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20 de setembro de 2025

A plateia no palco: o papel do paciente nos congressos médicos

A plateia no palco: o papel do paciente nos congressos médicos

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Saímos do Agosto Branco, mês dedicado à conscientização sobre a prevenção e o enfrentamento do câncer de pulmão. Para quem já atua no cenário, um mês atropelado por uma enxurrada de congressos, simpósios e debates.

A parte bonita é que todos eles exibiam avanços notáveis: novas drogas, terapias-alvo, imunoterapias, cirurgias menos invasivas, inteligência artificial aplicada ao diagnóstico (ufa!). Sim, tudo isso é essencial: salva vidas, muda estatísticas, transforma prognósticos. Mas…

O paciente ainda está fora do centro da cena

Ainda assim, há um silêncio que ecoa mais alto do que qualquer auditório lotado: a ausência do paciente. O protagonista segue nos bastidores, quando deveria ocupar o centro da cena.

Essa ausência não é apenas simbólica. Ela influencia o modo como são pensadas as políticas públicas, as prioridades de pesquisa e até os objetivos finais de tratamento. Como disse uma de nós, Evelin Scarelli, paciente e vice-presidente do Instituto Oncoguia:

“Quando usamos um espaço que reúne o especialista no assunto com o especialista na própria experiência, conseguimos fortalecer, capilarizar e validar a causa do câncer com uma potência ainda mais coletiva. O paciente, quando compartilha a própria jornada de forma real e segura sobre o seu diagnóstico e processos, ajuda a quebrar o estigma do câncer associado apenas à morte e ao medo. Unimos ciência, biologia e fortalecemos a importância de colocar o paciente no centro do cuidado, inspirando os presentes para que também o enxerguem como indivíduo em sua biografia, na relevância de sua história e voz.”

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Nos congressos brasileiros, a participação do paciente ou de suas associações ainda costuma ser escassa, quase decorativa. Estandes tímidos, escondidos, representantes sem destaque na programação… É o paciente versão “nota de rodapé”.

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Em congressos internacionais, a presença do paciente e de ONGs já faz parte do script. Aqui, ainda tropeçamos em barreiras formais e informais que repetem o velho refrão: “talvez não seja o melhor lugar para você”. Mas é. E deveria ser cada vez mais.

“Nos congressos internacionais, a participação do paciente faz parte de um coletivo esperado, inclusivo e celebrado. Aqui, muitas vezes, ouvimos com um certo conforto que a Anvisa não libera sua circulação em espaços permeados pela indústria, e também percebemos um cenário que não valida ou compreende toda a importância na questão de ampliar esse espaço. Temos um novo paciente, muitas vezes fortalecido pelos serviços das ONGs que o abraçam, que realmente não se coloca apenas como interessado em compartilhar a sua história; ele quer aprender, se conectar e fortalecer causas coletivas.

Experiências que apontam para um novo caminho

Temos, no entanto, experiências que nos demonstram um caminho promissor. No Simpósio Nacional do Grupo Brasileiro de Oncologia Torácica (GBOT) do ano passado, houve uma sala de pacientes com programação própria, construída em parceria com o Oncoguia, associação de defesa dos pacientes com câncer.

Foi uma experiência riquíssima, que incluiu pacientes, familiares, médicos e organizações, e mostrou como a inclusão pode mudar a dinâmica de um congresso inteiro.

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Mais do que um espaço de fala, é preciso reconhecer a legitimidade da presença do paciente como parceiro de construção.

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“Quando nos é permitido um espaço institucional nos congressos, não é só o paciente que ganha. O médico também percebe que consegue ampliar ainda mais uma parceria no cuidado: ele tem ao lado uma organização que vai apoiar seu paciente em demandas de direitos sociais, em acolhimento, encorajamento e em informação de utilidade. É nesse movimento que o paciente deixa de estar isolado e passa a estar realmente no centro do cuidado.”

E há algo ainda maior: o paciente não traz apenas a própria história clínica. Ele carrega a experiência de navegar no sistema, enfrentar barreiras, buscar informação e fazer esse conhecimento circular fora das paredes dos congressos, em linguagem acessível.

“Uma vez parte indispensável deste movimento, o paciente ou organização que represente sua voz pode trocar, aprender e se atualizar, digerir uma informação e permitir de forma coletiva e em parceria com as sociedades médicas que a causa do câncer – que inclui prevenção, acesso e tratamento – siga para além dos muros da oncologia. O paciente no centro e ao lado. Nada sobre nós, sem nós.”

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A hora de devolver o palco ao paciente

Se congressos são, por natureza, espaços de troca, está na hora de ampliar o escopo dessa troca. Que não sejam apenas vitrines tecnológicas, mas fóruns de diálogo em que ciência e experiência de vida se encontram, sem competirem, numa construção cooperativa.

Se defendemos que o paciente está no centro do cuidado, não faz sentido deixá-lo sentado na plateia, assistindo de longe. É hora de virar o refletor para quem sempre esteve na sombra e devolver ao paciente o palco que sempre lhe pertenceu.

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Fonte.:Saúde Abril

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