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- Author, Paul Adams
- Role, Correspondente de Diplomacia da BBC
No início de setembro de 2025, o diplomata palestino Husam Zomlot participou de um debate no think tank (centro de pesquisa e debates) Chatham House, em Londres.
Naquele momento, a Bélgica havia se unido ao Reino Unido, à França e a outros países na promessa de reconhecer um Estado palestino durante a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Zomlot ressaltou que se tratava de um momento significativo.
“O que vocês verão em Nova York pode ser a última tentativa real de implementar a solução de dois Estados”, afirmou. “Que não fracasse.”
Semanas depois, a promessa se concretizou: Reino Unido, Canadá e Austrália — aliados tradicionais de Israel — oficializaram o reconhecimento do Estado da Palestina.
O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, anunciou a decisão no último domingo (21/09) em vídeo publicado nas redes sociais. Canadá, Austrália e Portugal se somaram à medida. Na segunda-feira (22/09), a França confirmou que também reconheceria o Estado palestino.
No vídeo, Starmer afirmou: “Diante do horror crescente no Oriente Médio, agimos para manter viva a possibilidade de paz e de uma solução de dois Estados. Isso significa um Israel seguro e protegido, ao lado de um Estado palestino viável — no momento, não temos nenhum dos dois.”
O Estado da Palestina é atualmente reconhecido por cerca de 150 dos 193 Estados-membros da ONU, incluindo o Brasil, mas não possui fronteiras, capital ou Exército reconhecidos internacionalmente, o que torna o reconhecimento majoritariamente simbólico.
A adesão do Reino Unido e de outros governos é considerada um marco político.
“Palestina nunca esteve tão forte no cenário internacional como agora”, afirma Xavier Abu Eid, ex-funcionário palestino. “O mundo está mobilizado pela Palestina.”
A decisão recebeu duras críticas do governo israelense, das famílias dos reféns mantidos em Gaza pelo Hamas e de alguns conservadores. Em resposta, ainda no domingo, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou que um Estado palestino “não vai acontecer”.
Mas surgem questões complexas: o que é exatamente a Palestina? Existe de fato um Estado a ser reconhecido?

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A Convenção de Montevidéu de 1933 estabelece quatro critérios para a formação de um Estado.
A Palestina pode reivindicar dois deles: população permanente — embora a guerra em Gaza coloque isso em risco — e capacidade de estabelecer relações internacionais, exemplificada pela atuação do diplomata Husam Zomlot.
Ainda assim, falta o requisito de “território definido”.
Sem acordo sobre fronteiras finais e sem processo de paz em andamento, é difícil precisar o que se entende por Palestina.
Para os palestinos, o Estado sonhado inclui três áreas: Jerusalém Oriental, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, ocupadas por Israel desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967 — conflito entre Israel e os países árabes vizinhos.
Uma rápida olhada no mapa já deixa claro onde os problemas começam para esse aspecto.
A Cisjordânia e a Faixa de Gaza estão geograficamente separadas por Israel há três quartos de século, desde a independência de Israel, em 1948.
Na Cisjordânia, a presença de militares israelenses e colonos judeus limita a Autoridade Palestina — criada após os Acordos de Oslo, nos anos 1990 — a cerca de 40% do território. A expansão de assentamentos judaicos desde 1967 fragmentou ainda mais a região, enfraquecendo sua coesão política e econômica.
Enquanto isso, Jerusalém Oriental, considerada pelos palestinos como capital, foi cercada por assentamentos judaicos, que a isolaram progressivamente da Cisjordânia.
A situação de Gaza é ainda mais grave. Após quase dois anos de conflito, deflagrado pelos ataques do Hamas em outubro de 2023, grande parte do território foi devastada.
Mas como se tudo isso não bastasse, há um quarto critério da Convenção de Montevidéu que é necessário para reconhecer a condição de estado: um governo funcional.
Esse é hoje um dos maiores desafios para os palestinos.
‘Precisamos de uma nova liderança’
Em 1994, um acordo entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) levou à criação da Autoridade Nacional Palestina (conhecida simplesmente como Autoridade Palestina ou AP), com controle parcial sobre os palestinos em Gaza e Cisjordânia.
Desde 2007, após o conflito sangrento entre o Hamas e a principal facção da OLP, o Fatah, os palestinos em Gaza e na Cisjordânia passaram a ser governados por dois governos rivais: o Hamas em Gaza e a Autoridade Palestina, reconhecida internacionalmente na Cisjordânia e presidida por Mahmoud Abbas.

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São 77 anos de separação geográfica e 18 de divisão política — tempo suficiente para a Cisjordânia e a Faixa de Gaza se afastarem ainda mais.
A política palestina se cristalizou nesse período, deixando a maioria da população cética em relação à liderança e pessimista quanto a qualquer reconciliação interna, muito menos avanços rumo à formação de um Estado.
As últimas eleições presidenciais e parlamentares ocorreram em 2006. Nenhum palestino com menos de 36 anos votou na Cisjordânia ou em Gaza.
“O fato de não termos tido eleições durante todo esse tempo é simplesmente incompreensível”, diz a advogada palestina Diana Buttu à BBC News. “Precisamos de uma nova liderança.”

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Com a guerra em Gaza iniciada em outubro de 2023, o problema se tornou ainda mais urgente.
Diante da morte de dezenas de milhares de cidadãos, a Autoridade Palestina de Mahmoud Abbas, sediada na Cisjordânia, ficou reduzida a um papel de espectadora indefesa.
Anos de discórdia interna
As tensões na liderança palestina são antigas.
Quando o então presidente da OLP, Yasser Arafat, voltou do exílio para comandar a Autoridade Palestina, políticos locais palestinos se sentiram marginalizados. Os “locais” passaram a ressentir o estilo autoritário dos “de fora”. Rumores de corrupção no círculo de Arafat agravaram a imagem da AP.
E algo ainda mais grave, a recém-formada Autoridade Palestina mostrou-se incapaz de deter a gradual colonização israelense com assentamentos na Cisjordânia ou de cumprir a promessa de independência e soberania simbolizada pelo aperto de mãos entre Arafat e o então premiê israelense Yitzhak Rabin, em setembro de 1993, no gramado da Casa Branca.

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Os anos seguintes foram marcados por negociações fracassadas, expansão contínua de assentamentos, violência de extremistas de ambos os lados, guinada política de Israel à direita e o racha violento de 2007 entre Hamas e Fatah.
“Em condições normais, novas figuras, novas gerações teriam surgido”, diz o historiador palestino Yezid Sayigh. “Mas isso foi impossível… Os palestinos nos territórios ocupados estão fragmentados em pequenos espaços separados, o que praticamente inviabiliza o surgimento e a união de novas lideranças.”

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No entanto, uma figura emergiu: Marwan Barghouti.
Nascido e criado na Cisjordânia, ele ingressou no Fatah aos 15 anos, facção da OLP liderada por Arafat.
Barghouti tornou-se líder popular durante a Segunda Intifada palestina (2000-2005), antes de ser preso e acusado de planejar ataques que mataram cinco israelenses.
Ele, que sempre negou as acusações, está preso em Israel desde 2002.
Mesmo assim, quando se fala em possíveis futuros líderes palestinos, seu nome surge com frequência — apesar de estar encarcerado há mais de duas décadas.

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Pesquisa recente de opinião do Palestinian Centre for Policy and Survey Research (Centro Palestino para Estudos de Pesquisa e Políticas, em tradução livre), na Cisjordânia, apontou que 50% dos palestinos escolheriam Barghouti como presidente, bem à frente de Abbas, no cargo desde 2005.
Embora seja dirigente do Fatah, em conflito histórico com o Hamas, acredita-se que seu nome conste na lista de prisioneiros políticos que o grupo islâmico deseja libertar em troca dos reféns israelenses mantidos em Gaza.
Israel, no entanto, não sinalizou disposição de libertá-lo.

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Em meados de agosto de 2025, veio a público um vídeo em que Barghouti, 66, aparece abatido e frágil, sendo hostilizado por Itamar Ben Gvir, ministro da Segurança Nacional de Israel. Foi sua primeira aparição pública em anos.
Netanyahu e o Estado palestino
Mesmo antes da guerra em Gaza, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, já deixava clara sua oposição à criação de um Estado palestino.
Em fevereiro de 2024, afirmou: “Todos sabem que eu sou quem, durante décadas, bloqueou o estabelecimento de um Estado palestino que colocaria nossa existência em risco.”
Apesar de pressões internacionais para que a Autoridade Palestina reassuma o controle de Gaza, Netanyahu insiste que não haverá papel para a Autoridade Palestina no futuro governo do território. Ele alega que Mahmoud Abbas não condenou os ataques do Hamas em 7 de outubro.
Em agosto, Israel deu aprovação final a um projeto de assentamento que deve cortar Jerusalém Oriental da Cisjordânia, autorizando 3.400 moradias. O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, declarou que o plano “enterraria a ideia de um Estado palestino, porque não há nada a reconhecer e ninguém para reconhecer”.
Isso, argumenta o historiador Yezid Sayigh, não é uma situação nova.
“Você poderia trazer o arcanjo Miguel à Terra e colocá-lo no comando da Autoridade Palestina, e não faria diferença. Porque as condições de trabalho tornam qualquer sucesso totalmente impossível. E isso já ocorre há muito tempo.”

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Se um Estado palestino for criado, é certo que não será governado pelo Hamas.
Uma declaração elaborada em julho, ao fim de uma conferência de três dias patrocinada por França e Arábia Saudita, afirmou: “O Hamas deve encerrar seu governo em Gaza e entregar suas armas à Autoridade Palestina.”
O texto, conhecido como “Declaração de Nova York”, recebeu apoio de todos os países árabes e foi posteriormente adotado por 142 membros da Assembleia-Geral da ONU.
Por sua vez, o Hamas declarou estar disposto a transferir a autoridade em Gaza a uma administração independente formada por tecnocratas.
O simbolismo do reconhecimento é suficiente?
Com Marwan Barghouti preso, Abbas próximo dos 90 anos, o Hamas enfraquecido e a Cisjordânia fragmentada, fica evidente a falta de liderança e coesão palestina. Isso não significa, no entanto, que o reconhecimento internacional seja irrelevante.
“Na verdade, pode ser muito valioso”, avalia a advogada Diana Buttu. Mas ela faz uma ressalva: “Depende de por que esses países estão fazendo isso e qual é sua intenção.”
Um funcionário do governo britânico, sob anonimato, disse que o simples simbolismo do reconhecimento não basta: “A questão é se conseguiremos progredir em direção a algo que faça com que a Assembleia Geral da ONU não se torne apenas uma festa de reconhecimento.”

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A Declaração de Nova York comprometeu os signatários, entre eles o Reino Unido, a adotar “medidas concretas, com prazos definidos e irreversíveis, para a solução pacífica da questão da Palestina”.
Autoridades britânicas ressaltam pontos da Declaração de Nova York que tratam da unificação de Gaza e da Cisjordânia, do apoio à AP e das eleições palestinas, bem como de um plano de reconstrução árabe para Gaza, como os tipos de medidas que precisam seguir o reconhecimento.
Os obstáculos, no entanto, são considerados enormes.
Israel segue firmemente contrário e ameaça retaliar com a anexação formal de partes ou de toda a Cisjordânia.
Enquanto isso, o presidente dos EUA, Donald Trump, manifestou insatisfação com o tema na quinta-feira (18/09): “Tenho uma discordância com o primeiro-ministro nesse ponto.”

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Em agosto de 2025, os EUA deram um passo incomum ao revogar ou negar vistos a dezenas de autoridades palestinas, em possível violação às próprias regras da ONU.
O país detém poder de veto na ONU sobre qualquer reconhecimento de um Estado palestino, e Trump continua vinculado a uma versão de seu chamado “Plano Riviera”, no qual os EUA assumiriam “uma posição de propriedade de longo prazo” sobre Gaza.
O plano, de forma crucial, não menciona a Autoridade Palestina, referindo-se apenas a uma “autogovernança palestina reformada”, sem prever vínculo futuro entre Gaza e Cisjordânia.
O destino de Gaza pode situar-se em algum ponto entre a Declaração de Nova York, o plano de Trump e a proposta árabe de reconstrução.
Cada iniciativa, a seu modo, busca extrair algo da calamidade que atingiu Gaza nos últimos dois anos. Qualquer arranjo futuro, no entanto, terá de responder à questão sobre como será a Palestina e sua liderança.
Para palestinos como a advogada Diana Buttu, há, porém, uma urgência maior. O que realmente deseja, afirma, é que esses países impeçam novas mortes.
“E façam algo para detê-las, em vez de focar apenas na questão do Estado.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL