1:45 AM
15 de dezembro de 2025

Algoritmos serão juiz das redes no lugar do STF em 26, diz jurista

Algoritmos serão juiz das redes no lugar do STF em 26, diz jurista

PUBLICIDADE



A reinterpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2025 abriu brechas para um incremento da censura em 2026, o que pode ter impacto sobre o debate público e a atuação de candidatos nas redes sociais em pleno ano eleitoral.

Para a advogada Francieli Campos, especialista em Direito Eleitoral e Direito Digital, o risco é claro: com a nova jurisprudência, o Judiciário terceirizou às plataformas e aos seus algoritmos o papel de árbitro do que pode ou não ser dito na internet. O resultado poderá ser censura prévia automatizada seguindo os critérios estabelecidos pelo STF.

Francieli é coordenadora da pós-graduação em Direito Eleitoral da Fundação Escola Superior do Ministério Público e ex-presidente do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral. Recentemente, tem se dedicado ao estudo das tecnologias digitais no contexto da Justiça Eleitoral.

Nesta entrevista à Gazeta do Povo, ela comenta os efeitos da jurisprudência recente do STF, critica o protagonismo da Justiça Eleitoral na criação de normas e alerta para o risco de as plataformas serem obrigadas a aplicar censura automatizada. “O algoritmo vai ser o juiz da opinião do cidadão brasileiro”, afirma. Confira a entrevista:

Segundo um levantamento recente feito pela Gazeta do Povo, ao menos 13 parlamentares já tiveram suas contas bloqueadas ou removidas de redes sociais pelo STF ou TSE nos últimos anos. Quão grave é isso do ponto de vista do Direito Eleitoral?

A nossa legislação eleitoral no Brasil é uma das mais restritivas do mundo. Em qualquer país vizinho nosso, ou nas grandes democracias europeias, nos Estados Unidos e até mesmo na Índia, você vai ver que há uma liberdade muito maior de se fazer propaganda eleitoral. No Brasil, a legislação diz até o tamanho do centímetro do adesivo que o eleitor pode colocar na sua casa, ou o tamanho da bandeira. O eleitor não pode expor da maneira que bem entende a sua preferência e participar da democracia da maneira como ele acha mais conveniente, coisa que não acontece nas outras democracias.

E a Justiça Eleitoral também tem feito uma restrição com relação aos candidatos. No caso citado, são pessoas que concorrem à reeleição, que já têm um mandato. A imunidade parlamentar é um direito e uma garantia da democracia. Serve justamente para que o parlamentar possa exercer o seu múnus público. Ele tem que ter liberdade para fazer crítica contundente, uma crítica que o cidadão comum não poderia fazer.

Hoje, no Brasil, há uma questão muito grave nesse sentido, que é uma tendência de sempre aplicar primeiro a sanção mais grave. Não há um escalonamento. Sobre os perfis citados, vamos supor que o parlamentar tenha realmente cometido algum ilícito: será que ele tem que ter o perfil removido, e não só aquela manifestação específica?

Deveria haver uma gradação. A maioria das pessoas, principalmente no âmbito deste inquérito, simplesmente tem a sua conta desativada e nem sabe o número do processo que desativou a conta. O Elon Musk já revelou isso com relação à rede social de que é proprietário, que é o X: eles receberam as ordens de remoção sem nem saber o motivo e nem saber o número do processo.

É uma questão que precisa urgentemente ser repensada, que é a de sempre restringir a manifestação tanto do eleitor quanto daquele que é eleito para participar da democracia.

Por exemplo, a Justiça Eleitoral, em resolução, proibiu deepfake, inclusive deepfake do bem. Se eu quisesse fazer uma deepfake bonitinha, uma deepfake elogiosa, se eu quisesse usar da inteligência artificial para um conteúdo que poderia baratear minha campanha, que é uma campanha feita com recursos públicos, eu poderia utilizar deepfake. E a Justiça Eleitoral proíbe.

Essa questão dos perfis de rede social está dentro de um contexto maior de tendência restritiva de toda a legislação que envolve eleição e democracia no Brasil.

Como a reinterpretação do artigo 19 do Marco Civil pode afetar as eleições do ano que vem?

O artigo 57-J da Lei das Eleições continua sendo aplicado para as eleições. E o próprio STF fez uma ressalva sobre a legislação eleitoral quando divulgou a tese final do Marco Civil. Então, a princípio, a gente não teria uma mudança no que já era feito.

Mas a gente tem que aguardar as resoluções, porque a Justiça Eleitoral tem função não só de organizar eleições e julgar. Ao contrário das outras justiças especializadas, ela também legisla. E a gente está aguardando. Em toda eleição, vêm novas resoluções.

Pode ser que venha alguma mudança sobre internet, até porque existem projetos de lei tramitando no Congresso que proíbem decisões judiciais de retirar perfis de candidatos do ar durante a campanha. Eu imagino que as resoluções sejam cada vez mais restritivas e não democráticas. Então, elas vão ter sempre mais restrição. Esse é o caminho que a Justiça Eleitoral tomou nos últimos tempos.

O Marco Civil é uma lei que foi elaborada conjuntamente com a sociedade, e agora, alguns anos depois de estar em pleno vigor, o STF decidiu que aquele artigo tinha “oxidado”. Eu uso essa expressão para as pessoas entenderem que ele “foi se tornando inconstitucional”, que é uma coisa meio surpreendente, porque a Constituição não mudou.

Se você vê o julgamento do Marco Civil e lê os votos, nenhum voto é igual ao outro, nenhum voto vai na mesma direção. Nem o STF chegou a um consenso de como deveria ser essa questão da responsabilidade das plataformas, da responsabilidade dos usuários e da maneira de retirada ou manutenção das postagens.

Então, não houve consenso no Congresso para fazer uma modificação e não houve consenso também no STF, porque alguns ministros declararam inconstitucional, outros parcialmente constitucional e outros constitucional. E mesmo dentro dessas três opções, nenhum voto é igual ao outro.

Os ministros do STF se comportaram como o parlamento, não? Criticaram o parlamento por não ter chegado a um consenso e também não chegaram a um consenso…

Sim, e no final eles dizem que a tese só é válida enquanto o parlamento não editar uma nova lei, sabendo que o parlamento não tem consenso para isso, ou seja, o que vai vigorar é a tese, pelo menos nos próximos tempos. A gente pode ter um novo Congresso, mas aí o projeto precisaria começar a tramitar de novo com esses novos parlamentares. E nós sabemos que não é simples um projeto desses ser aprovado quando não há consenso.

Quando há consenso, os projetos andam rápido. O projeto de proibir celulares nas escolas, por exemplo, andou super-rápido. O STF sabe que vai demorar, e estabeleceu ali a sua tese, e agora a população é que se vire. Historicamente, o Brasil sempre foi uma democracia restritiva tanto com os direitos do cidadão eleitor quanto com os dos que pleiteiam os cargos eletivos. Isso é histórico no Brasil, e eu acho que o STF tem reforçado essa tutela das pessoas.

Para as plataformas, quais devem ser os principais impactos durante o ano eleitoral?

Por enquanto, até o trânsito em julgado, o acórdão do STF sobre o Marco Civil não está em vigor. Hoje, se você tem uma publicação que se enquadra naquele rol que o STF estabeleceu de publicações que têm que ser imediatamente removidas, censuradas antes da publicação, o sistema é assim: eu publico e depois a responsabilidade é minha. Se eu não estiver contra os termos de uso das plataformas, a minha postagem vai ficar ali, até que alguém entre ou com uma ação judicial para retirá-la ou faça denúncia na plataforma por violação dos termos de uso.

Com a mudança prevista, o que a gente vai ter, basicamente, em situações que são interpretativas, que dependem de interpretação, é que o algoritmo vai ser o juiz. A gente está dando poder aos algoritmos para fazerem interpretação da vontade popular. Basicamente é isso.

Dentro do contexto eleitoral, eu imagino que as plataformas, no início, sejam muito restritivas. Elas vão aplicar essa decisão do STF de uma forma mais restritiva do que a interpretação média diria.

Então, a gente vai ter um ano que vai ser uma caixinha de surpresa para todos – tanto para as plataformas quanto para a Justiça, que também não vai ter muita certeza de como julgar, de como agir. Nós teremos, em muitos casos, um algoritmo sendo o juiz da opinião do cidadão brasileiro.

Enquanto o Congresso não editar nova lei, a decisão do STF vai continuar prevalecendo. A senhora vê como possível, na atual situação do país, um consenso para a elaboração de uma lei nesse sentido que corrija a decisão do STF?

Tem que ser possível. O Marco Civil foi criado através de uma grande participação de entidades da sociedade civil. Eu acho que a gente precisa ter, sim, uma atualização de regulamentação, uma atualização de responsabilidade das plataformas.

A gente já tem, agora, o ECA digital, para ter uma proteção maior com relação a pessoas que são vulneráveis, os menores de idade. É uma lei que, obviamente, não é perfeita, mas era uma lei necessária, no meu entendimento.

A gente precisa, como sociedade, sentar e conversar e chegar a um consenso. Existe um lobby, todo mundo sabe, enorme das plataformas dentro do parlamento. E isso faz parte do jogo democrático. É legítimo que elas ponderem essas questões enquanto empresas. Mas as plataformas, hoje em dia, têm uma responsabilidade pública. Elas não são só um ente privado que deve ter as suas regras. A sociedade como um todo hoje utiliza plataformas, desde pequenos empreendedores até redes de educação. Durante a pandemia, as escolas colocaram muita coisa online, em diversos tipos de plataformas. Muita coisa na sociedade mudou depois da pandemia, com relação ao uso de internet.

É necessária, sim, uma atualização, mas é necessário o diálogo. De todo mundo. Não pode ser uma coisa açodada, não pode vir de cima para baixo, a partir do STF. Entendo que o STF não tem que ter protagonismo nessa questão. Ele não tem que ser o protagonista. O protagonista é a sociedade e o Poder Legislativo, porque essa é uma função do Poder Legislativo.

A gente precisa debater esse assunto, reorganizar a responsabilidade das plataformas. Tem também o projeto do Marco Civil da Inteligência Artificial, que é um tema que está sendo debatido no Congresso. A gente precisa de uma lei que regulamente isso. Todas as questões de risco que envolvem inteligência artificial, o uso de inteligência artificial com dados sensíveis de pessoas, de governos, enfim… A gente tem que ter regulamentação dessas coisas, mas precisa haver um debate plural, com tempo para chegar a um consenso. Não pode vir de cima para baixo.



Fonte. Gazeta do Povo

Leia mais

Rolar para cima