
Crédito, EPA/André Borges
- Author, Leandro Prazeres*
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília e São Paulo
“Ofensas, inverdades e grosserias inaceitáveis.” O Itamaraty classificou assim as declarações de um ministro do governo de Benjamin Netanyahu que chamou Lula de “antissemita”, em uma nova troca de ofensas entre os dois países.
A declaração do governo brasileiro foi feita em uma publicação no perfil do Ministério das Relações Exteriores (MRE) no X (antigo Twitter), no início da tarde desta terça-feira (26/8).
“O Ministro da Defesa e ex-chanceler israelense, Israel Katz, voltou a proferir ofensas, inverdades e grosserias inaceitáveis contra o Brasil e o Presidente Lula”, diz um trecho da publicação.
A resposta brasileira aconteceu após Katz criticar o governo brasileiro e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), acusando-o de ser um “apoiador do Hamas” em uma postagem nas suas redes sociais.
“Agora ele [Lula] revelou sua verdadeira face como antissemita declarado e apoiador do Hamas”, disse Katz.
A publicação de Katz acontece após o governo brasileiro se retirar da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA, na sigla em inglês). A saída do Brasil da organização aconteceu em meio ao estremecimento das relações entre os dois países.
Na postagem, Katz publicou uma foto de Lula modificada como se ele fosse uma marionete do líder supremo do Irã, Ali Khamenei, um dos maiores adversários políticos de Israel.
Na resposta brasileira, o Itamaraty volta a acusar Israel de genocídio contra o povo palestino.
“Como Ministro da Defesa, o senhor Katz não pode se eximir de sua responsabilidade, cabendo-lhe assegurar que seu país não apenas previna, mas também impeça a prática de genocídio contra os palestinos.”
Rebaixamento anunciado pela imprensa
A resposta do Brasil às declarações de Katz também veio após o jornal Haaretz, um dos mais importantes e antigos do país e que faz uma cobertura crítica da guerra em Gaza, publicar uma reportagem informando que Israel teria “rebaixado” as relações bilaterais com o Brasil.
Segundo a reportagem, o motivo teria sido a falta de resposta do governo Lula à indicação de Gali Dagan ao cargo de embaixador no Brasil, deixando de conceder o agrément — consentimento à nomeação de um diplomata estrangeiro para atuar em seu território. O posto está vago há duas semanas.
“Após o Brasil, excepcionalmente, recusar-se a atender a um pedido de reunião do Embaixador Dagan, Israel retirou o pedido e as relações entre os países passaram a ser conduzidas em um nível diplomático inferior”, disse o Ministério das Relações Exteriores de Israel ao Haaretz.
O ministério israelense acrescentou que “continua mantendo contato próximo com os diversos círculos de amigos que Israel mantém no Brasil”.
No entanto, um diplomata brasileiro ouvido em caráter reservado pela BBC News Brasil afirmou que o governo brasileiro não teria sido comunicado formalmente sobre a decisão do governo israelense. Além disso, a fonte informou que a figura do “rebaixamento” no nível das relações entre países não existe formalmente.
A fonte disse ainda que, na prática, tanto a embaixada brasileira em Tel Aviv quando a embaixada de Israel em Brasília continuam funcionando, ainda que sem a presença de embaixadores.
A BBC News Brasil pediu posicionamento oficial do governo israelense, e atualizará o texto em caso de resposta.
O declínio das relações entre Brasil e Israel
A troca de críticas entre Brasil e Israel nas últimas 24 horas é o mais recente episódio de uma longa lista que marca a deterioração das relações entre os dois países desde que Lula assumiu o governo.
Desde o ano passado, Lula é considerado persona non grata pelo governo israelense. Na diplomacia, esta é uma das medidas mais graves de descontentamento de um país em relação a outro.
Quem anunciou que Lula não era mais bem-vindo em Israel foi o mesmo Israel Katz, que agora volta ao atacar Lula, em uma reunião com o então embaixador do Brasil no país, Frederico Meyer, no Museu do Holocausto.
Na ocasião, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou que a comparação havia ultrapassado uma “linha vermelha”.
O governo brasileiro considerou a situação em que Meyer foi colocado como um insulto ao país.
Em maio de 2024, Lula decidiu retirar Meyer de Israel, que não tem um embaixador brasileiro no posto até hoje.
O governo brasileiro também não respondeu à indicação de um novo embaixador por Israel.
Celso Amorim, assessor para assuntos internacionais da Presidência da República e ex-chanceler, disse à TV Globo que o Brasil não vetou o nome.
“Pediram um agrément e não demos. Não respondemos. Simplesmente não demos. Eles entenderam e desistiram. Eles humilharam nosso embaixador lá, uma humilhação pública. Depois daquilo, o que eles queriam?”, questionou Amorim.
Faixa de Gaza
Amorim afirmou ainda que o Brasil não é contra Israel, mas contra a política do atual governo.
“Queremos ter uma boa relação com Israel. Mas não podemos aceitar um genocídio, que é o que está acontecendo. É uma barbaridade. Nós não somos contra Israel. Somos contra o que o governo Netanyahu está fazendo.”
Netanyahu diz que as acusações de genocídio em Gaza são “uma campanha de mentiras”.
A guerra em Gaza foi desencadeada pelo ataque liderado pelo grupo palestino Hamas a Israel em 7 de outubro. Na ocasião, cerca de 1.200 pessoas foram mortas e outras 251 foram levadas para Gaza como reféns.
Israel respondeu com uma grande ofensiva militar que dura até hoje e matou mais de 62.744 pessoas no território palestino, segundo dados do Ministério da Saúde administrado pelo Hamas (e considerados confiáveis pelas Nações Unidas).
O governo Netanyahu tem sido cada vez mais criticado pela crise humanitária desencadeada por sua ofensiva em Gaza, onde seus moradores passam fome, segundo a ONU.
Isso levou uma série de países a reconhecer que reconhecerão o Estado Palestino ou a dizer que farão isso, entre eles França, Canadá, Reino Unido, Portugal, Espanha e Noruega.
Atualmente, 147 dos 193 Estados-membros da ONU fazem esse reconhecimento formal — o Brasil é um deles desde 2010. Israel se opõe fortemente à proposta.
O fator Trump
As relações entre os países se deterioraram principalmente a partir de julho, quando o presidente americano, Donald Trump, anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros exportado ao país.
A ofensiva seguiu com a aplicação de sanções a autoridades brasileiras, como Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), com base na Lei Global Magnitsky.
Os EUA também apoiaram Israel nos ataques contra o Irã, em junho.
*Com informações de Mariana Alvim e Rute Pina
Fonte.:BBC NEWS BRASIL