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1 de setembro de 2025

a “senhorinha da Bíblia” que virou símbolo da anistia

a “senhorinha da Bíblia” que virou símbolo da anistia

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Sempre abraçada à Bíblia, Ilda Ferreira dos Santos — conhecida como “Irmã Ilda” ou “senhorinha da Bíblia” — ficou conhecida por participar ativamente de ações em prol da anistia aos envolvidos no 8 de janeiro. Ela já foi reconhecida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro como “símbolo” da anistia e recebeu homenagem no Senado como “Mulher do Ano” em 2023. Mesmo analfabeta, Ilda é bastante ativa em sua igreja, já foi missionária na África e semanalmente comparece ao Congresso Nacional para fazer orações.

A Gazeta do Povo entrevistou com exclusividade a religiosa, que completou 84 anos no último dia 12 de julho. Natural de Formosa, em Goiás, ela é caçula de uma família com nove filhos. “Todos já faleceram”, lamenta, ao citar que o último irmão a morrer, aos 86 anos, “era apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro igual eu, e chorava só de pensar que poderiam prender Bolsonaro”.

Com a morte do irmão, ela perdeu o único incentivo familiar que tinha em relação à política, pois segundo ela, apesar de seus nove filhos respeitarem seu posicionamento, eles não a acompanham. “São do outro lado”, diz.

Na entrevista à Gazeta do Povo, Irmã Ilda conta o que aconteceu nos dias 8 e 9 de janeiro de 2023, quando mais de 2 mil pessoas, várias delas idosos e mães de crianças pequenas, foram presas por suposta participação nos protestos violentos.

Como foi sua infância no interior de Goiás? A senhora teve oportunidade de estudar?

Irmã Ilda: Meu pai faleceu quando eu tinha só dois meses, então não o conheci. Ele morreu por uma picada de cobra, e minha mãe teve que cuidar da família. A gente morava no interior e as coisas eram muito difíceis, mas lembro que minha mãe era igual um homem para trabalhar porque se esforçava muito. Deus a abençoou e ela criou a gente. Só que eu não fui para a escola e até hoje não sei ler.

Mesmo sem saber ler, a senhora sempre carrega a Bíblia?  

Irmã Ilda: Sim, eu amo a Bíblia. É meu livro preferido, referência da minha vida e da minha fé, então sempre ando com ela. Se eu pudesse teria bíblias de todos os tipos, mas não gosto de Bíblia pequena, tem que ser grande.

E como é sua saúde? A senhora sempre teve essa disposição para participar das atividades na igreja, da política e para ajudar outras pessoas?

Irmã Ilda: Hoje minha saúde é muito boa e eu não tomo nenhum remédio, mas há 48 anos eu pensei que ia morrer. Tive um câncer no intestino e outro no seio. Fiz uma cirurgia para tirar o caroço da mama, só que voltou a doer. O câncer do intestino também estava muito ruim. Além disso, eu vivia encontrando caroços nas pernas e embaixo do braço. Aí decidi entregar minha vida para Jesus porque queria fazer a obra de Deus, e Ele me deu saúde.

Hoje tudo que vem à minha mão para fazer, eu faço com alegria e, mesmo sem ter condições financeiras, tento ajudar quem precisa. Esta semana mesmo eu soube de uma família da Venezuela que viajou três meses de carona para chegar aqui [em Brasília] e estava na rua com duas crianças. Ajudei com o que eu tinha e falei para outros colaborarem também.

Como começou sua história com a religião?

Irmã Ilda: Eu estava esperando o quinto filho e enfrentando o câncer no intestino. Eu sentia muita dor, fraqueza e não conseguia dormir, e foi aí que comecei a ir para a igreja. Mas meu marido tinha ódio de crente, então eu tinha que ir escondido. Aos poucos, fui melhorando da saúde, e meu esposo deixou que eu frequentasse.

E em algum momento ele decidiu participar também?

Irmã Ilda: Sim. Um dos nossos filhos tinha crises muito fortes de bronquite asmática e vivíamos levando ele no hospital. Um dia, uma irmã da igreja orou pelo nosso filho e o menino melhorou na hora e passou a cantar na igreja. Depois que isso aconteceu, meu esposo entregou a vida para Jesus e se tornou presbítero da Igreja Assembleia de Deus.

Ele faleceu há 26 anos, mas eu continuo trabalhando para Jesus até que ele me leve também. Participo de várias atividades na igreja, já fui missionária na África e estou fazendo toda semana um momento de oração, louvor e pregação da Palavra no Congresso Nacional.

Foi chegando gente chorando, machucada com bala de borracha e sangrando muito. Tinha uma pessoa tão ferida que não conseguia nem ficar em pé.

Ilda Ferreira dos Santos, conhecida como Irmã Ilda, ao falar sobre o 8 de janeiro

Falando em Congresso Nacional, a senhora sempre se interessou por política?

Irmã Ilda: Eu não gostava nem de falar, tinha horror de político e não entendia nada. Hoje falo que o Bolsonaro veio para separar o joio do trigo, e foi a partir da candidatura dele que eu abri os olhos para esse assunto. Aí comecei a me envolver e a participar de manifestações.

Sua atuação tem sido muito forte em prol da anistia aos presos do 8 de janeiro. Por que a senhora tem participado?

Irmã Ilda: Porque eu conheci essas pessoas. Acompanhei de joelhos a contagem dos votos na eleição de 2022 e lembro que o Bolsonaro estava ganhando. Não acreditei quando o resultado mudou nos últimos instantes. Então, no outro dia de manhã eu decidi ir à Esplanada dos Ministérios, aqui em Brasília, sem saber se tinha gente lá. Estava tudo fechado, mas fiquei andando e orando na chuva. Na terça eu fui de novo. Aí duas viaturas pararam perto de mim, e um policial disse para eu ir no QG porque as pessoas estavam se reunindo. Eu fui e fiquei até o dia 8 de janeiro.

Como era o acampamento em frente ao Quartel-General (QG) do Exército, em Brasília?

Irmã Ilda: Era muito bom. Tinha caminhão de som, muita gente, bandeiras, e eu ficava orando e cantando hinos. Decidi dormir no acampamento, dentro da cantina. No outro dia um rapaz cedeu a barraca dele para eu dormir, e outra senhora me ofereceu uma coberta. Toda noite eu fazia um percurso de oração em volta do QG e, às vezes, fazia até na madrugada. Quase todo mundo lá me conhecia.

O que aconteceu nos dias 8 e 9 de janeiro de 2023? A senhora estava lá?

Irmã Ilda: Uma semana antes do 8 de janeiro eu fui para a minha igreja e voltei para o QG no sábado e domingo. Lembro que no sábado, dia 7, o moço do caminhão falou que não teria mais atividades naquele dia porque as ações continuariam só no domingo, às 16h, e depois na segunda-feira com uma manifestação pacífica, de manhã, na Esplanada. Então voltei para a escola bíblica da minha igreja, e umas 13h do domingo algumas pessoas me falaram que tinha gente quebrando tudo na Praça dos Três Poderes.

A senhora foi para o QG mesmo sabendo dessa notícia?

Irmã Ilda: Sim. Quando cheguei, vi que a situação não estava normal. Umas 16h foi chegando gente chorando, machucada com bala de borracha e sangrando muito. Tinha uma pessoa tão ferida que não conseguia ficar em pé. Uma senhora de Belo Horizonte estava desesperada falando que os filhos tinham ficado presos, e ela foi orar comigo.

Naquela noite dormiram umas sete, oito pessoas na minha barraca, que já era um espaço grande com armário, colchão, cobertas, tudo. Mas eu não dormi. Via os helicópteros passando por cima da gente e fiquei a noite todinha orando. Aí a polícia chegou. Tinha mais de 200 soldados do Exército, caminhões grandes, pequenos, motos, um horror. Mas eu não falava nada, só orava.

“Já fiquei sabendo que queriam me prender e que não era mais para eu ir ao Congresso porque, se eu colocasse o pé lá, sairia algemada”

Ilda Ferreira dos Santos

Como a senhora não foi presa naquele dia?

Irmã Ilda: Era quase 6h e eu encostei na cerca. Aí vi o Exército com armas na mão e, entre o Exército e a cerca, vi uns rapazes à paisana que estavam orientando as pessoas. Quando eles me viram, começaram a falar “senhora, vá embora agora, passe por ali e por ali”.

Eu só fui na minha barraca pegar minha bolsa e chamar duas irmãs da igreja. Falei que elas tinham que sair naquela hora porque às 6h a polícia ia entrar. As duas ainda quiseram desarmar a barraca e foram jogando as coisas dentro da bolsa, e eu falava para deixarem tudo. Aí ouvimos o barulho das viaturas e saímos pelo caminho que os rapazes tinham mostrado. Caminhamos uns três quilômetros até a BR para chamar um Uber. Cheguei em casa umas 11h. Foi Deus que me tirou de lá.

O que espera que aconteça a partir de agora?

Irmã Ilda: Eu sei que a verdade vai chegar. O preço tem sido alto para quem está lutando, mas Deus tem sustentado parlamentares como Nikolas Ferreira, Magno Malta, o senador Eduardo Girão e tantos outros que eu nunca imaginei que iria conhecer.

A senhora tem medo do que possa acontecer? Tem medo de ser presa?

Irmã Ilda: Não tenho medo de nada. Já fiquei sabendo que queriam me prender e que não era mais para eu ir ao Congresso porque, se eu colocasse o pé lá, sairia algemada. Mas fui várias vezes depois de ouvir isso e continuarei. Precisamos de mais pessoas orando e buscando a Deus.

Assim como Deus entregou os midianitas nas mãos do exército de Gideão, Deus tem poder para nos dar essa vitória. A gente tem tido contato com o povo da Venezuela e sabemos como eles sofrem até para conseguir o mínimo de comida. Agora querem fazer isso com o Brasil, mas aqui não vai acontecer.



Fonte. Gazeta do Povo

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