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18 de outubro de 2025

Aborto: Barroso vota por legado e gera desconforto no STF – 18/10/2025 – Equilíbrio e Saúde

Aborto: Barroso vota por legado e gera desconforto no STF – 18/10/2025 – Equilíbrio e Saúde

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O voto de Luís Roberto Barroso pela descriminalização do aborto pegou ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) de surpresa. Apesar de ser conhecida a posição do magistrado a respeito do tema, ele vinha dando indícios de que deixaria a corte sem votar na ação.

Alguns dos colegas, inclusive, souberam da decisão do colega pela imprensa na tarde de sexta-feira (17), apenas após ele pedir ao atual presidente da corte, Edson Fachin, uma sessão extraordinária virtual para registrar seu voto. O movimento gerou desconforto na corte, da qual Barroso saiu oficialmente neste sábado (18) ao se aposentar antecipadamente.

O ministro deixou indefinido até os últimos momentos se votaria na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 442, que retira a punição pela interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação. O agora ministro aposentado bateu o martelo de que se manifestaria apenas na noite de quinta (16).

No fim, decidiu fazê-lo e ir além: deu também duas decisões liminares nas ações cuja relatoria herdou de Fachin, quando este assumiu seu lugar na presidência da corte no início de outubro. Nelas, decidiu que enfermeiros e técnicos de enfermagem podem auxiliar no procedimento de aborto nos casos previstos pela legislação e não podem ser punidos por isso.

O Código Penal prevê no artigo 128 o monopólio dos médicos sobre a prática, citando apenas essa categoria no trecho sobre os casos não puníveis. O CFM (Conselho Federal de Medicina) é contra a liberalização para outros profissionais.

Também suspendeu processos administrativos e penais e decisões em casos desse tipo (por exemplo, em ações contra esses profissionais que tenham conduzido aborto legal). Como as decisões foram liminares, passam a valer imediatamente.

Ao definir que votaria, o ministro comunicou a poucos colegas a decisão na manhã seguinte, incluindo Gilmar Mendes, com quem teve uma longa lista de conflitos durante seu tempo no tribunal —o mais famoso ocorrido em 2018, quando Barroso disse que Gilmar era uma “pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”.

Desde o governo Jair Bolsonaro (PL), porém, os dois ministros estreitaram laços e firmaram uma relação melhor. A ponto de combinarem uma dobradinha: Barroso pediria para votar na ação sobre a descriminalização no plenário virtual e, logo em seguida, Gilmar pediria destaque, interrompendo o julgamento. Foi o que aconteceu, por volta das 20h30 de sexta.

Isso não impediu que Gilmar abrisse divergência em relação à posição de Barroso na outra ação, sobre os profissionais de enfermagem, que ficou aberta para confirmação. O decano do tribunal afirmou não haver necessidade de liminar no caso.

Em seguida, mais quatro ministros votaram na mesma linha: Cristiano Zanin, Flávio Dino, Kassio Nunes Marques e André Mendonça. Nenhum dos quatro registrou um voto por escrito, com seus fundamentos —dando a dimensão de que votaram emergencialmente, enviando também um recado ao agora ex-colega.

Legado pessoal

Caso Barroso não votasse, o ministro que ocupar sua vaga herdaria tanto a relatoria das duas ADPFs nas quais ele decidiu nesta sexta quanto o direito de manifestação no mérito da ação mais ampla.

Hoje, o mais cotado para a vaga é o advogado-geral da União, Jorge Messias, que é evangélico. Algumas pessoas próximas ao ministro aposentado afirmam que as possibilidades para a sua sucessão entraram para o cálculo da decisão final.

Por outro lado, a avaliação é de que elemento biográfico pesou mais. Ou seja, o tema dos direitos reprodutivos é caro a Barroso e ele considera relevante para a sociedade, de forma geral, que a descriminalização aconteça —e quer deixar sua marca na contribuição para isso.

O magistrado participou de momentos importantes na história da liberalização do aborto no Brasil. Ele atuou como advogado na ação que autorizou o procedimento em casos de anencefalia, em 2012, e participou do julgamento de 2016 na Primeira Turma da corte que entendeu que o aborto não é crime se feito até o terceiro mês de gestação.

A decisão da Primeira Turma foi tomada com os votos de Barroso, Fachin e Rosa e dada em um caso concreto, sem repercussão geral. Mas animou setores feministas para articularem a construção da ADPF 442, apresentada em 8 de março de 2017.

Barroso está com a ADPF 442 em seu gabinete desde setembro de 2023, quando Rosa Weber deixou a corte logo após votar pela descriminalização, usando como argumentos os direitos reprodutivos e a autonomia das mulheres.

Esta sexta-feira foi rodeada de tensões em torno do voto do ministro. Animadas com rumores de que a decisão havia sido tomada, movimentos feministas articularam uma intensa campanha nas redes sociais para pressionar Barroso a seguir em frente com o voto.

Desde 2023, havia a expectativa de que ele pautasse o julgamento durante a presidência. O ministro vinha repetindo, no entanto, que o país não estaria preparado para analisar o tema. Nos bastidores, o entendimento era de que Barroso acredita não haver votos suficientes no tribunal para a descriminalização, e, além disso, o clima político seria ainda mais tensionado para a retomada do julgamento.

Quando Barroso pediu para Fachin marcar a sessão extraordinária virtual, as ativistas comemoraram. Mas o que se seguiu foi uma espera de cinco horas para que o presidente da corte respondesse favoravelmente. No despacho que determina a abertura da sessão, Fachin chega a dizer que consideraria melhor se o tema fosse tratado no plenário presencial.

Futuro da ADPF 442

Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes completarão 75 anos durante o próximo ciclo presidencial e deixarão a corte compulsoriamente. Os votos dos três são considerados incertos. Fux é visto com maior probabilidade de votar contra a ação, enquanto Cármen e Gilmar dividem opiniões.

Há também uma disputa em torno da contagem de votos dos ministros nos bastidores. Uma ala, por exemplo, contabiliza Alexandre de Moraes como um provável voto pela descriminalização —especialmente depois de suas decisões recentes em ações ligadas a medidas tomadas pelos conselhos de medicina para restringir o aborto legal. Isso, no entanto, não está garantido.

Fachin, por sua vez, foi um dos votos favoráveis, junto de Barroso e Rosa, na decisão de 2016 considerada um importante precedente sobre o tema. Naquele momento, a turma deu um habeas corpus que revogou a prisão preventiva de cinco pessoas que trabalhavam numa clínica clandestina de aborto em Duque de Caxias (RJ).

Como sucessor de Rosa Weber, Flávio Dino não vota no mérito da ação. Ele e Cristiano Zanin são católicos e poderiam ser contrários à descriminalização. André Mendonça e Kassio Nunes Marques são lidos como conservadores. Dias Toffoli também integraria essa corrente.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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