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19 de dezembro de 2025

A busca pelo panetone perfeito: conheça segredos da fabricação artesanal

A busca pelo panetone perfeito: conheça segredos da fabricação artesanal

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Produzir um panetone de qualidade é uma tarefa desafiadora. “É o Monte Everest da panificação”, costuma dizer o padeiro israelenseamericano Roy Shvartzapel, autoridade no assunto e dono da badalada marca From Roy. Alcançar esse objetivo é para poucos. Cheia de etapas, a receita pede atenção constante ao fermento natural e à delicadeza na junção dos ingredientes, por exemplo.

Caso contrário, todo o trabalho — e dinheiro — é desperdiçado. “Eu já tive perdas de massa, quase chorei de tanta coisa que errei no processo”, confessa o padeiro Ramiro Murillo, da Panadero, em Pinheiros, eleita a padaria número 1 de São Paulo pelo guia VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER 2025/2026 e que confecciona alguns dos melhores panetones da cidade.

Homem sorrindo com panetone na mão
Ramiro Murillo, da Panadero: fabricação o ano todo das versões frutas e chocolate (Henrique Peron/Veja SP)

Ainda assim, apesar de todas as complexidades, hoje muitos confeiteiros, padeiros e chefs querem elaborar o próprio pão doce natalino. E, na maioria dos casos, a busca é por uma receita de toque autoral ou de um fornecedor exclusivo, de preferência artesanal.

Mulher sorrindo e apoiada em balcão
Zestzing Padaria Artesanal: a padeira Claudia Rezende (Ligia Skowronski/Veja SP)

“Todo mundo quer ter um panetone para chamar de seu”, observa Claudia Rezende, da Zestzing Padaria Artesanal, nos Jardins, onde também se vendem ótimos exemplares.

Para descobrir e revelar os segredos dessa receita de origem italiana, a Vejinha foi atrás dos bastidores do concorrido mercado de panetones feitos à moda artesanal. Encontrou uma variedade de massas de qualidade, que desfiam ao toque dos dedos, apresentam leveza ímpar e se desmancham na língua.

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Quase itens de luxo, têm preços acima de 100 reais a unidade de 500 gramas (alguns bem mais caros) e vêm de produções pequenas a médias, que não ultrapassam 5 000 unidades na temporada — como é o caso da Le Blé, padaria de Higienópolis com unidade nos Jardins. Trata-se de um número bem modesto quando comparado à maior indústria do gênero no país, a paulistana Bauducco.

Panetone com recheio de chocolate
Panadero: panetone nas versões frutas e chocolate (Henrique Peron/Veja SP)

Antiga confeitaria nascida no Brás, em 1952, pelas mãos do imigrante italiano Carlo Bauducco, a marca hoje elabora cerca de 100 milhões de panetones por ano (incluindo a versão de chocolate). As fornadas ocorrem em duas fábricas em Guarulhos, na Grande São Paulo, e uma em Extrema, no sul de Minas Gerais, além da nova unidade de Rio Largo, em Alagoas, dedicada às miniaturas.

Os produtos são vendidos no Brasil e em mais de quarenta outros países. De acordo com o italiano Giuseppe Piffaretti, chef confeiteiro e fundador da Copa do Mundo do Panetone, o Brasil é o maior produtor do planeta — superando inclusive a Itália, onde o doce de época foi criado, acreditase, na região de Milão, no século XV, e popularizado no século XX.

O trabalho na Le Blé é quase militar. Apenas o sócio Fabio Pasquale e mais dois confeiteiros participam da missão natalina iniciada em outubro. A rotina é sempre a mesma: três vezes ao dia, eles alimentam o fermento vivo específico, o lievito madre, com água e farinha de trigo.

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“O maior erro é o fermento malcuidado”, crava o padeiro, que lança mão de seus conhecimentos em biologia, adquiridos na graduação em zootecnia, e hoje dá aulas de panetone e panificação a colegas de casas consagradas da cidade.

Homem sorrindo com panetone na mão
Fabio Pasquale, à frente da Le Blé: “O consumidor mudou” (Henrique Peron/Veja SP)

A produção da receita típica — composta fundamentalmente de farinha, manteiga, gema e açúcar (e, ali, um toque de mel) — apresenta duas fases, com intervalo de cerca de catorze horas entre elas. Só no fim dessas etapas são adicionados os complementos que formam um dos quatro sabores disponíveis neste ano, como o mix de frutas cristalizadas (pera, laranja, limão e cereja), com uva-passa e cranberry desidratado, ou o trio de chocolates.

A massa é então disposta nas formas e descansa novamente para crescer. É só após ganhar uma cobertura açucarada de amêndoa, responsável por deixar a crosta da cúpula crocante, que vai ao forno. Depois de 32 minutos, o doce é retirado e imediatamente preso em ganchos, virado de ponta-cabeça, para que não fique abaulado — o famoso ato de “morcegar”. E assim permanece por doze horas para então ser embalado.

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Outro segredo é a aromatização, responsável por deixar aquele perfume inconfundível de panetone. Na Le Blé, uma funcionária é destacada para, diariamente, raspar a casca de mais de trinta laranjas-baía e o dobro desse número de limões-sicilianos. O ofício cuidadoso pode levar até duas horas. Esses cítricos são mesclados com pasta de baunilha brasileira, evitando o atalho das essências sintéticas.

A última fornada ocorre no dia 23. “Panetone vende até o dia 24, quando o pessoal sai no tapa para comprar. Mas, no dia 25, até sobra”, brinca o sócio Martin Jirousek, que, tal qual fazem marcas maiores, forneceu cerca de 1 000 unidades para a Dengo Chocolates, num sistema de parceria.

Vitrine da padaria com itens no balcão
Zestzing Padaria Artesanal: venda exclusiva de panetones no domingo (21) (Ligia Skowronski/Veja SP)

“Na minha padaria, ninguém faz o panetone, só eu”, revela Claudia, da Zestzing, que deve produzir até o dia 19 um total de 1 500 unidades, todas sem conservantes. “Estou quase no limite das reservas”, conta ela, que no último dia de funcionamento do ano, o domingo (21), venderá apenas o disputado doce. “Este ano, nem mandei para muitas degustações de revistas e jornais”, diz, explicando que abriu uma exceção para a VEJA SÃO PAULO — e não é que foi bem colocada?

Outro destaque nas degustações da Vejinha foi a Panadero, que deve assar ao todo cerca de 1 000 unidades neste Natal, apenas nas versões de frutas — laranja e limão confitados na própria casa — e gotas de chocolate. Nem tudo, porém, ocorre sem perrengues. Na semana passada, uma queda de energia fez o lugar perder algumas unidades. “Tive de assar com gerador”, lamenta o padeiro Ramiro Murillo. Mas deu certo.

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Após meses de treinamento, ele adquiriu prática e não erra mais. Para alcançar a excelência, produzia semanalmente ao longo de todo o ano e vendia inclusive por fatia. “Adotei esse ritual como prática quase espiritual. É como ir para a academia”, se diverte. “Fazer toda semana me trouxe mais tônus”, completa o ex-bailarino.

A equipe do restaurante Evvai também precisou “malhar” bastante até chegar à fórmula ideal do pão natalino. Com oito anos de casa, foi só neste Natal que o endereço estrelado lançou oficialmente seu panetone. “Passamos dois anos desenvolvendo até acertar”, afirma o chef e sócio Luiz Filipe Souza sobre o trabalho conjunto com Bianca Mirabili, recém-eleita a Melhor Chef Confeiteira da América Latina em 2025 pelo Latin America’s 50 Best Restaurant.

Panetone com fundo branco
Exemplar do Evvai: restaurantes estão produzindo o próprio doce natalino (Luiz Filipe Souza/Divulgação)

Utilizar a estrutura de um restaurante de alta gastronomia não é simples. “É um malabarismo de horas, esforço e jornadas alternativas”, diz Luiz. Ao todo, são fabricadas apenas 100 unidades das versões de chocolate 65% e de chocolate caramelado com damasco, sempre complementadas com baunilha, laranja-baía, amêndoa e um toque de açafrão italiano.

Muito antes da obsessão de chefs pelos panetones, poucos lugares ousavam fazer a gostosura. É o caso de confeitarias que, assim como a Bauducco, tiveram origem italiana nos anos 1950, como a Cristallo e a Dulca. “Produzimos desde 1951 a receita do meu bisavô, Enrico Garrone, que já a fazia em Turim”, conta a confeiteira Roberta Ferraro, quarta geração à frente da Dulca, onde são fabricados quase 4 000 exemplares neste ano. “Mas sempre que podemos melhorar a matéria-prima, mudamos”, garante ela, que tem acrescentado novas criações, como a versão de cereja amarena.

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“Hoje há muita gente no mercado fazendo panetone muito bom, perfeitamente executado na técnica, e é difícil comparar uma coisa com a outra”, atesta. “O panetone virou um produto brasileiro; o Brasil se apropriou dele como nenhum outro país, talvez até mais do que a Itália”, observa Ramiro. “O consumidor mudou, ele entendeu o que é um panetone melhor”, emenda Fabio.

Pelo jeito, cada vez mais padeiros vão querer alcançar o topo do Everest. Ou melhor, dedicar- se ao pão doce natalino.

Publicado em VEJA São Paulo de 19 de dezembro de 2025, edição nº 2975.

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Fonte.: Veja SP Abril

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