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15 de novembro de 2025

A placa de três pinos – 15/11/2025 – Antonio Prata

A placa de três pinos – 15/11/2025 – Antonio Prata

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Vou falar, mesmo sabendo do risco de ser cancelado: a tomada de três pinos é uma injustiçada. Ok, calma –desviando de ovos, de tomates e de tuítes pontiagudos–, digo que estou com vocês. Não a defendo. Foi uma ideia de jerico. Moro num prédio velho. As tomadas do meu apartamento são de dois pinos. Já os 10 ou 15 eletrodomésticos que eu tenho exibem toda a exuberância e desorganização da indústria brasileira nos últimos 50 anos: dois pinos, três pinos, dois ferrinhos paralelos, dois ferrinhos paralelos com um pino em cima, três pinos grossos que não cabem em tomada alguma, nem que as minhas fossem de três pinos. É um caos, concordo –e só piora quando a moça da loja Multicoisas, na esquina, me informa que benjamins são hoje mais proibidos do que branco de cocar em bloco de Carnaval.

Por que, reconhecendo todo o perrengue social causado pela tomada de três pinos, a chamei de injustiçada? Pois eu acho que houve outra ideia de jerico, na mesma época, ainda mais danosa, que passou despercebida –talvez obliterada pela polêmica eletro-perfunctória– merecedora do podium no último círculo do inferno. A inserção infeliz de uma letra no meio dos números da placa do carro. O meu aquecedor, de dois ferrinhos paralelos e um pino eu consigo encaixar num adaptador antigo. O airfryer de três pinões eu conecto num benjamim, comprado no mercado negro –o trafica vende benjamins, maconha, MD e cocar pra bloco de Carnaval. A placa do carro que eu tenho há mais de três anos, contudo, não entra na minha cabeça de forma alguma.

Quando eu era criança, eram duas letras e quatro números. Bico de decorar. Meus pais tiveram uma Brasília JM 5870: meu tio José Maria, a primeira Copa e o tri. Um Fusca MG 7789: Minas Gerais, meu nascimento e a eleição do Collor. Na minha adolescência ficou um pouquinho mais complexo, adicionaram uma letra. (Não chega aos pés, contudo, do terceiro pino). Meu primeiro carro, um Corsinha, era um “Glória A Deus revolução francesa”: GAD 1789. Eu sabia até a placa do Ford K do Binho, meu amigo, VTC 6969 –mas vou poupá-los da tradução.

Eu entendo que a população cresce. As linhas telefônicas e a frota de carros também. Mas por que diabos, em vez de colocarem mais uma letra ou mais um número –o que nos daria, por exemplo, um Todo Dia Como Hambúrguer Olimpíadas de Los Angeles (TDCH 1984)– resolveram misturar letras e números? TNB 1J98. VOP 7G56. DTN 6N78. Vai decorar um negócio desses? É impossível.

Houve muitas fake news sobre as tomadas de três pinos. Que a fábrica era do filho do Lula. Que a fábrica era da filha da Dilma. Que a fábrica era de um neto do filho do Lula com a filha da Dilma. Vou criar uma fake news sobre essas placas embaralhadas: foram criadas pela IA, antes mesmo de serem lançados Chat GPTs e correlatos, pra já começar a nos confundir e nos deixar dependentes de um HD externo. Eu tenho, no meu celular, umas 653 fotos da placa do meu carro. Uma pra cada estacionamento em que eu parei nos últimos três anos. A cada vez que o manobrista pergunta “qual a placa?” eu pego o telefone, confiro a imagem e alimento, assim, o monstro que há de nos comer. Com dois pinos, três pinos, USB, USB C, HDMI ou todas as outras bocarras a serem inventadas.


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Fonte.:Folha de S.Paulo

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