Ser milionário não é mais o que costumava ser. Isso não é um lamento, é um fato. Como a Bloomberg News informou na semana passada, quase um quinto das famílias americanas tem patrimônio líquido de mais de US$ 1 milhão (R$ 5,4 milhões). Um terço delas ganhou esse status desde 2017.
Há, no entanto, uma ressalva importante para esses dados, que vão até 2023: a maior parte dessa riqueza existe apenas no papel. Os Estados Unidos podem estar entrando na era do milionário sem liquidez.
Comparado à alternativa —o não milionário sem liquidez— é um bom problema para se ter. Mas também está redefinindo o que significa ser rico, com implicações profundas tanto para a sociedade quanto para as políticas públicas.
A riqueza dos americanos é resultado, em parte, de um mercado de ações em alta (subiu mais de sete vezes desde o ponto mais baixo em 2009) e do aumento dos valores imobiliários (alta de 125% desde 2009). Muitos americanos se beneficiaram desses mercados por causa de escolhas políticas deliberadas que incentivaram o investimento neles. Em 1989, apenas 32% dos americanos possuíam qualquer ação; em 2022, cerca de 60% possuíam.
A grande mudança veio primeiro da crescente popularidade das contas de previdência privada com vantagens tributárias, que são a forma como a maioria dos americanos poupa.
Folha Mercado
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Desde os anos 1980, as contas de aposentadoria substituíram outras formas de poupança e agora são a maneira como a maioria dos americanos investe nos mercados. Mas essas contas fazem os americanos se sentirem mais ricos do que realmente são.
Primeiro, elas são ilíquidas —ou seja, os investidores não podem retirar seu dinheiro sem pagar uma multa (ou tomar empréstimos com base nele) até completarem 59 anos. Além disso, na maioria das vezes, eles ainda devem pagar imposto de renda sobre o dinheiro —e a alíquota provavelmente será muito maior do que a taxa de imposto sobre ganhos de capital em ativos pós-impostos. Mesmo que os ativos de aposentadoria sejam declarados como outros tipos de ativos financeiros, eles geralmente valem menos.
A outra grande fonte de riqueza é a moradia, que representa cerca de 40% do patrimônio líquido de uma família americana típica. A política também incentiva a propriedade de imóveis: com incentivos fiscais, subsídios para o mercado hipotecário e esforços para manter as taxas de juros baixas. Mas uma casa também é ilíquida. Vender uma casa envolve custos substanciais de transação, e as pessoas que vendem suas casas precisam encontrar outro lugar para morar. O mercado imobiliário pode ser brutal, com preços altos e taxas de hipoteca ainda mais altas.
Tudo isso resulta em uma ilusão na qual dizemos a nós mesmos: Somos ricos! Eu mesma caio nessa. Estou fazendo coisas que nunca fiz antes, como olhar minha conta de corretagem quando o mercado está em alta e verificar anúncios imobiliários de apartamentos semelhantes. É uma sensação boa e, embora eu saiba melhor, é fácil esquecer que, na verdade, sou cerca de 35% menos rica do que parece.
De certa forma, essa riqueza significa que as escolhas políticas dos EUA de incentivar a poupança para aposentadoria e a propriedade de imóveis foram bem-sucedidas. Essas políticas forçam as pessoas a poupar para o futuro, dando-lhes uma aposentadoria mais confortável e menos dependente de benefícios públicos.
Mas há desvantagens. A ilusão de riqueza pode encorajar as pessoas a assumir mais dívidas — e não surpreendentemente, empréstimos sobre o valor líquido da casa se tornaram mais comuns. E, embora as contas de aposentadoria possam significar mais dinheiro para o futuro, elas também aumentam a vulnerabilidade a choques econômicos hoje.
E se uma correção de preços no mercado fizer todos esses americanos ricos no papel se sentirem muito mais pobres e reduzirem seus gastos, cuidado. Os efeitos da riqueza podem ser significativos, mesmo quando os investidores estão olhando para uma conta que não podem tocar por décadas.
É isso que torna essa história muito mais consequente do que um perfil clichê de um milionário que ganha bem mas não tem dinheiro em caixa, tirado direto de um romance de Tom Wolfe. Quando quase 20% da população vale US$ 1 milhão ou mais, US$ 1 milhão realmente já não significa o que significava antes. Se o patrimônio líquido é de um milhão de dólares, a pessoa certamente não é pobre. Mas não é tão rica quanto pode pensar.
Allison Schrager é colunista de economia da Bloomberg Opinion. Pesquisadora sênior do Manhattan Institute, ela é autora de “An Economist Walks Into a Brothel: And Other Unexpected Places to Understand Risk” (sem tradução para o português).
Fonte.:Folha de S.Paulo