV de cooptar Gutemberg Fonseca, titular da secretaria de Defesa do Consumidor.
Segundo o relatório final, obtido pelo jornal Folha de S. Paulo, Fonseca teria se reunido com Gabriel Dias de Oliveira, o Índio, membro do CV preso no mesmo dia que Carracena e TH Joias. Apesar de ter “recebido algum tipo de auxílio”, o secretário não teria atendido aos pedidos dos traficantes.
A secretaria alegou que Gutemberg desconhecia a vida pessoal e o histórico de Índio. Disse ainda que qualquer contato em eventos públicos teria sido “de forma absolutamente casual, sem qualquer ciência sobre qualquer envolvimento ilícito”.
A influência dos grupos armados na política da Baixada
Não é só no governo estadual que as facções do tráfico tentam se infiltrar. Na última eleição, Marcos Aquino, do Republicanos, foi o candidato a vereador mais votado na cidade. Ele é irmão de Luiz Paulo Matos de Aquino, acusado pela polícia de fazer parte de um grupo local do CV que movimentou mais de R$ 30 milhões em 2025.
O vereador estava na casa do irmão, em novembro de 2025, quando a polícia cumpria mandados de prisão na Operação Contenção – Luiz era um dos alvos.
O vereador não era alvo, mas acabou preso. No carro oficial de Aquino, a polícia encontrou uma arma irregular e caixas de diversos remédios de uso controlado. Em nota à revista Veja, a defesa classificou a prisão como arbitrária e perseguição política. Aquino pagou fiança e deixou a cadeia.
Em novembro, a polícia civil prendeu outro vereador da cidade, Ernane Aleixo (PL). Ele é acusado de auxiliar o TCP com suporte logístico ao grupo – fornecendo, inclusive, máquinas para erguer barricadas. O vereador não se pronunciou sobre o assunto.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


