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26 de dezembro de 2025

Tarifaço dos EUA: Relembre linha do tempo e como Brasil foi afetado

Tarifaço dos EUA: Relembre linha do tempo e como Brasil foi afetado

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“Um desafio inédito” foi a maneira como o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), se referiu ao tarifaço dos Estados Unidos contra o Brasil em seu pronunciamento de véspera de Natal da quarta-feira (24).

Não só o país como todos os parceiros comerciais dos EUA viram suas economias serem atingidas pelas tarifas de importação do presidente norte-americano Donald Trump.

Promessa de campanha

Desde a campanha presidencial, Trump enfatizava em seus comícios como “amava” a palavra “tarifas”. A promessa eleitoral do republicano fazia parte de uma estratégia para fortalecer a economia norte-americana em duas pontas:

  • Favorecer a produção de manufaturados no país;
  • Reduzir o déficit da balança comercial dos EUA.

Trump argumentava que o país viu sua indústria ruir, passando a depender dos importados de todo o mundo. Nesse processo, afirma que os EUA deixaram de ser um país exportador para comprar mais do que vender.

Em 2024, o déficit comercial dos EUA foi de US$ 918,4 bilhões, uma alta de US$ 133,5 bilhões – ou 17% – ante 2023, segundo os dados do BEA (Departamento de Análise Econômica) e do Departamento do Censo dos EUA.

Após retornar à Casa Branca, Trump solicitou uma série de estudos para avaliar o que chamava de desequilíbrio comercial e relações injustas entre os EUA e seus parceiros comerciais. Desde o começo, o Brasil esteve na mira da gestão republicana, num primeiro momento por conta de barreiras aplicadas pelo país no comércio de etanol.

Começa o tarifaço

Chega então 2 de abril, data batizada pelo presidente norte-americano como “Dia da Libertação”. Os países foram atingidos pelas chamadas “tarifas recíprocas”. Na ocasião, a alíquota reservada ao Brasil foi de 10%.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e sua tabela de tarifas • Chip Somodevilla/Getty Images
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e sua tabela de tarifas • Chip Somodevilla/Getty Images

Mais tarde, em julho, Trump voltou a atacar o Brasil, dizendo que o país estava sendo “muito ruim” para os norte-americanos, e criticando o que chamou de censura e “caça às bruxas” por parte do STF (Supremo Tribunal Federal) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O presidente anunciou que elevaria a tarifa aplicada contra produtos brasileiros a 50% a partir de agosto.

Desde então, o comércio entre as partes retraiu e uma tensão política começou a se construir no entorno do imbróglio comercial, à medida que não se formavam canais efetivos de comunicação entre os dois países.

Os envios mensais do Brasil aos norte-americanos vinham se recuperando desde a pandemia, atingindo um pico de US$ 4 bilhões em junho de 2022 e, desde então, mantendo-se numa faixa em torno de US$ 2,5 bilhões e US$ 3,5 bilhões a depender do mês.

Neste ano, desde o auge de US$ 3,8 bilhões de julho, as exportações brasileiras aos EUA caíram a US$ 2,2 bilhões em outubro. No mês de novembro, tiveram ligeira recuperação a US$ 2,6 bilhões.

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Dados do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil) indicam que as compras de café brasileiro pelos EUA recuaram mais de 50% entre agosto e novembro, em relação a 2024. Ainda assim, os Estados Unidos se mantiveram como o principal destino do café exportado pelo Brasil nos primeiros 11 meses de 2025.

Já as exportações de produtos de madeira do Brasil para os Estados Unidos caíram 55% ao longo dos meses em que o tarifaço de Donald Trump esteve em vigor, segundo análise da Abimci (Associação Brasileira da Indústria de Madeira Processada Mecanicamente), com base em dados da Secretaria de Comércio Exterior do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços).

Pauta exportadora

Entre os principais produtos que o Brasil exporta aos EUA, destacam-se:

  1. Óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos, crus: responde por 12,4% das exportações brasileiras para os norte-americanos entre janeiro e novembro de 2025;
  2. Produtos semi-acabados, lingotes e outras formas primárias de ferro ou aço: 9,1%;
  3. Aeronaves e outros equipamentos, incluindo suas partes: 7%;
  4. Café não torrado: 5,2%;
  5. Ferro-gusa, spiegel, ferro-esponja, grânulos e pó de ferro ou aço e ferro-ligas: 4,8%;
  6. Óleos combustíveis de petróleo ou de mineirais betuminosos (exceto óleos brutos): 4,4%;
  7. Sucos de frutas ou de vegetais: 3,9%;
  8. Instalações e equipamentos de engenharia civil: 3,6%;
  9. Celulose: 3,6%;
  10. Carne bovina fresca, refrigerada ou congelada: 3,1%.

Além destes, destacam-se também setores menores que, apesar de não terem envios expressivos para aparecer entre os produtos mais enviados, dedicam praticamente tudo que produzem ao mercado norte-americano. É o caso dos setores de pescados, frutas, madeira e calçados.

Tensão

Com a aplicação da alíquota de 50% em agosto, veio também a politização do debate do tarifaço. Ao incluir em seu discurso o ataque ao Supremo, Trump muniu tanto oposição quanto situação.

O filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, Eduardo, que está nos EUA desde o começo do ano buscando articulação com a direita estrangeira para apoiar o pai, disse que o tarifaço veio como consequência às ações do ministro Alexandre de Moraes. Ao lado do jornalista Paulo Figueiredo, afirmaram que as tarifas foram discutidas em reuniões que eles tiveram com autoridades do governo norte-americano.

Enquanto isso, o governo Lula embarcou em um discurso pela soberania nacional, defendendo as instituições e a indústria do país. A popularidade do presidente da República, que vinha em queda, ganhou fôlego após o petista antagonizar com os Estados Unidos.

Porém, para responder ao tarifaço, articulou-se uma “separação entre Igreja e Estado”. As negociações buscavam enfatizar argumentos técnicos, tentando despolitizar a discussão para evitar atrito ideológico com o governo Trump.

Com apoio do setor privado, o diálogo foi encabeçado pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB).

Vice Presidente da República Geraldo Alckmin durante Videoconferência com Howard Lutnick, Ministro de Comércio dos EUA • Cadu Gomes/VPR
Vice Presidente da República Geraldo Alckmin durante Videoconferência com Howard Lutnick, Ministro de Comércio dos EUA • Cadu Gomes/VPR

O setor privado teve maior abertura com suas contrapartes norte-americanas, e até acesso à Casa Branca, como no caso do empresário Joesley Batista, do grupo J&F.

Contudo, penava a avançar a conversa entre os governos via canais de alto nível. A conversa entre os presidentes também parecia, até então, mais distante ainda.

Abraço, química e virada na maré

Quando Lula foi aos Estados Unidos em setembro para participar da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), não havia sequer sinalização de encontro com seu par norte-americano.

Foi nos corredores da ONU em Nova York onde os dois se encontraram e o diálogo começou, por um acaso, com um abraço.

“Nós não tivemos muito tempo para falar aqui, foram tipo, 20 segundos, mas conversamos, tivemos uma boa conversa e combinamos de nos encontrar na semana que vem, se for do seu interesse. Ele parecia um homem muito legal, na verdade, ele gostava de mim, eu gostava dele. E eu só faço negócios com pessoas de quem gosto”, afirmou Trump em seu discurso à Assembleia Geral.

“Tivemos ali uma química excelente e isso foi um bom sinal.”

Dali em diante os dois tiveram reuniões presenciais e trocaram telefonemas, tratando desde a questão comercial até a articulação entre os dois países para combater o crime organizado.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante reunião com presidente dos EUA, Donald Trump, em Kuala Lumpur, na Malásia 26/10/2025 • REUTERS/Evelyn Hockstein
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante reunião com presidente dos EUA, Donald Trump, em Kuala Lumpur, na Malásia 26/10/2025 • REUTERS/Evelyn Hockstein

Alívio do tarifaço

No dia 14 de novembro, Trump derrubou as tarifas recíprocas aplicadas no dia 2 de abril para uma série de produtos agrícolas comprados pelos EUA. A medida veio em meio aos reflexos do tarifaço nos preços das prateleiras nos supermercados norte-americanos.

Mais tarde, em 20 de novembro, o presidente dos EUA assinou uma ordem executiva que eliminou a tarifa extra de 40% aplicada contra parte dos produtos agrícolas brasileiros, com validade retroativa a 13 de novembro.

De acordo com o Itamaraty, mais de 200 produtos brasileiros tiveram a cobrança adicional suspensa. A decisão contemplou produtos como carne bovina, café, frutas, e também recursos naturais, como petróleo.

Roberto Uebel, economista e professor de Relações Internacionais na ESPM, vê por parte do Brasil uma resposta pragmática e enfática ao tarifaço.

“Foi possível abrir também um canal de diálogo entre os dois governos, entre o presidente Lula e o presidente Trump, e me parece que há uma retomada das relações e um bom entendimento entre os dois líderes”, afirmou.

Nesse sentido, o especialista em direito econômico internacional Emanuel Pessoa destacou como foi importante a articulação com o setor privado.

“O vice-presidente Alckmin mobilizou empresas americanas com operações no Brasil, criando uma frente empresarial que pressionou Washington contra as tarifas. A estratégia foi inteligente e mostrou que a medida prejudicava também interesses americanos”, complementou Pessoa.

Porém, Pessoa ressalta que, apesar de praticamente findo, o período do tarifaço expôs riscos e fraquezas do país.

Pessoa destaca a instabilidade a qual ficou submetida o mercado brasileiro. “Os investidores brasileiros enfrentaram três ondas de impacto. Primeiro, aumento da aversão ao risco nos ativos domésticos. Segundo, pressão cambial. Terceiro, reprecificação setorial”, comentou.

De acordo com ele, os efeitos que ficaram para o Brasil foram predominantemente conjunturais, mas com lições estruturais importantes.

Uebel aponta que vê impactos estruturais em setores muito específicos, como o de calçados, sobretudo da região Sul do Brasil.

“Mais especificamente no Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Até agora, os impactos não foram revertidos, o que pode gerar o fechamento de indústrias, demissões, desemprego, impacto no poder de compra na economia local”, analisou Uebel.

Segundo um estudo da Amcham Brasil (Câmara Americana de Comércio para o Brasil) divulgado em 19 de dezembro, no período entre agosto e novembro, 21 setores apresentaram retração nas vendas para os EUA em comparação com os mesmos meses de 2024. Destes, apenas seis conseguiram compensar suas respectivas perdas com as sobretaxas dos Estados Unidos.

Para os analistas, a lição que fica do tarifaço é a necessidade por abertura comercial.

“Simultaneamente, o governo mapeou mercados alternativos: Arábia Saudita, Vietnã e Singapura para carne bovina; China e Índia para café; aceleração nas negociações Mercosul-UE. Porém, a resposta teve limitações – o Brasil ainda carece de uma política industrial robusta e mecanismos mais ágeis de diversificação. A reação foi eficaz no curto prazo, mas evidenciou a necessidade de estratégias comerciais mais proativas para o futuro”, concluiu Pessoa.

Uebel acredita que podemos esperar ao longo dos próximos meses um caminho para a volta à normalidade das relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos.

Mas o economista e professor de RI na ESPM frisou a importância de o Brasil procurar novos mercados alternativos não só aos EUA, mas também à China, buscando uma relação de parcerias comerciais estratégicas.

“Minha aposta: Índia e Indonésia, que estarão aí entre as quatro maiores economias do mundo a partir de 2050, segundo estudos recentes do Fórum Econômico Mundial e do Banco Mundial. São mercados emergentes importantes”, argumentou.

Em seu pronunciamento, Lula avaliou que “um ano difícil, com muitos desafios” chegou na conclusão de “que todos que torceram ou jogaram contra o Brasil acabaram perdendo“.

“Um ano em que o povo brasileiro sai como o grande vencedor.”

Contudo, o tarifaço ainda não acabou. Nem todos os setores foram poupados da alíquota de 50%, inclusive aqueles que dependem fortemente dos EUA. Estes, seguem lutando para sobreviver.



Fonte: CNN Brasil

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