As borbulhas devem ser finas e persistentes, correndo da base à borda enquanto houver líquido na taça. As notas podem variar, há fruta branca ou vermelha e, quem sabe, um toque floral. O que invariavelmente se destaca é o tostadinho perfeito de brioche amanteigado saído da chapa. Quando o líquido é sorvido, as papilas se ouriçam: primeiro uma musse cresce e preenche toda a boca; depois, ela seca, a acidez bate nos cantos da língua, saliva-se muito. O cérebro entende: é hora de mais um gole.
Se você já provou algum champanhe na vida, conhece a sensação. Foi na região francesa de mesmo nome que nasceram os vinhos borbulhantes e onde o estilo virou categoria (o que rendeu uma baita disputa jurídica e hoje só podemos chamar de champanhe o que é feito lá). Tornou-se símbolo de luxo e, por séculos, é o que os ricos elegem para relaxar e celebrar —pense em Maria Antonieta, nos czares russos, no Grande Gatsby, nos rappers.
Se champanhe sempre foi glamouroso e chique, agora dá para ficar ainda mais: com os vintage das grandes maisons, que os ricos amam; ou com os de pequeno produtor, que envolvem uma aura extra de personalidade, ao apostar em terroir, vinhedos próprios e ousadia na vinificação. São eles os retratados no hit de Natal da Netflix, “Borbulhas de Amor”. O filme é ruim, mas a bebida é boa —fiquemos com ela.
No Brasil, temos algumas importadoras que se dedicam às casas menores: a De La Croix, com Fleury, Billecart-Salmon e Larmandier-Bernier; a Uva Vinhos, com Barrat-Masson (de 2010, algo raríssimo); a Tanyno, com Huré Frères, Rodez, La Parcelle, Roger Coulon e Vilmart; e a Anima Vinum, com uma lista que inclui mais de dez maisons, entre eles Robert Moncuit, Thierry Massin, Doyard e Laherte Frère.
Provei os vinhos do último com Aurelien Laherte, que comanda viticultura e enologia. Quando assumiu os negócios da família, há 20 anos, entendeu que havia dois fatores fundamentais a serem dominados: o terroir, hoje com vinhedos em 11 sub-regiões, mas sem desprezar a vinificação. “Em Champagne, o DNA é o blend. Um mais um é três”, diz, referindo-se ao que se pode alcançar no trabalho da adega.
Essencialmente, champanhe é um vinho de alquimia, algo que poderia ser demodé. Hoje, dez entre dez enólogos dizem que o bom vinho se faz no vinhedo: uma vinha bem cuidada dá uvas melhores e, logo, a bebida terá boa qualidade. Mas, na região, a receita desenha o perfil da bebida do começo ao fim. Por exemplo, o tempo que o líquido fica em contato com as leveduras define o nível de cremosidade, se mais fresco ou mais amanteigado.
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Os vinhos de Laherte, por exemplo, resgatam uvas autóctones quase esquecidas, como arbanne e petit meslier. Algumas são plantadas no esquema de field blend (todas misturadas). Outros são os chamados single vineyard, num retrato mais fiel de terroir. Gostei da Champagne Laherte Frères Ultradition, um corte de meunier (60%), chardonnay (30%), pinot noir (10%), mas especialmente do Blanc de Blanc, um 100% chardonnay com perfil oxidativo e acidez que corta como faca, e do Rosé de Meunier, de cor viva, muita estrutura e personalidade.
Não que eu desdenhe das grandes maisons que fizeram a fama de champanhe nos quatro cantos do mundo. Se me encurralassem para um vídeo viral ao estilo “esse ou aquele”, fico completamente gaga. Entre uma Bollinger (maravilhosa, importada no Brasil pela Mistral) ou uma Louis Roederer (finíssima, trazida pela Épice), escolho as duas —e também as recomendo com entusiasmo para o estouro do dia 31.
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Fonte.:Folha de São Paulo


