A nova geração parece mais desperta, mais saudável e mais crítica, mas os números da pesquisa da Unifesp contam outra história. Ou será que contam histórias diferentes sobre o mesmo fenômeno?
Confesso que fiquei confusa e essa confusão, em vez de me paralisar, me fez questionar se não estamos diante de um paradoxo geracional que revela mais sobre nós mesmos do que gostaríamos de admitir.
A pesquisa é clara, alarmante e mostra que 56% dos brasileiros experimentaram álcool antes dos 18 anos. Entre meninas de 14 a 17 anos, 21,6% relatam consumo regular, índice que supera o dos meninos (16,7%). E o pior —75% desses adolescentes não enfrentam qualquer dificuldade para comprar bebidas. A fiscalização falha, a sociedade finge não ver, e o ciclo se perpetua.
Mas aqui mora o paradoxo, pois tudo o que observo nas conversas, nas redes e nos ambientes sociais me diz o oposto e mostra que os jovens adultos parecem estar em rota de colisão com a cultura do álcool. Eles bebem menos e ressignificaram o que significa brindar.
Pesquisas como a Copo Meio Cheio, da Go Magenta, já evidenciam essa virada e mostram que o prazer deixou de ser líquido. Muitos brasileiros estão reduzindo o consumo de álcool em busca de experiências mais equilibradas, conscientes e conectadas ao bem-estar. O mercado do wellness, que movimenta mais de 5 trilhões de dólares globalmente e já ultrapassou o setor de bebidas alcoólicas, não é modismo. É sintoma de uma transformação cultural profunda.
A geração que cresceu com acesso irrestrito a informações, debates sobre saúde mental e dados científicos a um clique de distância sabe o que o álcool faz com o cérebro em formação, sabe sobre a dependência disfarçada de socialização e sabe que o troféu social do copo cheio vem com uma conta alta demais.
Mas então, por que os adolescentes de 14 a 17 anos estão bebendo cada vez mais? Talvez porque ainda estejam presos à fase do pertencimento, à necessidade de aprovação, à influência de um grupo que ainda vê o álcool como símbolo de integração, de ousadia, de passagem para a vida adulta. Aquela vida adulta que, ironicamente, está aprendendo a viver sem ele.
A pergunta que me intriga é se esses dois movimentos fazem parte do mesmo ciclo. Será que os jovens adultos estão amadurecendo justamente por terem presenciado, ou vivido, o exagero? Será que a adolescência ainda precisa atravessar o caos antes de chegar à consciência? Ou será que podemos encurtar esse caminho?
O país está dividido entre o copo e a consciência, entre a tradição de brindar e a revolução de escolher o que entra no corpo, entre a fiscalização que não funciona e a geração que fiscaliza a si mesma através de aplicativos de bem-estar, terapia e autoconhecimento.
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Não há moralismo nesta reflexão. Há, sim, uma tentativa de entender o que está por trás das estatísticas. O álcool sempre foi reflexo da sociedade, e o modo como cada geração se relaciona com ele revela o tipo de futuro que está sendo construído.
Talvez estejamos assistindo à última geração que precisará aprender essa lição da maneira difícil. Talvez a consciência, antes uma conquista da maturidade, esteja se tornando um ponto de partida.
Quero saber o que vocês têm percebido. Os jovens estão realmente bebendo mais ou estão aprendendo a brindar de outro jeito? O futuro é líquido ou é lúcido?
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Fonte.:Folha de S.Paulo


