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7 de setembro de 2025

‘A Escrava Isaura’, 150, é livro que elabora o Brasil – 16/07/2025 – Tom Farias

‘A Escrava Isaura’, 150, é livro que elabora o Brasil – 16/07/2025 – Tom Farias

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É sedutor supor que a história de um livro, mais do que de seu autor, atravesse séculos, suscitando atualidades e reflexões no pensamento contemporâneo. Isto ocorre com a obra “A Escrava Isaura”, romance escrito pelo mineiro Bernardo Guimarães e publicado em 1875 —ou seja, há 150 anos.

Este livro atravessou minha juventude —como, tenho certeza, atravessou a de muitos que me leem aqui e agora. A novelística histórica de uma mulher branca escravizada (na imagem da televisão, da TV Globo, de 1976, tendo Lucélia Santos no papel principal —e na sua regravação, em 2004, pela TV Record, com Bianca Rinaldi vivendo Isaura) passa a imagem de trama urdida na maldade e sofrimento do cativeiro, algo que emocionou mais da metade de um país altamente televisivo.

O resumo é o seguinte. Isaura é tida por “escrava” branca, que em 1856 fica órfã de mãe, uma linda mulher negra (ou mulata, na terminologia da época). Isaura desconhece a existência do pai, provavelmente o comendador, dono da fazenda, que segundo a narrativa é um “homem libidinoso e sem escrúpulos”. A mãe da protagonista, no momento que fica grávida, era a mucama preferida e fiel da Casa Grande.

Era o reinado de d. Pedro 2º; portanto, no período crucial da escravidão brasileira. Isaura é “adotada” pela viúva do comendador, que a educa com requintes de “dama da corte”. Morta sua protetora, Isaura passa a ser propriedade de Leôncio, o filho que herda o patrimônio da família.

De acordo com Guimarães, Leôncio, de “coração ardendo em chamas”, em função de “paixão febril e delirante”, é loucamente apaixonado por Isaura, mas sem ser correspondido. Ele, nessa insistência, não quer “resignar-se a adiar por mais tempo a satisfação de seus libidinosos desejos” sobre ela. No afã de conquistar seus objetivos, o vilão lança mão de artimanhas, maldades e artifícios escravagistas, dentre eles o de esconder a carta de alforria da pretendida, condicionando-a à viver feito escravizada.

Toda trama de Bernardo Guimarães circula no sofrimento de Isaura e se consome praticamente nos 22 capítulos do romance revelador. Este livro é o mais famoso do autor mineiro, que escreveu outras obras importantes, como “O Garimpeiro”, “O Seminarista” e o enigmático “Rosaura, a Enjeitada”, moça “cor de jambo”, espécie de “A Escrava Isaura” às avessas.

Isaura, ao contrário da personagem televisiva, é tratada pelo autor como “mulatinha”. O tema do negro e da escravidão sempre esteve presente nas obras de Guimarães. Em 1871, no livro “Lendas e Romances”, a narrativa que domina o volume é “Uma História de Quilombolas”, que apresenta o líder Zumbi Cassange, trazendo para a ficção o ambiente do quilombo, e termos africanos em quicongo e quimbundo, das línguas bantu, originárias dos reinos de Angola e região.

Para além da ficção, pode ser que haja correlação familiar de Bernardo Guimarães com a escravidão. O professor Marcus Caetano Domingos mapeia sua genealogia, e prova que o romancista é “afrodescendente”, tanto por parte da mãe Constância Beatriz Oliveira Guimarães, da avó, Thereza de Jesus de Oliveira, quanto da bisavó, Catharina de Oliveira —essa tida no século 18 como “parda e forra”.


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Fonte.:Folha de S.Paulo

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