O administrador Stefano Freitas, 34, cresceu vendo a mãe fazer campanhas de arrecadação de alimentos e roupas para pessoas em situação de vulnerabilidade. Em uma delas, ela chegou a levar, em seu carro, mil cobertores para moradores de rua.
Na vida adulta, Stefano também fez algumas ações esporádicas como voluntário, até que decidiu se engajar de forma mais ativa no acolhimento de uma família de venezuelanos recém-chegados ao Brasil.
Ele contou, para isso, com a mediação do Refúgio 343, ONG dedicada à reinserção socioeconômica de refugiados. Um dos programas é o Acolhimento Solidário, que conecta brasileiros dispostos a receber famílias de imigrantes, apoiando-as até que se tornem independentes.
Os acolhedores se responsabilizam pela recepção e por todos os custos dos recém-chegados, até que eles obtenham seu primeiro salário. A organização apoia o deslocamento até a cidade de destino e monitora a adaptação.
Em meados de 2020, Zabdier Blanco, 33, chegou a Belo Horizonte, onde mora Stefano, com a esposa e três filhos pequenos. O acolhimento deu tão certo que os dois se tornaram parceiros de negócios e se falam quase todo dia.
Dois anos depois, o brasileiro se uniu a uma amiga para trazer outra família de venezuelanos, que também se estabeleceu em Minas Gerais. Leia o depoimento de Stefano.
“Eu vinha acompanhando pela imprensa a situação da imigração na fronteira da Venezuela com o Brasil. Sempre li muito sobre refugiados, era um assunto que me despertava curiosidade.
Até que um amigo criou a ONG Refúgio 343 e precisava de pessoas para acolher as famílias que estavam em Roraima.
Deve ser muito difícil se sentir vulnerável em um lugar estranho, sem saber falar a língua. Acho que facilita encontrar pessoas dispostas a dar uma mão. É uma situação na qual, com pouco esforço, é possível fazer uma diferença grande na vida de alguém.
Consultei amigos e familiares e vi que teria uma rede disposta a colaborar. Isso me incentivou.
Deve ser muito difícil se sentir vulnerável em um lugar estranho, sem saber falar a língua. Acho que facilita encontrar pessoas dispostas a dar uma mão. É uma situação na qual, com pouco esforço, é possível fazer uma diferença grande na vida de alguém.
Com o apoio do Refúgio 343, planejamos os custos que a família teria nos primeiros seis meses, até conseguir caminhar com as próprias pernas, e fiz uma vaquinha.
O Blanco estava em Boa Vista com a esposa, uma bebê, um filho de quatro anos e outro de oito anos. Eles chegaram a dormir na rua, porque estava vindo muita gente da Venezuela e Roraima não conseguia absorver o fluxo.
Eles chegaram a Belo Horizonte em meados de 2020, na pandemia, e fui buscá-los no aeroporto. Foi um momento muito marcante. Quando você vê a família saindo do avião, bate um senso de responsabilidade. É emocionante e compensador ver a coisa acontecendo.
No início, nós os ajudamos a tirar a documentação, a achar escola, mas rapidinho eles se organizaram.
O Blanco é mestre de obras e é muito desembolado, andava para cima e para baixo olhando coisas para fazer, para ganhar um dinheirinho.
Alugamos o apartamento na região metropolitana de Belo Horizonte, onde tem mais oferta de emprego. No começo, eles enfrentaram um certo preconceito dos vizinhos, acho que por não ser uma região muito acostumada com a imigração. Mas hoje estão bem adaptados, tanto que já trouxeram mais uns dez familiares para cá.
Blanco e eu acabamos nos tornando parceiros de negócios. Trabalho no ramo imobiliário e faço várias parcerias com ele: a gente compra imóveis que demandam reforma ou construção e ele faz o gerenciamento da obra.
Gosto do trabalho dele e, até pela relação que construíamos, ele está sempre preocupado em entregar, em pensar em alternativas que outra empresa não pensaria. A gente conversa praticamente todo dia e ele sempre conta como está a vida dele, os filhos, mostra fotos.
Dois anos depois, uma amiga que acompanhou esse primeiro caso me procurou porque queria organizar outro acolhimento. Foi bem tranquilo porque já tínhamos essa rede de apoio. Em 2022, chegou o Oscar com a esposa e dois filhos pequenos.
Hoje, temos um grupo que segue angariando doações para mobiliar os imóveis de outros imigrantes que chegam.
Antes desse acolhimento, eu já tinha realizado doações e sido voluntário pontualmente, mas nunca tinha feito algo tão impactante assim, que eu liderasse.
É uma sensação muito boa saber que ajudamos alguém. A família do Blanco e do Oscar agradeceram várias vezes, mas esse reconhecimento nem precisa ser vocal. Só de você ver a coisa acontecendo, já é gratificante.
Não dá tanto trabalho assim. Você dedica algumas horinhas e um pouco de esforço e o benefício é muito grande também para quem ajuda.”
Esta reportagem foi produzida para a Causa do Ano: Doar É Transformar, que conta com apoio do Movimento Bem Maior.
Fonte.:Folha de S.Paulo