Apesar da narrativa comum entre grupos mais alinhados à esquerda, de que a polícia seria uma instituição predominantemente racista, dados apontam que embora a violência atinja com mais força a população negra no Brasil, os próprios policiais pretos e pardos são as maiores vítimas da criminalidade.
Segundo a nova edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicada em julho, a maioria (65,4%) dos policiais assassinados no Brasil ao longo de 2024 é negra – isto é, preta ou parda. Quanto às mortes violentas em geral, os negros também são maioria, representando 4 a cada 5 vítimas.
Segundo os dados mais recentes do IBGE, pretos e pardos respondem por 55,5% da população brasileira, mas representam um volume maior de mortes violentas do que os brancos. Para fontes ouvidos pela reportagem, essa divergência não tem a ver com preconceito racial, mas com fatores socioeconômicos, diferentes contextos regionais de violência e, principalmente, a expansão cada vez maior de facções criminosas em estados do Norte e Nordeste, que agregam a maior parte da população negra do país.
“O consumo de drogas, que explodiu no Brasil principalmente nos últimos 15 anos, levou ao enriquecimento de facções criminosas, que hoje são os principais instrumentos de violência de massa”, explica Olavo Mendonça, pesquisador de segurança pública e autor do livro “A guerra civil do crime no Brasil”.
Norte e Nordeste, com maioria negra, concentram mais mortes violentas
Segundo o relatório do 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, as regiões no Norte e Nordeste permanecem como as mais violentas do país, “enquanto Sul e Sudeste se consolidam como aquelas que concentram as menores taxas de mortes violentas intencionais do país”.
As duas regiões apontadas como mais violentas possuem as maiores taxas de população negra e também são as mais vulneráveis socioeconomicamente. O levantamento também apontou que os dez municípios mais violentos do país – isto é, que possuem as maiores taxas de mortes violentas por 100 mil habitantes – estão no Nordeste, divididos entre os estados da Bahia, Ceará e Pernambuco.
A Bahia, governada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) há 18 anos consecutivos, ocupa o segundo lugar entre os estados cuja polícia é mais letal. Do outro lado está São Paulo, como o estado em que há menos mortes pela polícia. Mas uma simples culpabilização da polícia baiana pelas mortes seria equivocada, já que a violência no estado está muito acima da média do país – o estado é o segundo com o maior número de homicídios no país –, o que fomenta mais confrontos entre criminosos e forças de segurança.
“Isso mostra que nos estados mais violentos, a polícia – como um meio legítimo do Estado – tem que utilizar da força necessária e legal para conter a injusta agressão e conter assaltos, sequestros, homicídios, tráfico de drogas e as facções criminosas, quando há confrontos. E nisso obviamente existem as baixas, tanto de policiais quanto de criminosos”, pontua Mendonça.
Racismo policial é leitura ideologizada da segurança pública, diz pesquisador
Em vários dos estados em que há maior letalidade policial, as taxas gerais de homicídios são mais altas do que a média do país. Como exemplo, Amapá e Bahia foram os estados em que houve as maiores taxas de letalidade policial em 2024, segundo o Anuário. Os dois estados também são os primeiros colocados no ranking de mortes violentas em geral.
“Dizer que há uma predileção por homicídios, cometidos por policiais ou não, em determinado segmento racial ou em uma camada social específica reflete uma leitura ideologizada da segurança pública, que busca explicar cenários complexos pelo viés identitário”, explica Fabricio Rebelo, coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes).
“O que se deve sempre buscar para a análise referencial da segurança é objetivo, traduzido na recorrência de crimes no universo a ser pesquisado. Assim, se em um determinado local mais crimes são praticados por segmentos específicos, raciais ou sociais, é natural que neles se registrem mais mortes”, diz Rebelo.
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Composição racial das polícias não tem relação com letalidade
A Gazeta do Povo tentou estimar o quantitativo racial de policiais militares e civis em cada estado do país. A reportagem enviou a todos os governos estaduais, via Lei de Acesso à Informação (LAI), pedido de informações sobre o percentual de raças de todo o efetivo.
Apenas 12 estados enviaram os dados – parte das negativas alegou que se tratam de informações sigilosas, enquanto outros estados afirmaram não dispor de banco de dados com as informações.
Com base nos dados levantados (veja na íntegra ao final da reportagem), é possível identificar que não há correlação entre maior percentual de policiais brancos e aumento da letalidade policial. O Pará, por exemplo, é o estado com mais policiais negros (77% do efetivo), e mesmo assim está na terceira posição em letalidade policial, com 7 mortes a cada 100 mil habitantes. O estado, entretanto, possui alto índice de violência e ocupa a oitava posição entre os estados com maior taxa de homicídios.
A apuração da Gazeta do Povo apontou também que Santa Catarina é o estado com o maior percentual de policiais brancos (84% do efetivo). Mesmo assim, a letalidade policial no estado é uma das menores do país, com 1 morte a cada 100 mil habitantes. O cenário de violência no estado catarinense, entretanto, é consideravelmente menor – Santa Catarina é o segundo estado com o menor índice de mortes violentas no país, atrás apenas de São Paulo.
“O policial é um extrato da própria realidade da sua região. Então obviamente, se é um estado que tem a maioria de negros e pardos, a polícia vai ter a maioria de negros e pardos. É ilógico argumentar que a polícia é racista e que na hora de uma troca de tiros o policial, muitas vezes também negro, vai atirar primeiro no que é negro. Isso é um discurso ideológico que beira até o cinismo”, diz Mendonça.
Gráfico – Levantamento racial polícias brasileiras
Estado | Brancos | Negros (pardos e pretos) | Amarelos e indígenas |
Amazonas | 20% | 80% | 0% |
Ceará | 35% | 59% | 6% |
Distrito Federal | 38% | 61% | 1% |
Espírito Santo | 41% | 58% | 1% |
Minas Gerais | 42% | 57% | 2% |
Pará | 9% | 77% | 13% |
Paraná | 70% | 29% | 1% |
Pernambuco | 28% | 69% | 3% |
Rio Grande do Sul | 81% | 19% | 0% |
Rondônia | 25% | 74% | 1% |
São Paulo | 62% | 38% | 1% |
Santa Catarina | 84% | 16% | 0% |
Fontes: Secretarias Estaduais de Segurança Pública / Polícias Militar e Civil dos estados
Fonte. Gazeta do Povo