“A oportunidade para um encontro que nos transforma, a descoberta de uma rocha firme na qual descobrimos que podemos ancorar-nos para enfrentar as tempestades da vida”.
Estas são algumas das últimas palavras do Papa Francisco, falecido nesta segunda-feira (21) após enfrentar complicações de uma pneumonia, àqueles que estão enfermos.
O trecho pertence ao último discurso do pontífice para o Dia Mundial do Doente, celebrado em 11 de fevereiro. O texto completo foi assinado em 14 de janeiro e fala aos fiéis sobre três alicerces que o catolicismo oferece para acalantar quem está encarando uma doença grave: “o encontro, o dom e a partilha”.
No discurso, Francisco fala sobre os desafios no enfrentamento de condições severas e como um diagnóstico impacta toda a família. “Como é que nos mantemos fortes quando somos feridos na carne por doenças graves, que nos incapacitam, que talvez exijam tratamentos cujos custos vão para além das nossas possibilidades? Como fazê-lo quando, não obstante o nosso próprio sofrimento, vemos o daqueles que nos amam e que, embora próximos de nós, se sentem impotentes para nos ajudar?”, lista.
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Diante das tribulações, o pontífice prega sobre a importância de ter “um apoio maior do que nós”, evocando os princípios da Igreja para ajudar os fiéis a passarem por esses períodos.
Todos os discursos do Papa Francisco para a data podem ser consultados no site oficial do Vaticano, disponíveis em várias línguas. Desde 2014, foram 12 mensagens.
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Mensagem para o Dia Mundial do Doente de 2025
A seguir, leia na íntegra a divulgada em janeiro deste ano, a última de seu papado para a ocasião.
Queridos irmãos e irmãs!
Estamos a celebrar o XXXIII Dia Mundial do Doente no Ano Jubilar de 2025, durante o qual a Igreja convida a tornarmo-nos “peregrinos de esperança”. Nisto, somos acompanhados pela Palavra de Deus que, através de São Paulo, nos transmite uma mensagem de grande encorajamento: “A esperança não engana” (Rm 5, 5), aliás, fortalece-nos nas tribulações.
São expressões reconfortantes, mas que podem levantar algumas questões, sobretudo em quem sofre.
Por exemplo: como é que nos mantemos fortes quando somos feridos na carne por doenças graves, que nos incapacitam, que talvez exijam tratamentos cujos custos vão para além das nossas possibilidades? Como fazê-lo quando, não obstante o nosso próprio sofrimento, vemos o daqueles que nos amam e que, embora próximos de nós, se sentem impotentes para nos ajudar?
Em todas estas circunstâncias, sentimos a necessidade de um apoio maior do que nós: precisamos da ajuda de Deus, da sua graça, da sua Providência, daquela força que é dom do seu Espírito (cf. Catecismo da Igreja Católica, 1808).
Detenhamo-nos, pois, por momentos, a refletir sobre a presença de Deus junto dos que sofrem, particularmente nos três aspectos que a caracterizam: o encontro, o dom e a partilha.
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1. O encontro
Quando Jesus envia os setenta e dois discípulos em missão (cf. Lc 10, 1-9), exorta-os a dizer aos doentes: “O Reino de Deus já está próximo de vós” (v. 9). Ou seja, pede-lhes que os ajudem a aproveitar a oportunidade de encontro com o Senhor, mesmo na doença, por muito que seja dolorosa e difícil de compreender.
Com efeito, no momento da doença, se por um lado sentimos toda a nossa fragilidade – física, psíquica e espiritual – de criaturas, por outro lado experimentamos a proximidade e a compaixão de Deus, que em Jesus participou do nosso sofrimento. Ele não nos abandona e, muitas vezes, surpreende com o dom de uma tenacidade que nunca pensámos possuir e que, sozinhos, não teríamos encontrado.
A doença torna-se então a oportunidade para um encontro que nos transforma, a descoberta de uma rocha firme na qual descobrimos que podemos ancorar-nos para enfrentar as tempestades da vida: uma experiência que, mesmo no sacrifício, nos torna mais fortes, porque mais conscientes de não estarmos sós.
Por isso se diz que a dor traz sempre consigo um mistério de salvação, porque nos faz experimentar, de forma próxima e real, a consolação que vem de Deus, a ponto de “conhecer a plenitude do Evangelho com todas as suas promessas e a sua vida” (São João Paulo II, Discurso aos jovens, Nova Orleães, 12 de setembro de 1987).
2. E isto leva-nos ao segundo ponto de reflexão: o dom
Efetivamente, em nenhuma outra ocasião como no sofrimento, nos damos conta que toda a esperança vem do Senhor e que, assim sendo, é antes de mais um dom a acolher e a cultivar, permanecendo “fiéis à fidelidade de Deus”, segundo a linda expressão de Madeleine Delbrêl (cf. A esperança é uma luz na noite, Cidade do Vaticano 2024, Prefácio).
Além disso, só na ressurreição de Cristo é que cada um dos nossos destinos encontra o seu lugar no horizonte infinito da eternidade. Só da sua Páscoa nos vem a certeza de que nada, “nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem o abismo, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus” (Rm 8, 38-39).
E desta “grande esperança” derivam todos os outros raios de luz com que se podem ultrapassar as provações e os obstáculos da vida (cf. Bento XVI, Carta enc. Spe salvi, 27.31). E não apenas isso, porque o Ressuscitado também caminha connosco, fazendo-se nosso companheiro de viagem, como aconteceu com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 13-53).
À semelhança destes, também nós podemos partilhar com Ele as nossas perturbações, preocupações e desilusões, podemos escutar a sua Palavra que nos ilumina e faz arder o coração, e reconhecê-Lo presente ao partir o Pão, recolhendo do seu estar connosco, apesar dos limites do tempo presente, aquele “mais além” que, ao aproximar-se, nos restitui a coragem e a confiança.
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3. E assim chegamos ao terceiro aspecto, o da partilha
Os lugares onde se sofre são frequentemente espaços de partilha, nos quais nos enriquecemos uns aos outros. Quantas vezes se aprende a esperar à cabeceira de um doente! Quantas vezes se aprende a crer ao lado de quem sofre!
Quantas vezes descobrimos o amor inclinando-nos sobre quem tem necessidades! Ou seja, apercebemo-nos de que todos juntos somos “anjos” de esperança, mensageiros de Deus, uns para os outros: doentes, médicos, enfermeiros, familiares, amigos, sacerdotes, religiosos e religiosas. E isto, onde quer que estejamos: nas famílias, nos ambulatórios, nas unidades de cuidados, nos hospitais e nas clínicas.
É importante saber captar a beleza e o alcance destes encontros de graça, e aprender a anotá-los na alma para não os esquecermos: guardar no coração o sorriso amável de um profissional de saúde, o olhar agradecido e confiante de um doente, o rosto compreensivo e atencioso de um médico ou de um voluntário, o rosto expetante e trepidante de um cônjuge, de um filho, de um neto, de um querido amigo.
Todos eles são raios de luz que é preciso valorizar e que, mesmo durante a escuridão das provações, não só dão força, mas dão o verdadeiro sabor da vida, no amor e na proximidade (cf. Lc 10, 25-37).
Queridos doentes, queridos irmãos e irmãs que cuidais de quem sofre, neste Jubileu, mais do que nunca, vós desempenhais um papel especial.
Na verdade, o vosso caminhar juntos é um sinal para todos, “um hino à dignidade humana, um canto de esperança” (Bula Spes non confundit, 11), cuja voz vai muito além dos quartos e das camas dos lugares de assistência em que vos encontrais, estimulando e encorajando na caridade “a sincronização de toda a sociedade” (ibid.), numa harmonia por vezes difícil de alcançar, mas por isso mesmo dulcíssima e forte, capaz de levar luz e calor aonde é mais necessário.
Toda a Igreja vos agradece por isso! Também eu o faço e rezo por vós, confiando-vos a Maria, Saúde dos Enfermos, através das palavras com que tantos irmãos e irmãs, nas suas necessidades, se dirigiram a Ela:
À vossa proteção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus.
Não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades,
mas livrai-nos de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita.
A todos vós, juntamente com as vossas famílias e entes queridos, vos abençoo e peço, por favor, que não vos esqueçais de rezar por mim.
Roma – São João de Latrão, 14 de janeiro de 2025
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Fonte.:Saúde Abril